stdClass Object ( [id] => 17456 [title] => A grande beleza do fim [alias] => a-grande-beleza-do-fim [introtext] =>As perguntas nuas / 16 – Ao fundo da vida, o seu fim, não o negócio
por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 21/02/2016
“Além de ser sábio, Qohélet ensinou a ciência ao povo. Estudou, investigou e compôs numerosas sentenças. Qohélet aplicou-se a encontrar sentenças agradáveis e a escrever com exatidão palavras de verdade. As palavras dos sábios são como aguilhões, como estacas bem cravadas… O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu”.
Qohelet 12,9-13
É difícil ler os grandes livros. Seria preciso a mansidão da mente, a liberdade do espírito, a pureza do coração e, sobretudo, a pobreza: não ter nada e não defender nada. Alguns livros e as grandes obras de arte encontram-nos nos nossos sepulcros e repetem-nos “vem para fora”. Mas não conseguimos sair se não estamos nus e pobres perante o autor que nos fala e nos chama, se não nos libertamos do sudário, deixando-o "enrolado, num lugar à parte".
[fulltext] =>Esta operação de esvaziamento é ainda mais difícil com o texto bíblico. Abordamo-lo carregados com as nossas muitas ideologias, crescidas nos milénios, à volta das religiões, ricos da nossa ideia de como deve ser Deus, a nossa fé e a dos outros. E, assim, estes grandes textos não encantam, roçam-nos sem nos tocar. Não nos ferem, e não nos abençoam. Qohélet só nos abençoou, nestes quatro meses passados na sua companhia semanal, se o deixámos entrar até à medula da alma. Se o acolhemos na nossa casa, se comemos e se falámos com ele. E, no fim da escuta do seu cântico, encontramo-nos invadidos pela única consolação boa possível, debaixo do sol: a realidade na sua nudez, com as suas grandes dores e com as suas possíveis e verdadeiras alegrias.
Agora, ao despedirmo-nos dele, dá-nos um último quadro anti-consolatório sobre a velhice: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que escureçam o Sol e a luz, a Lua e as estrelas, voltem as nuvens depois da chuva; quando os guardas da tua casa começarem a tremer, e os homens robustos, a vergar; quando as mós deixarem de moer por serem poucas, e se escurecer a vista dos que olham pela janela; … quando enfraquece a voz do moinho, quando se acorda com o piar de um pássaro, e emudecem as canções. Então, também haverá o medo das subidas, e haverá sobressaltos no caminho … e a alcaparra perde as suas propriedades … antes que se parta a bilha na fonte”. Para concluir com as suas palavras mais amadas, que nos ensinou a compreender e a amar: “Ilusão das ilusões - disse Qohélet - tudo é ilusão” (Qohélet 12, 1-8). Quando ainda és jovem, com os dentes (os ‘guardas’, as ‘mós’) numerosos, brilhantes e fortes, com o ouvido capaz de ouvir o canto dos pássaros, quando está vivo o desejo de subir, seguro, as encostas, quando o eros (a ‘alcaparra’) ainda é forte, e longe o fim do corrida (‘a bilha que se parte’). Descobres e vives a alegria verdadeira do tempo bom que tens: “A luz é agradável e é um deleite para os olhos ver o Sol … tudo o que acontece é ilusão. Jovem, regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos” (11, 7-9). Sabedoria é olhar toda a vida dos seus últimos dias, e não há aurora nossa mais bela que a contemplada pelos ocasos dos outros. Qohélet não é um louvor à velhice, e também nisto é um desmascarador de ideologias, daquelas que, no seu tempo, falavam muito bem dos velhos, esquecendo as dificuldades e os limites. Também aqui é anti-ideológico e anti-consolatório. Mas obriga-nos a vê-la, a colocá-la no centro da vida de todos. Sobretudo hoje, quando temos uma extrema e vital necessidade dela. O primeiro passo para construir uma nova cultura da velhice e da morte é recomeçar e vê-las, a olhá-las nos olhos; a fazê-las sair do eclipse em que, há décadas, entraram. Reaprenderemos a viver e a crescer se reaprendermos a morrer e a envelhecer.
Uma cultura da vida ama a velhice, porque ela é o seu auge, não a sua negação. A cultura da morte escorraça-a e amaldiçoa-a e, assim, torna tristes também os anos mais brilhantes. O grau de amor de uma civilização pela vida é revelado pelo seu modo de ver e tratar a velhice e a morte. Uma cultura inimiga da vida despreza os velhos e diz amar as crianças. Uma cultura da vida ama ambos, porque, no velho, sabe ver ainda a beleza do menino e não faz da criança um ídolo (para o humanismo bíblico, o filho é um anti-ídolo). Se desprezamos a velhice, é toda a vida que se ofusca, e não vemos o hoje que se viveu como um dia a mais, mas como um dia a menos. A metáfora da vida nas culturas que a amam é a árvore, não a vela. A árvore cresce com os anos, floresce, dá frutos e, geralmente, morre no fim da vida tornando-se dom à terra que a gerou e alimentou. A vela, pelo contrário, derrete-se, ardendo, e, mesmo quando dá luz, o tempo a passar é o seu inimigo. Um velho pode ser visto como um carvalho grande ou como um coto de cera que se está a extinguir. A Bíblia ensina-nos a ver os carvalhos na nossa floresta; ama muito a vida para no-la apresentar como um cemitério habitado por muitas velas mais ou menos gastas.
A velhice é o grande desafio negado pelo nosso tempo. Vivemos, e viveremos, num mundo cada vez mais habitado por pessoas velhas mas, paradoxalmente, em nenhuma época como a nossa, a velhice é depreciada e a juventude (não os jovens) adorada e adulada. A velhice já só é vista pelo mercado, que está a transformar o nosso medo de envelhecer e morrer no seu maior negócio, criando a ilusão que pode existir sempre um bom envelhecimento, diferente de aceitá-lo e chamá-lo ‘irmão’. No mercado, há muita saúde drogada pelo nosso medo da natural decadência do corpo. Demasiados seguros inventados e alimentados pela ilusão cultivada pela invulnerabilidade absoluta.
Há, então, uma necessidade urgente e vital de novos ‘carismas’ que nos ensinem, novamente, a envelhecer e a morrer, porque o esquecemos no espaço de uma geração. Através dos milénios, tínhamos desenvolvido uma sabedoria da última etapa da vida. Talvez um dos frutos mais preciosos das grandes religiões tenha sido ensinar-nos a sofrer, envelhecer e morrer. Um equilíbrio entre vida e morte, feito de família, comunidade, religião, fé, tempo, espaço, memória, em contacto com uma natureza que nos ensinava os ritmos da vida e da morte, que, a um dado momento, se quebrou, sobretudo no Ocidente. Entre nós, a velhice é rodeada apenas por adjetivos maus: a própria palavra é apregoada dum modo que já não se compreende. Mas sem uma boa cultura da velhice e da morte, não conseguimos ter boa relação com a vida, com o nascimento, com as crianças. E quanto menos se amam os velhos, menos se amam as crianças, que se tornaram direitos, mercadoria ou ídolos.
Finalmente, Qohélet não foi apenas um sábio. O epílogo do livro diz-nos que também foi um mestre, um homem que ‘ensinou’, que ‘deu conhecimento’ ao povo, alguém que sentiu a vocação de comunicar aos outros as próprias descobertas. É, portanto, um modelo para qualquer professor que vive a própria profissão como missão, para ajudar os próprios ouvintes e alunos a pôr à vida as perguntas justas, honestas, corajosas, dolorosas porque nunca alcoviteiras. O professor, amigo de Qohélet, é quem trabalha sobre as perguntas, para esperar conseguir, de vez em quando, dar alguma resposta, provisória e parcial, porventura preciosa, como o foram todas as suas nuas perguntas e as suas preciosas, porque raras, respostas.
Não é fácil concluir esta viagem, em companhia de Qohélet que, porém, nos recorda: “É melhor o fim de uma coisa do que o seu princípio” (7, 8). Nem sempre conseguimos acabar a viagem que iniciámos, porque não somos donos do nosso tempo e das nossas forças. Por isso, a primeira palavra a pronunciar, quando uma viagem termina é: obrigado. Depois, se a viagem foi longa, lindíssima, cheia de encontros, de surpresas e de descobertas, o obrigado torna-se maior e plural. O primeiro obrigado vai para Qohélet, o antigo velho mestre que quero e posso agradecer porque ainda está vivo. Obrigado, Qohélet, porque as tuas palavras foram um amadurecimento da minha vida e da minha fé, uma purificação das minhas muitas ideologias e ilusões consoladoras. As certezas são diminutas, mas as que ficaram são mais verdadeiras. Obrigado, também, ao Diretor Marco Tarquinio. Há dois anos, comuniquei-lhe o desejo, que sentia forte, de iniciar um comentário a alguns livros bíblicos. Sentia a necessidade de contribuir um pouco, para que os antigos e grandes livros voltassem a falar à economia e à vida social. Eu queria trazer Adão, Abraão, Agar, José, Moisés, Job para as praças, para as aulas de política, para os bairros, para as escolas, dos quais estavam e estão muito afastados. Pedi-lhe dois anos de tempo, porque sabia que a viagem não seria breve. E, embora não sendo um biblista nem um teólogo, mas apenas um professor de ciências económicas, o Diretor surpreendeu-me com um generoso e corajoso ‘sim’. Nestes dois anos, comentámos, assim, quatro livros – Génesis, Êxodo, Job e Qohélet –, numa das maiores experiências, humana e espiritual, da minha vida. Hoje, exatamente dois anos depois do primeiro artigo sobre o 1º Capítulo do Géneses, esta viagem bíblica termina – embora o desejo de voltar, dentro de alguns meses, a encontrar outros livros bíblicos seja muito forte. Contudo, o Diretor quis deixar-me a ‘página três’ de domingo, para continuar, já a partir da próxima semana, a procurar e a escrever. Por fim, obrigado a vós, leitores. Foram centenas, as cartas que me escrevestes, muito bonitas – entre estas, a de Anna, uma parteira, de 99 anos, que recebi depois do primeiro artigo das ‘Parteiras dom Egipto’: talvez a carta mais bonita da minha vida, oriunda duma linda velhinha. Todas foram um dom, pão e água que me alimentaram durante a viagem. E obrigado a Deus, pelas inspirações e pela alegria por tê-las podido escrever. Tudo é gratuidade. O caminho continua, ainda juntos.
Sim, o caminho continua. E continua junto a Luigino Bruni, que contribuirá para esta página de “Ideias” partilhadas com a sua preciosa experiência, a sua profundidade de análise e a sua escrita envolvente. Por isso, lhe digo o nosso “obrigado”. O que ele dirige a mim é, na realidade, para “Avvenire”, jornal onde, por mérito de quem, meio século atrás, o pensou, de quem o sustenta e de quem o constrói, é possível conjugar sabedoria antiga e nova, premente atualidade e olhar para o futuro. (mt)
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Qohelet 12,9-13
É difícil ler os grandes livros. Seria preciso a mansidão da mente, a liberdade do espírito, a pureza do coração e, sobretudo, a pobreza: não ter nada e não defender nada. Alguns livros e as grandes obras de arte encontram-nos nos nossos sepulcros e repetem-nos “vem para fora”. Mas não conseguimos sair se não estamos nus e pobres perante o autor que nos fala e nos chama, se não nos libertamos do sudário, deixando-o "enrolado, num lugar à parte".
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 14/02/2016
“Valência. Junto à margem da lagoa, caminhava um homem ancião, com um cão talvez ainda mais ancião. Vi-o aproximar-se do bordo da água e tirar do saco pães velhos. Pedaço a pedaço, lançou-os aos peixes. Fiquei a olhá-lo, fascinado pela monotonia dos seus gestos. Não durou pouco. Só no fim do fornecimento compreendi que estava a ver o versículo 11 de Qohélet. ‘Espalha o teu pão sobre a superfície das águas’ Um homem ancião, no outono de 1993, numa cidade espanhola, executava, à letra, o convite, dando ao versículo o seu significado único”.
Erri de Luca, Racconto su un verso di Kohèlet
«Espalha o teu pão sobre a superfície das águas; passado muito tempo, achá-lo-ás de novo» (Qohélet, 11, 1). Estamos perante um dos versículos mais belos e sugestivos do livro de Qohélet.
[fulltext] =>O seu significado não é simples, mas a sua ambivalência – poderia também esconder traços de um antigo provérbio sobre os proveitos e os riscos do comércio através do mar – não nos deve impedir de levar a sério o seu primeiro e imediato significado (uma antiga e sábia regra é preferir a interpretação mais simples entre as muitas possíveis de um texto complexo). De fato, um seu sentido aparece-nos quando lemos o primeiro versículo juntamente àqueles que se seguem: “Quem observa o vento, não semeia; e o que examina as nuvens, não ceifa. … Semeia de manhã a tua semente, e de tarde não deixes as tuas mãos ociosas, porque não sabes qual das coisas resultará melhor, se esta ou se aquela, ou se ambas são igualmente úteis” (11, 4-6). A lei da vida fecunda é o sobejo, a magnanimidade, a generosidade. O grão de trigo cresce e sacia-nos, se semeamos mais do que devemos, se vamos para além do cálculo da eficácia, se lançamos no terreno mais semente que a estritamente necessária. A nossa semente não deve ser lançada apenas no terreno bom. Também as pedras e os espinhos devem receber a sua parte porque, se semeio apenas dentro dos limites estreitos do meu campo bom, o trigo que nascerá não será suficiente nem sequer para mim. A fertilidade do ‘cêntuplo’ requer a generosidade do semeador, tem necessidade da sua capacidade de desperdiçar uma boa parte da semente, de se sublimar, de se transcender.
Quando Qohélet escrevia ou ditava estas palavras, o pão era alimento essencial e escasso para a quase totalidade da população. Com o pão se vivia e fazia viver os filhos; sem pão sofria-se, morria-se. Deitá-lo à água era, portanto, um gesto subversivo, imprudente, curioso, errado para os observadores do lançador. Mas, a Qohélet, agradam os paradoxos, já o sabemos, sobretudo os que nos podem ajudar a desmascarar a vaidade e as certezas fáceis, porque autoilusões. Também desta vez, o melhor exegeta de um versículo bom e misterioso é o próprio autor que, se o fazemos ‘falar’ com todas as palavas do seu livro, desta vez diz-nos que a primeira e imediata leitura daquele texto pode ser, justamente, a correta. E, assim, olhando com a grande-angular de todo o livro, descobrimos que a chave de leitura do início deste penúltimo capítulo é ainda a polêmica de Qohélet contra a religião econômico-retributiva. Nada é mais subversivo para a lógica econômica que um pão deitado à água.
Na sua sociedade, muito mais que na nossa, o pão era um bem especial, muito mais que uma mercadoria. Muito raramente era comprado ou vendido. Era produzido comunitariamente, partilhado nas refeições e, sobretudo, era dado. Um pedaço de pão não se nega a ninguém, nem ontem, nem hoje e, quando o fazemos, renegamos a nossa dignidade. Era usado, também, porque bem precioso, para os sacrifícios, como oferta sagrada (Génesis 14, 189. Para além do autoconsumo e dos deveres cultuais e de solidariedade, o pão não podia e não devia ser desperdiçado. Quando era criança, se, em casa, caía no chão um pedaço de pão e se estragava, antes de o dar aos animais, a minha mãe mandava-me beijá-lo. Cada pão vivido como dom recebido torna-se pão eucarístico: é boa gratuidade (eu charis), é gratidão. É maná, é pão de vida. Poderíamos reescrever a Bíblia como história do pão, tão potente e essencial é a sua presença.
Certamente que Qohélet, aqui, não nos quer convidar a fazer com o pão sacrifícios propiciatórios no mar ou nos aquários – foi duríssimo também com os sacrifícios a Elohim, no templo de Jerusalém (4, 17). Nem o pão deitado à água é o que é para os pobres ou para o templo. O seu desafio é à teologia que justificava qualquer ato humano na base dos bons resultados. A quem dava o pão para ser justo e, assim, lucrar uma bênção de Deus: “O homem de olhar generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre” (Provérbios, 22, 9). Em vez disso, Qohélet sugere-nos o lançamento do pão na superfície da água, se queremos vê-lo voltar de muitos modos, muitas vezes, em muitos dias. A sua sabedoria é uma sabedoria do excesso, da superação dos limites do razoável e da conveniência, social e religiosa.
Quem experimentou viver a vida, plena e verdadeiramente, formando uma família, pondo filhos no mundo, quem criou uma empresa ou uma comunidade, ou quem as recebeu em herança e não as quis matar, quem seguiu sinceramente uma vocaçã, sabe que as coisas mais belas voltaram a si quando foi capaz de ir para além do registro do cálculo utilitarista, quando abandonou a lógica dos custos-benefícios e, inconvenientemente, fez o que não devia fazer, baseado apenas na prudência e no bom senso. Semeamos na época errada, começamos a navegação sem bom vento. No entanto, por vezes, os frutos chegaram, a calmaria não venceu. Pelo menos uma vez. Sabemos fazer nascer uma criança apenas por amor, esquecidos de qualquer vantagem para nós. Sabemos partir, acreditando na terra prometida enquanto atravessamos apenas desertos, voltar a partir, como velhos, acreditando ainda naquela terra, quando atravessámos muitos, demasiados, desertos e somente desertos. E, embora sabendo que o que permanecia era o nosso único pão, não o guardamos na mochila, e o deitamos à água. Sabemos desejar que o paraíso também exista mesmo se estamos certos que não seja para nós.
Na nossa vida existem muitos atos de gratuidade, mas são quase sempre parciais, que nos libertam apenas de algumas dimensões da lógica retributiva. Estamos muito espalmados por reciprocidade para conseguir, muitas vezes, abandonar o registo da troca. É possível a gratuidade absoluta, o amor puro?
A questão do “amor puro” foi enfrentada por uma determinada teologia, há alguns séculos atrás, quando, após as discussões e as reações à Reforma protestante, nasceu a necessidade de alertar contra os perigos que nascem de alargar ao homem a capacidade de amar com amor puro, que deve permanecer prerrogativa exclusiva de Deus. O amor puro é perigoso, é subversivo. No entanto, se olharmos bem o mundo, damo-nos conta que os seres humanos, apesar de tudo, também são capazes de amor puro. Quase nunca o somos, mas faz parte do nosso repertório. E se, na vida, não se fizer, pelo menos, uma experiência de amor puro, dado e recebido, a humanização não se realiza em plenitude, paramos muito depressa no caminho debaixo do sol. Um homem, sem amor puro, é demasiado pequeno. A nossa semelhança com Elohim deve atingir também o seu amor. Pelo menos uma vez, talvez apenas uma só vez, decisiva. Talvez seja na última hora, quando pudermos dar o último pão que nos for pedido, escolhendo tornarmo-nos, com o nosso corpo, eucaristia da terra.
A Bíblia – e, portanto, a vida – está cheia de excessos que chegam apenas quando, livremente ou por necessidade, saímos do horizonte comercial. O filho que regressa a casa depois de a ter deixado e perdido, um bebê que nasce dum ventre murcho, o carneiro que aparece depois de termos empunhado a faca, os poucos pães que se multiplicam depois de os termos dado e perdido, um profeta que ressuscita depois de o termos visto morrer na cruz. Nenhum contrato podia trazer de volta à vida um filho morto, fazer-nos gerar quando a fecundidade tinha acabado, fazer ressuscitar um crucificado. Nenhum carneiro pode ser trocado por um menino, não existe nenhuma bolsa onde cinco pães se transformem em alimento que sacia uma multidão.
As verdadeiras surpresas da vida são as que florescem, livremente, do excesso, as que ninguém podia prever nem imaginar, as que nos salvam, porque imensamente maiores que nós e que as nossas conveniências. Se tivéssemos a garantia ou somente a esperança que o pão dado se tornará cêntuplo, aquele pão já não seria a boa gratuidade capaz de se multiplicar. Seria um investimento, um seguro ou uma aposta. Para construir, aqui na terra, a “civilização do cêntuplo” ou, pelo menos, alguma parte sua, é preciso reaprender a lógica do excesso e do pão deitado à água. São muito mais os pães que se perdem na água que os que voltam para trás, trazidos pela corrente. O extraordinário do pão multiplicado pela água está na certeza de o ter perdido para sempre no momento em que o dávamos. O valor infinito, e, portanto, impagável, do pão dado que volta muitas vezes, em muitos dias, depende também do muito pão que permanece no fundo do mar, e que nunca volta a saciar-nos. Nem todo o dom dado, volta; mas o que nos aparece como desperdício e dor pode entrar numa outra economia maior, a que inclui também o mar e os seus peixes. A terra alimenta-se e vive também das nossas lágrimas tornadas pão (Salmo 42, 4).
O pão centuplicado é o último pão que nos restava. Não é o pão supérfluo, nem o da filantropia dos ricos. São as migalhas de Lázaro que podem voltar multiplicadas, não as sobras do rico comilão: “Os saciados tiveram que ganhar o pão e os famintos foram saciados. Até a estéril foi mãe de sete filhos e a mulher que os tinha numerosos, ficou estéril” (1 Samuel 2, 5). Só o pão dos pobres pode ser “salvo das águas” e, um dia, voltar para os livrar da sua escravidão, para lá do mar.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 14/02/2016
“Valência. Junto à margem da lagoa, caminhava um homem ancião, com um cão talvez ainda mais ancião. Vi-o aproximar-se do bordo da água e tirar do saco pães velhos. Pedaço a pedaço, lançou-os aos peixes. Fiquei a olhá-lo, fascinado pela monotonia dos seus gestos. Não durou pouco. Só no fim do fornecimento compreendi que estava a ver o versículo 11 de Qohélet. ‘Espalha o teu pão sobre a superfície das águas’ Um homem ancião, no outono de 1993, numa cidade espanhola, executava, à letra, o convite, dando ao versículo o seu significado único”.
Erri de Luca, Racconto su un verso di Kohèlet
«Espalha o teu pão sobre a superfície das águas; passado muito tempo, achá-lo-ás de novo» (Qohélet, 11, 1). Estamos perante um dos versículos mais belos e sugestivos do livro de Qohélet.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no diaA essencial liberdade do manto 07/02/2016
“Na fundação de uma comunidade há sempre um ponto escuro, escondido, um inconsciente coletivo, que tem a sua origem no inconsciente do fundador e na sua necessidade humana de controlar. Ser a comunidade for chamada a crescer e a desenvolver-se, este ponto escuro tem de ser purificado. A crise é a purificação deste inconsciente coletivo. A comunidade terá de passar do mito fundador perfeito a uma abordagem mais coletiva do mito fundador, purificado daquilo que não é essencial”.
Jean Vanier, O mito fundador.
«Uma mosca morta infecta e estraga o azeite perfumado. Um pouco de loucura é suficiente para corromper a sabedoria» (Qohélet, 10, 1).
[fulltext] =>Tinha-nos deixado, poucos versículos antes, com elogios para a luz que ilumina o rosto do sábio (8, 1) e eis que, agora, Qohélet complica, posteriormente, o seu discurso, mostrando-nos a vulnerabilidade e a fragilidade da sabedoria. Como é suficiente uma mosca que penetra na âmbula do perfume, para o corromper, também basta um pouco de loucura para estragar a sabedoria. Não só a sabedoria fica “distante”, “profunda profundidade” (7, 24), mas também quando conseguimos fazer a experiência e ser, embora provisoriamente, sábios, Qohélet parece dizer-nos que «Reconheci que a sabedoria leva vantagem sobre a loucura, como a luz leva vantagem sobre as trevas» (2, 13). Agora, aproximando-se do fim do seu cântico, diz que é a loucura a ser mais forte. Basta pouca para corromper tudo. Não é uma leitura fecunda deste livro e dos outros livros sapienciais a que procura uma meta-chave de leitura que nos mostre se são mais verdadeiros os versículos sobre a superioridade da sabedoria ou estes onde Qohélet afirma o contrário. Pelo contrário, é muito mais fecundo ler Qohélet como um mestre de pensamento não-ideológico e, portanto, auto-subversivo.
Um dos ingredientes de base das culturas ainda não contaminadas pela ideologia, ou daquelas que foram capazes de resistir, ou libertar-se dela, é precisamente a sua capacidade de auto-subversão. A auto-subversão, no sentido que deu a esta palavra o grande economista Albert O. Hirschman, é a virtude, raríssima, de pôr em causa as próprias certezas, de não procurar nas coisas que nos acontecem os elementos que confirmam as nossas ideias, mas que as negam ou as desafiam. De quem acredita mais na verdade da vida que hoje lhe passa ao lado que nas verdades que construiu e conquistou ontem. O pensamento auto-subversivo é útil a todos, mas é essencial para quem abraçou uma fé, religiosa ou laica, para quem aderiu a uma proposta grande que lhe prometeu uma terra nova. O exercício da auto-subversão é a melhor prevenção contra toda a forma de ideologia. De facto, a ideologia é, geralmente, irrefutável, precisamente pela sua tendência de nos fazer encontrar, no fim do percurso, apenas quanto pusemos no início. O nascimento de uma ideologia é um processo que se compõe de (pelo menos) duas operações. A primeira começa quando ainda se tem a consciência que a realidade apresenta uma sua ambivalência, e que nem tudo o que acontece em redor é coerente com as nossas convicções. Vê-se ainda um mundo maior que aquele que confirma as nossas ideias, mas começa-se a excluir das nossas análises a parte incómoda e dissonante. A segunda operação consiste na auto-convicção que o mundo seja, de verdade, feito apenas pela parte que nos interessa e que nos confirma: à força de descrever um mundo diferente do verdadeiro, acaba-se por não ver mais a totalidade da realidade.
É aqui que a ideologia se torna inatacável: a evidência contrária às nossas ideias não consegue já fazer-nos corrigir as nossas convicções porque já não estamos em condições de ver esta evidência. Como quem, por uma perturbação da vista perde, progressivamente, a capacidade de ver as cores e, em vez de se tratar, se convence que o mundo é a preto e branco. É também por esta razão que a pessoa curada da ideologia nos aparece com uma sua fé boa e uma sinceridade estranha, que confundem muito os nossos juízos, os diagnósticos, as terapias. A auto-subversão é possível só na primeira fase, quando podemos ainda reconhecer os sinais do vírus que começa a ativar-se no corpo.
Um primeiro sinal que diz que está a chegar a febre é a diminuição de interesse pelas ideias diferentes e, por isso, procurar cada vez mais os seus iguais. Não pomos a nós mais perguntas novas, queremos apenas as velhas e seguras respostas. Um segundo sinal é o aparecimento do sentido de perseguição. Começa-se a dividir o mundo em dois grupos: o dos amigos, pequeníssimo, com quem partilhamos a mesma visão, e o que contém todos os outros, que não nos compreendem e são tidos como hostis. Cria-se um inimigo imaginário, que se vê em todo o lado: nos jornais, na televisão, nos vizinhos de casa, em Deus (se não coincide com a ideia que tínhamos feito dele). Também as pessoas melhores, as que sempre estimámos, começam a ser postas em causa e relativizadas, se e quando dizem coisas que não confirmam a nossa incipiente ideologia. Cria-se, assim, dia após dia, um “texto sagrado” de que se torna evangelistas e profetas.
O livro de Qohélet, com Job, é, em si mesmo, um exercício de auto-subversão intrínseco à Bíblia, porque nega continuamente as ideias de Deus e de religião que propõe, para evitar que se transformem em ideologia. O Deus-Elohim de Qohélet permaneceu vivo porque Qohélet o subverteu muitas vezes.
A ideologia – que é uma idolatria sofisticada – é uma patologia de alcance universal, mas é particularmente comum e grave quando atinge pessoas religiosas, porque também Deus e os outros habitantes invisíveis do mundo são consumados e utilizados como materiais para a construção de um império ideológico. Quando também Deus coincide com a nossa ideia dele, a ideologia é perfeita e sem saída. As moscas mortas estragaram todo o perfume. É difícil encontrar perfeitas comunidades e pessoas de fé porque, na maior parte dos casos, no lugar da fé e dos ideais, encontramos variantes das muitas ideologias que habitam o mundo.
A fé e a ideologia da fé são duas coisas muito diferentes. A fé, livre dos próprios dogmas e ídolos, põe perguntas: a ideologia liga, consuma, escraviza ao ídolo, e cria muitas respostas fáceis e falsas. Não começa nenhuma vida espiritual verdadeira e não somos capazes, um dia, de nos libertarmos da ideologia da fé que, pouco a pouco, construímos.
A fase ideológica é (quase) inevitável, sobretudo no interior de comunidades espirituais e carismáticas. À volta da ideia original que nos “chamou” cria-se, pouco a pouco, um edifício: primeiro uma tenda, depois um templo que guarda a “arca” da primeira aliança, e, finalmente, ao lado do templo, construímos um palácio para nós, maior que o templo construído para Deus – como fizera Qohélet-Salomão (1 Rs 7, 1). A ideologia é o processo que vai da voz invisível à construção da arca; depois, da arca à tenda; depois ao templo e ao palácio. A auto-subversão individual e coletiva, nas raras vezes que consegue acontecer, é obra de destruição, desta vez intencional, das muitas construções que se seguiram em redor da primeira promessa, para voltar à primeira gratuidade da primeira palavra.
É um caminho inverso, um voltar a casa diminuindo, simplificando, desmontando os castelos de areia que tínhamos construído. Por vezes, realizamos este caminho de regresso nos últimos meses ou dias da vida, quando vemos o desmoronar do nosso palácio e do nosso templo, para se tornar, finalmente, livres de tudo, donos de nada.
A arca, o templo e o palácio surgem, progressivamente, ao serviço do carisma e da sua comunidade, e também quando começam a tornar-se muito grandes, são vistos e justificados como elementos auxiliares ao desenvolvimento da comunidade.
Porém, com o tempo, e sem que se tenha plena consciência, as construções ideológicas acabam por sufocar a primeira gratuidade do caso vocacional originário. A ideologia, inicialmente, agarra-se à ideal e sustenta-o, mas, rapidamente, toma o seu lugar, num processo que pode durar muito tempo, por vezes toda a vida, e é, quase sempre, sem regresso.
De fato, é muito custoso tomar consciência da secreção ideológica do ideal originário, porque assumem as mesmas formas, são filhos dos mesmos pais, ambos têm as mesmas características, as mesmas belezas, usam as mesmas palavras, dizem as mesmas orações, produzem (no princípio) os mesmos frutos espirituais. De facto, é o mesmo dom que se torna neurose, contaminando, progressivamente, até as capacidades críticas de discernimento individual e coletivo, porque encantadas no próprio encantamento.
Mas pode também acontecer o milagre da grande bênção – diz-no-lo a história. Quando, no auge da experiência de uma comunidade ideal tornada, entretanto – inintencionalmente e, talvez, inevitavelmente – comunidade ideológica, alguém sai do encantamento e compreende, ou, pelo menos, intui que a transformação ideológica aconteceu.
O fim do encantamento, no interior e no exterior, manifesta-se como crise, mas, na realidade, é o cume entre o antigo pequeno horizonte e o novo grande e claro, é bacia hidráulica entre a vida velha e a nova. Mas, para que a libertação da ideologia seja coletiva, é preciso que no acordar e sair do encantamento esteja também aquele (ou aqueles) que a gerou. Este evento é ainda mais raro, porque o encantador é o primeiro a ser encantado pelo próprio encantamento: «Aquele que abre uma cova, poderá cair nela; quem derruba um muro, poderá ser mordido por uma serpente. O que transporta pedras poderá ser magoado por elas; aquele que racha lenha corre o risco de se ferir» (10, 8-9).
Porém, por vezes, também o fundador consegue libertar-se do próprio encantamento, mas, para que se realize a libertação comunitária da ideologia, não é suficiente a saída do encantamento por parte do fundador. É necessário o seu “desaparecimento”. Elias, o profeta e o mestre, deixa o seu “manto” a Eliseu, o discípulo e continuador, e desaparece no céu, raptado por um carro de fogo. É assim que se cumpre a grande auto-subversão: termina a idade da ideologia e começa a da vida espiritual de todos.
Por vezes, quando, uma vez “desencantados”, os profetas não sabem “morrer” desaparecendo, ou quando os seus seguidores não consentem que desapareça, porque ainda prisioneiros do encantamento, pode acontecer que a serpente morda o seu flautista: «Se a serpente não ficar encantada e morder, não há proveito para o encantador» (10, 11). Os profetas salvam as suas comunidades se conseguirem quebrar o encantamento por eles criado e, depois, deixar-nos apenas a pobreza do seu manto.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 31/01/2016
“Cheio de mérito, mas poeticamente, mora o homem sobre esta terra”.
Friedrich Hölderlin
A lógica do mérito sempre foi muito poderosa. Nós, seres humanos, temos uma exigência profunda de acreditar que exista uma relação lógica e reta entre as nossas ações, talentos, empenho e os nossos resultados. Agrada-nos pensar que o nosso salário seja o fruto da nossa qualidade e do nosso empenho, que a nota na escola dependa do nosso estudo, que ganhamos os nossos prêmios (meritum vem de mereri: ganhar).
[fulltext] =>É natural, é uma exigência verdadeira. O verdadeiro problema não está tanto ou só na ideia de mérito em si, mas nas respostas que damos às perguntas sobre o reconhecimento do nosso mérito e, sobretudo, o mérito dos outros. Qohélet mostrou isto muito bem “Descobri ainda, debaixo do Sol, que a corrida não é para os ágeis, nem a batalha para os bravos, nem o pão para os prudentes, nem a riqueza para os doutos, nem o favor para os sábios: todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte” (9, 11).
Os homens sempre procuraram reagir a este cenário que nos aparece como um grande espetáculo de injustiça. Nas civilizações antigas, a principal solução para a injustiça era imaginar um Deus diferente de nós, que seguia uma política correta de recompensas e de penas. Pegava-se no dado histórico das desigualdades e das injustiças e conferia-se à realidade uma confirmação religiosa. Transformava-se a aparente injustiça numa justiça invisível e mais profunda, e organizava-se o mundo encontrando um sentido religioso nas riquezas e nas desgraças próprias e nas dos outros. Assim, ao rico e ao poderoso era conferido o status de “abençoado”, sem o chamar a qualquer conversão; e o pobre e desaventurado era condenado duas vezes: pelos desastres da vida e por Deus. A necessidade moral de reconhecer o mérito produzia, nos mais pobres e desaventurados, um imenso sentido de culpa pelas próprias desgraças. Outros humanismos religiosos, pelo contrário, reagiram imaginando que as injustiças debaixo do sol seriam eliminadas noutras vidas acima do sol, onde o pobre, mas justo, seria premiado e o rico, mas ímpio, seria punido. A terra é injusta, o paraíso não. A lógica económica-retributiva permanecia, mas o horizonte da sua aplicação saía do tempo histórico para se estender à eternidade ou, pelo menos, numa outra vida. As teorias do mérito têm necessidade de um humanismo de indivíduos moralmente diferentes entre si, onde cada um tem o seu “cartão” personalizado de ações/recompensas. As sociedades holísticas não são meritocráticas.
Por esta sua alma humanista e personalista, a ideologia meritocrática, que faz do mérito o critério para avaliar, classificar e ordenar pessoas e organizações, é muito fascinante, sedutora e cativa muitos. Encontramo-la no centro da cultura das grandes sociedades e bancos multinacionais. A sua tecnologia simbólica é dual. Por um lado, as grandes empresas constroem um sistema de incentivos designados com o objetivo de individualizar e premiar o mérito, concebido em função dos objetivos empresariais. Por outro lado, o trabalhador que se encontra dentro deste mecanismo premiador, lê o próprio salário e os benefit como um sinal do seu próprio mérito. Um contrato perfeito, continuamente alimentado por ambas as partes, porque aparece mutuamente vantajoso: a empresa satisfaz a sua necessidade de racionalidade e de adequar a realidade aos próprios fins; o trabalhador satisfaz a sua própria necessidade de se sentir meritório e valorizado.
É uma ideologia que cresce como trepadeira na árvore retributiva no jardim da fé bíblica, que está a conhecer um sucesso incrível e crescente na época do capitalismo individualista. Como nos mostrou, há um século, Max Weber, no humanismo hebraico-cristão existe uma corrente que interpretou o sucesso económico como um sinal de eleição e de salvação. A atual cultura económica radicalizou e universalizou aquele mecanismo religioso-psicológico. Secularizou-o e estendeu-o desde o empresário a todo o sistema económico, produtivo, financeiro, de consumo. A quantidade e a qualidade dos salários e dos incentivos (e dos consumos) tornam-se os novos indicadores de escolha e de predestinação para o ‘paraíso’ dos meritórios. Assim, a dimensão simbólico-religiosa do dinheiro e do sucesso amplificou-se, radicalizou-se, generalizou-se.
Mas a deteriorização deste e de todos os sistemas religiosos retributivos aparece claramente quando deixamos o paraíso e descemos para as áreas do purgatório e do inferno. O mérito tem uma necessidade necessária de demérito. É uma realidade posicional e relativa: o mundo dos meritórios funciona se o mérito puder ser definido, regulado, hierarquizado, medido, posto em relação com o demérito. Acima do meritório deve haver alguém mais meritório e um menos meritório abaixo dele. Um sistema de castas perfeito, onde os brâmanes têm necessidade dos párias, mas não lhes podem tocar para não serem contaminados pelo seu demérito. A gestão mais simples do demérito consiste em o apresentar como uma passagem obrigatória para o mérito, como uma etapa do caminho. Esta gestão funciona muito bem com os jovens, aos quais é mostrado o “delicioso monte”, dizendo-lhes que só o poderão escalar se souberem “crescer”, embora quem propõe este cenário saiba muito bem que na casa do mérito não há muitos lugares. E, assim, quando chegam os primeiros fracassos e o mérito esperado não floresce conforme os objetivos pré-fixados, o milagre cumpre-se: o trabalhador foi educado para interpretar o próprio fracasso como demérito e, assim, dócil, aceita o seu triste destino. O culto é perfeito: o ‘crente’ interioriza a religião e implementa-a autonomamente. E a produção em massa de sentimentos de culpa torna-se o grande refugo da nossa economia, alimentada pela agressividade, soberba e altivez que acompanham os laudatores de meritocracia.
Qohélet diz-nos, então, algo de muito importante: interpretar a nossa vida e a dos outros como uma contabilidade mérito/prêmio, demérito/punição é uma solução vã e enganadora à procura de justiça debaixo do sol, porque o mecanismo do mérito não pode responder às perguntas mais profundas sobre a justiça, nem sobre a justiça económica. É vanitas. E, sobretudo, não tem nenhuma resposta quando a desventura aparece em cena: “O homem não conhece a sua própria hora: como os peixes apanhados na rede fatal, como os passarinhos que caem no laço, assim os homens são surpreendidos na hora da adversidade, quando ela cair sobre eles de improviso” (9, 12).
Quando vemos um desventurado, não podemos dizer nada sobre a sua vida. Pode ser bom ou mau, inteligente ou louco; a sua desventura e a sua sorte não nos permite articular nenhum discurso sobre o seu mérito. As palavras da nossa desventura são mudas; são incapazes, por si sós, de falar da moralidade do nosso passado e do nosso futuro. As brilhantes carreiras cruzam-se com separações, depressões, doenças, acontecimentos que o sistema dos incentivos simplesmente repele. A democrática casualidade da “hora má” perturba a máquina meritocrática da nossa economia. Nada é tão estranho à nossa cultura capitalista como as doenças sérias e as mortes prematuras. Não há lugar para os tempos e momentos de desventura, que são vistos como atritos, areia nas engrenagens; e ainda há menos lugar para o tempo da morte – são muito poucos os colegas presentes nos funerais, ou junto dos travesseiros das nossas longas agonias.
Mas, partindo de Qohélet, podemos ir ainda mais além. Levando a sério o espírito das suas antigas palavras, podemos dizer que o mérito é uma palavra ambígua, raramente amiga das pessoas e dos pobres – e ainda menos o é a meritocracia. A lógica do ‘trabalhador da última hora’, uma das mais belas páginas já escritas, é uma crítica à ideia de mérito não menos radical que a de Qohélet (ou de Job), que, para ser compreendida, deve ser lida dentro da polémica dos primeiros cristãos em relação à religião retributiva do seu tempo. A crítica de Qohélet ao mérito é fundamental para compreender os perigos inerentes a toda a vida social construída a partir da lógica do mérito, como é concebido e promovido pelas empresas. Podíamos imaginar um outro capitalismo menos baseado na religião retributiva e, quase certamente, teríamos um planeta menos doente e relações sociais mais sãs; mas, hoje, devemos, pelo menos, evitar que a sua lógica se torne a cultura de toda a vida social. Em vez disso, incentivos e meritocracia estão a ocupar, progressivamente, muitos sectores não-económicos.
A razão deste sucesso extraordinário é fácil de compreender. Todos sabemos que os méritos e os deméritos são muitos. Existem ótimos trabalhadores que são maus pais, e vice-versa; e, normalmente, convivemos com méritos e deméritos de que não estamos conscientes, que apenas se revelam nalguns momentos decisivos, por vezes nos últimos dias, quando descobrimos ter vivido toda a vida com poucos méritos aparentes mas que nos mereceu um abraço bom do anjo da morte.
A armadilha que se esconde dentro da ideologia meritocrática é, portanto, subtil e, geralmente, invisível. As empresas conseguem apresentar-se como lugares capazes de remunerar o mérito porque reduzem a pluralidade dos méritos apenas aos funcionais para os seus objetivos: um artista que trabalha numa cadeia de montagem não é meritório pela sua mão que sabe pintar, mas pela que sabe apertar parafusos. O mérito da economia é, portanto, fácil de premiar, porque é um mérito/demérito simples, muito simples de ver e, portanto, de medir e premiar. Os outros méritos, em sectores não económicos, são, por seu lado, mais difíceis de ver e ainda mais de medir. Eis, então, que se revela um grande risco: dada a sua fácil mensurabilidade, o mérito, nas empresas, torna-se o único mérito ‘visto’, medido e premiado em toda a sociedade. Com dois efeitos: incentivam-se muito os méritos quantitativos e mensuráveis, e atrofiam-se os qualitativos e não produtivos. E aumenta a destruição das virtudes não económicas, mas essenciais para se viver bem (mansidão, compaixão, misericórdia, humildade…).
A grande operação do humanismo cristão foi a libertação da cultura retributiva que dominava o mundo antigo e da culpabilização das derrotas. Não nos devemos resignar à sua liquidação pelo prato de lentilhas do mérito. Nós valemos muito mais.
Dedicado a Pier Luigi Porta, caro amigo e mestre de pensamento e de vida.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 31/01/2016
“Cheio de mérito, mas poeticamente, mora o homem sobre esta terra”.
Friedrich Hölderlin
A lógica do mérito sempre foi muito poderosa. Nós, seres humanos, temos uma exigência profunda de acreditar que exista uma relação lógica e reta entre as nossas ações, talentos, empenho e os nossos resultados. Agrada-nos pensar que o nosso salário seja o fruto da nossa qualidade e do nosso empenho, que a nota na escola dependa do nosso estudo, que ganhamos os nossos prêmios (meritum vem de mereri: ganhar).
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 24/01/2016
“A sabedoria clama nas ruas, eleva a sua voz nas praças, grita por sobre os muros, faz ouvir sua voz à entrada das portas da cidade”.
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A sabedoria existe. Nesta terra, não há nada melhor que desejá-la e procurá-la. Mas permanece distante, porque se se aproxima muito, desaparece ou transforma-se noutra coisa, mais simples e banal. É algo de muito diferente daquilo a que nós, hoje, chamamos inteligência, talentos, sapiência, competência, cultura.
[fulltext] =>Estes são os tipos de capitais que podemos e devemos gerir, fazer crescer, cultivar, que possuímos e pelos quais somos responsáveis. A sabedoria é outra coisa. Não é um estoque de que podemos dispor. Interage com os nossos dotes naturais e morais, mas é diferente. Há pessoas capazes de sabedoria não especialmente inteligentes, não eruditas, com pouca experiência. É um dom que, como todos os dons, depende pouco dos méritos. Também as crianças sabem dizer palavras de sabedoria. É um sopro livre que sopra e pousa onde quer. Como a beleza, a verdade, a santidade, a felicidade, pode e deve ser procurada, mas nunca é um simples resultado de um projeto intencional. Não é uma virtude; é um dom. Chega, ocasionalmente, só quando perdemos a vontade de a dominar.
«Disse: Alcancei a sabedoria; mas ela está longe de mim. Continua distante o que estava distante, e profundo, o que estava profundo: quem o poderá sondar?» (7, 23-24). A sabedoria foge-nos. A sua profundidade é muito profunda, a sua distância é muito distante. No entanto, algumas vezes, torna-se presente, age, opera, transforma a história. E podemos reconhecê-la: «Quem se pode comparar ao sábio? Quem conhece a razão das coisas? A sabedoria do homem alegra o seu rosto e abranda a dureza da sua face» (8, 1).
A sabedoria tem, portanto, o seu esplendor característico, modifica os traços do rosto. O rosto resplandecente pode ser visto por quem o olha – como Moisés, quando desce do Sinai com as tábuas da lei. A sabedoria é uma relação, o seu esplendor aparece a quem o reconhece no rosto dos outros. Debaixo do sol, podemos ver os sinais da sabedoria a partir da sua luz num rosto humano. A testemunha da sabedoria é o outro que vê a sua luz única, o qual só é um bom espelho se é opaco e absorve aquela luz, que não a deve restituir ao sábio. É esta a sua típica pobreza. O sábio brilha com uma luz especial que se acende numa relação, uma luz que desaparece quando se olha, narcisisticamente, num espelho diferente dos olhos do outro que tem em frente. Esta relacionalidade constitutiva da sabedoria é um dispositivo intrínseco de gratuidade que impede o sábio de se apropriar da própria sabedoria, sob pena do desaparecimento do brilho do seu rosto. Quando o sábio começa a ver o próprio rosto mais luminoso que o dos outros, a enamorar-se da sua luz diferente, a sabedoria desaparece por falta de gratuidade: «Aquela água não é para mim» (Bernardette Soubirous).
Todos os sábios são sempre sábios provisórios. Emanam a luz da sabedoria apenas enquanto fazem a experiência dela. E, entre uma experiência de sabedoria e outra, são pobres e indigentes como todos os que vivem debaixo do sol, dizem as palavras de todos, têm a luz de todos os rostos. Por isso, a luz especial da sabedoria é efémera, vive apenas numa relação específica e enquanto dura a experiência. Não é acumulável, não a podemos conservar nem forçar. Se a sabedoria é dom-gratuidade, não existem sábios por profissão: «Não queiras ser excessivamente justo nem demasiado sábio: para quê arruinares-te?» (7, 16).
A sabedoria está longe, é profundidade profunda. Nenhum sábio é sábio sempre e para sempre. A sabedoria é uma experiência. Somos sábios se e até quando experimentamos a sabedoria, e por muitas palavras sábias e luminosas que tenhamos dito no passado, não temos a garantia de continuar a dizê-las também amanhã. Apenas o podemos esperar. Não há sabedoria sem a renovação do seu milagre de gratuidade, aqui e agora.
Por esta razão, não é verdade que os sábios são sempre as melhores testemunhas das palavras que dizem. A verdadeira sabedoria, que diz palavras que transformam a vida dos outros nem sempre consegue transformar a vida de quem as diz. A sabedoria ultrapassa sempre o sábio, por grande testemunha que seja. Não é a vida moral do sábio a prova da sua sabedoria, não é o seu testemunho a verdade das suas palavras. A prova da presença da sabedoria é o brilho do rosto e das suas palavras. É este um dos grandes mistérios da gratuidade-charis sobre a terra.
Daqui, algumas sugestões. Desconfiemos dos “sábios” que se apresentam a si mesmos como modelos para quem vê e segue o brilho do seu rosto, que mostram a própria vida como medida da sabedoria das suas palavras. E desconfiemos de quem crê e diz possuir a sabedoria, de quem se sente os seus donos, que acreditam terem-na sempre ao alcance da mão, que a consideram um capital de que dispõem a qualquer momento. São, com certeza, sábios falsos. A primeira sabedoria do sábio é a consciência humilde de não ser ele/ela a fonte da sabedoria que dizem, mas de ser uma fonte da qual, às vezes e sem conhecer as razões, sai água diferente e sempre nova. Saber ser um cego que, de vez em quando, vê e faz ver. Quando a sabedoria se acende, numa relação específica, o primeiro a ser surpreendido, grato e espantado da sabedora que diz, é quem sente no seu rosto uma luz que antes não conhecia e se torna ouvinte das suas próprias palavras, porque não são apenas suas. Qohélet foi capaz de nos dar palavras de sabedoria porque nunca pensou tê-la alcançado.
Há, também, uma terceira advertência: não é bom dizer aos sábios que o seu rosto brilha com uma luz diferente, porque o expomos à maior tentação. Para não diminuir a luz sábia sobre a terra, é pedida a gratuidade aos sábios, mas também a quem os olha e goza da sua sabedoria. E se é difícil a primeira gratuidade, não menos árdua é a segunda. De fato, a grande tentação dos sábios é enamorar-se e apossar-se da própria sabedoria, sendo o seu desejo transformar a luz verdadeira e efémera em luz fingida e constante; quem contempla e usufrui daquela sabedoria é sempre tentado, por sua vez, a querer institucionalizar o brilho daquele rosto, a não se contentar com um brilho temporário e, assim, fazer do sábio um deus imutável. Na relação geradora de sabedoria, a idolatria é o risco sempre atual.
A virtude do sábio está, então, em saber resistir no sofrimento específico de dar uma luz que não conhece nem controla. A sabedoria floresce apenas entre iguais, e só entre pobres. O reino da sabedoria é o reino destes pobres: de quem não se faz deus e de quem não quer adorar um ídolo. Para compreender a visão de Qohélet da sabedoria é preciso ter muito presente a sua polémica com os movimentos “apocalípticos” do seu tempo, habitado por visionários que entretinham populações encantadas pelos seus relatos de revelações, de que eram os únicos donos indiscutíveis. No mundo há, certamente, pessoas muito sábias, outras menos, e muitas loucas. Existem também pessoas muito sábias, mas não existe a garantia que a sabedoria e a sua luz se ativem sempre, mesmo em pessoas muito sábias. Qohélet ama e procura a sabedoria, mas desconfia dos sábios quando se tornam um status ou uma categoria social, uma elite que usa a luz do rosto com o “objetivo de lucro”.
Há luzes de rosto artificiais e frias, traços do rosto e pestanas modificadas pela arte, que convencem apenas os sequazes-aduladores do sábio fingido. Quem conhece a vida de pessoas que experimentaram a sabedoria, sabe que o seu maior desafio foi conservar a sabedoria com o passar dos anos. Chega um momento em que se torna muito forte, quase invencível, a tentação de se apropriar da luz que dão aos outros. E é ali, muito frequentemente, que a luz começa, impercetivelmente, a mudar de luminosidade, o rosto a perder os antigos traços. A gratuidade desaparece e, com ela, os teus antigos frutos: liberdade, alegria, presença dos pobres. Um processo que envolve os ex-sábios e os seus ouvintes, que, por isso, é uma armadilha da qual é dificílimo sair, mas não impossível.
Não esqueçamos que Qohélet se apresenta aos seus ouvintes com o nome de Salomão (capítulo 1), o rei sábio, mas que, na última parte da sua vida, sofreu uma involução. A complexa, ambivalente e misteriosa história pessoal do rei Salomão é um cenário essencial para compreender as palavras de Qohélet sobre a sabedoria. Salomão, sábio na juventude, ao envelhecer foi “transviado pelas muitas mulheres” e adorou deuses estrangeiros (1 Rs 11) – um dado que pode, em parte, explicar a duríssima crítica de Qohélet à mulher (7, 26-28). Nem o homem mais sábio de todos foi sempre sábio e por toda a vida.
Porém, todos podemos ser sábios, todos fizemos, na vida, experiências desta sabedoria. Pelo menos uma vez. Não é um bem de luxo, disponível apenas para alguns espíritos eleitos, animadores de clubes espirituais. A verdadeira sabedoria é popular, vive dentro das casas de todos, nos lugares de trabalho, nas praças, nos mercados. É a luz que vemos acender-se no rosto de um amigo que, pobre como nós, acolhe a nossa dor e consegue dizer-nos palavras de vida, que sempre nos consolam, algumas vezes nos salvam. A luz que vimos muitas vezes nos rostos dos nossos pais, quando nos deram aquelas poucas palavras diferentes, com as quais continuamos ainda a caminhar. E, enquanto nos aquecemos à luz da sabedoria – se a luz do rosto dos outros não nos aquece não é a luz da sabedoria – todos fazemos a experiencia do afastamento da sabedoria, da “ profunda profundidade”. E, assim, continuamos a desejá-la e a procurá-la, com gratuidade.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 24/01/2016
“A sabedoria clama nas ruas, eleva a sua voz nas praças, grita por sobre os muros, faz ouvir sua voz à entrada das portas da cidade”.
Livro dos Provérbios, 1,20-21
A sabedoria existe. Nesta terra, não há nada melhor que desejá-la e procurá-la. Mas permanece distante, porque se se aproxima muito, desaparece ou transforma-se noutra coisa, mais simples e banal. É algo de muito diferente daquilo a que nós, hoje, chamamos inteligência, talentos, sapiência, competência, cultura.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 17/01/2016
“Por vezes Deus
mata os amantes
porque não quer
ser superado
no amor”.Alda Merini, A volte Dio
A verdade é uma necessidade primária do coração humano. Construímos teorias do comportamento baseadas em “pirâmides de necessidades”, onde os bens morais se encontram no terceiro ou quarto “andar”, tratados como bens de luxo, a que nos podemos permitir depois de ter comido e bebido. Como se beleza, amor, verdade, não fossem bens essenciais, como se o sono fosse mais necessário que a estima, o sexo mais que os afetos, a segurança mais que os cuidados.
[fulltext] =>Assim, esquecemos que a história nos fala de muitas pessoas ricas que foram deixadas morrer por falta de uma boa resposta à pergunta “porque me devo levantar esta manhã?” e outras que resistiram muitos anos, em condições de fome e sede extremas, só porque havia alguém, em casa, a esperá-las. São muitas as formas que assume esta necessidade de verdade acerca de nós mesmos, sobre o coração e as ações de quem amamos, sobre as fés e os ideais que construíram e alimentaram a nossa existência. Uma destas é a urgência vital, que um dia chega inesperadamente, de verificar se acabámos dentro de uma grande autoilusão, de uma “bolha de vanitas” que nos envolve a nós, a quem amamos, a Deus, as nossas certezas. Nesse dia, tudo o resto se relativiza, esta verdade torna-se um absoluto, e as melhores energias são gastas para compreender se somos livres e verdadeiros como pensávamos ou se, pelo contrário, fomos apanhados numa armadilha sem nos darmos conta.
Esta experiência não é universal nem necessária, mas é muito comum em quem, desde jovem, fez escolhas radicais, acreditou numa grande promessa, seguiu uma voz que chamava para uma terra nova. Nestas pessoas, religiosas e leigas, um dia, pelas mais diferentes razões, pode-se insinuar a dúvida de a realidade de ontem ter sido apenas vento e sonho. Se à vida pedimos pouco, este momento não chega, mas apresenta-se, quase sempre, quando lhe pedimos muito nos anos mais belos do grande entusiasmo. Algumas vezes, o processo de ser posto à prova pela dúvida faz-nos chegar à descoberta que o grande autoengano era só aparente, que quanto nos tinha parecido como fantasma era apenas a sombra de uma presença verdadeira. Pelo contrário, outras vezes, acabamos por perceber que nos enganámos verdadeiramente, durante muito tempo, sobre muitas coisas importantes.
O livro de Qohélet disse-nos até agora, e continua a dizer-nos, que esta segunda abordagem da procura não só não é um falhimento, mas que é uma coisa muito boa. Porque é melhor uma vida verdadeira desiludida que uma vida ilusória, é melhor uma verdade amarga que um autoengano doce. A sua sabedoria é, essencialmente, um dom para nos ajudar a libertarmo-nos das ilusões. Se a verdade tem um valor em si mesma, então as ilusões desiludidas são preferíveis às certezas iludidas. Qohélet diz-nos que estes tempos de transformação dos “dias vãos” em desilusões, estes autênticos despertar, são verdadeiras “bênçãos”, entre as maiores debaixo do sol. Qohélet também sabe que a aceitação das “vanitas” e a admissão do autoengano gerado pela necessidade de ilusões são operações difíceis e, sobretudo, longas.
Assim, com o seu método cíclico, repete-nos muitas vezes as mesmas mensagens, sempre com novas tonalidades: «Qual é a superioridade do sábio sobre o insensato? Vi tudo isto no decurso da minha vã existência: há um justo que morre apesar da sua justiça, e há um mau que continua a viver, apesar da sua malícia» (6, 8; 7, 15). A repetição criativa e poética faz parte do seu estilo. Saber estar parados durante as repetições de grandes palavras e das palavras teóforas requer a mansidão e a fortaleza do coração e da mente, práticas que o nosso tempo não só esqueceu, mas combate com força, em nome da eficácia e da velocidade: «mais vale a paciência do que a arrogância» (7, 8).
As ilusões “vanitas” estão interligadas com as verdades mais belas da nossa vida. Estão encaixadas dentro dos nossos talentos, é cizânia crescida em demasia à volta do primeiro trigo bom. Amadureceram juntamente a nós, usaram máscaras modeladas sobre os rostos das melhores pessoas da nossa vida, alimentaram-se dos nossos mais belos carismas. Por isso, para nos libertarmos das ilusões é preciso tempo e constância, se queremos chegar ao fim do processo e não pararmos demasiado depressa, satisfeitos com os primeiros e mais simples contratempos, incapazes de nos desligarmos do nosso passado iludido, porque demasiados afeiçoados aos antigos brinquedos: «Não digas: “Porque foram os dias antigos melhores que os de agora»? Pois não é a sabedoria que te inspira essa pergunta» (7, 10).
A única possibilidade de vitória sobre a “vanitas”, nesta terra, é conseguir morrer e ressuscitar enquanto se está ainda vivo. Pelo menos uma vez. Esta morte-ressurreição pode chegar de muitos modos, alguns luminosos, outros escuros. Por vezes toma a forma de superação de uma grave doença – toda a grande cura é um combate num vau noturno, do qual saímos feridos, abençoados, com um nome novo, é um novo corpo ressuscitado, com os estigmas da paixão. Outras vezes, sobretudo em quem já teve uma primeira experiência de morte-ressurreição (e, por vezes, estando já ‘ressuscitado’ pensa não ter de “morrer” mais), toma a forma da “grande desilusão”. O que aqui começa a morrer não é um mal físico ou moral a combater, mas é tudo o que tinha representado o belo, o bom e o verdadeiro da vida passada.
É o filho da promessa, que se põe conosco a caminho, manhã cedo, para o Monte Moriá.
Estes combates com a grande desilusão, raramente têm bom êxito. Não é fácil vencer estas lutas, porque o inimigo não está fora: combate-se com a nossa parte melhor. É relativamente fácil chegar ao limiar da desilusão; muito mais difícil e raro é atravessá-lo. Sente-se a dureza, a incerteza e o desânimo da vida pós-ilusão, não se enfrenta o medo do desconhecido e a dor da desilusão e, assim, se regride, facilmente, à adolescência. Para não arriscar a morte do passado, renuncia-se a um novo futuro (e a um presente bom).
Cria-se, portanto, um conflito entre necessidade de verdade e o custo do processo de libertação das ilusões. Num primeiro tempo, permanece-se dentro da fenda ilusão-desilusão. Mas este estado de tensão dura pouco. Por isso, mais tarde ou mais cedo, temos de decidir se dar o salto para tentar alcançar a rocha do lado de lá do abismo (com o risco de cair e se despedaçar) ou voltar as costas e lançar-se no caminho de regresso às velhas ilusões. Se se volta a casa, por um breve período continua-se a sentir o desconforto e a dor pela falta de verdade, mas, depois, quase sempre se começa a atribuir o status de verdade às velhas e novas ilusões.
A necessidade de verdade atua e é mais forte, prevalece; mas aqui age de modo perverso. “As ilusões transformam-se em verdades”. Adaptamo-nos à ilusão e, para sobreviver, começa-se – quase sempre inconscientemente – a chamar felicidade à infelicidade, verdade à ilusão. E a armadilha torna-se perfeita. Outras vezes, não se aceita a desilusão, e torna-se cínico e arreliado com a vida, com o passado e com os companheiros-cúmplices dos “dias vãos”. Outra armadilha, não menos funda e forte.
Porém, algumas raras vezes, a operação resulta e, um dia, acordamos ressuscitados – a humanidade conseguiu intuir algo da ressurreição única de Jesus de Nazaré, porque muitos homens e mulheres já ressuscitaram milhares de vezes, e continuam a sê-lo. No início desta autêntica nova vida, experimenta-se uma grande solidão. A idade da ilusão foi uma experiência coletiva, social, comunitária. Depois de ter atravessado a grande desilusão, encontramo-nos, porém, sós, e cada um tem a sensação real de ser o único a viver acordado, num mundo de adormecidos.
Se se consegue resistir neste tipo especial de sofrimento moral (não está garantido), começa uma outra fase. Descobre-se que, na realidade, não se está só, e começam-se a conhecer, um por um, outros que vivem a mesma experiência debaixo do mesmo céu. Nasce uma nova sociabilidade, totalmente diferente da primeira. Estes novos companheiros encontram-se nos lugares mais inimagináveis, improváveis, por vezes nos lugares de sempre. Descobrem-se nos livros, na arte, na poesia, quase sempre entre os pobres.
Finalmente, se o caminho continua, nasce o desejo de ir ao encontro dos muitos que se encontram ainda dentro da bolha da ilusão, para os “acordar”, os libertar e tirá-los da sua caverna de sombras, para os fazer encontrar-se com a verdadeira realidade. E há muitos que se empenham nesta missão. Para compreender, um dia, que nesta ação missionária se tinha insinuado uma nova idolatria, e o ídolo éramos nós próprios.
Encontramo-nos ainda à beira do espaço entre as rochas, e deve-se decidir se permanecer nesta ilusão-idolatria ou tentar um novo salto, arriscar uma nova morte, esperar ainda uma nova ressurreição. Quando se começa a ressurgir não se deve parar mais. E, talvez, no fim, nos daremos conta, chorando lágrimas diferentes, que aquela verdade-ressuscitada já estava presente na primeira “vanitas”, que tanto tínhamos combatido até a fazer morrer. E, assim, a borboleta agradece à lagarta, a pérola à sua ostra, o ressuscitado ao abandonado. Mas, no princípio e durante o processo, não o poderemos saber: «É melhor o fim de uma coisa do que o seu princípio» (7, 8).
Qohélet terá conhecido e experimentado algo de semelhante. Se soubermos procurar nas sua palavras, conseguimos ver claramente o longo trecho de estrada que vai da ilusão à desilusão, e também conseguimos vislumbrar alguns flashes de ressurreição. Se não tivesse ressuscitado após a “vanitas”, não teria podido dar-nos as suas palavras. O seu livro não teria entrado na Bíblia. Não nos teria apanhado nas nossas desilusões, tomado pela mão e acompanhado nas nossas ressurreições.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 10/01/2016
“Quando a Providência dividiu a terra entre os poucos proprietários, não esqueceu nem abandonou os que pareciam ser deixados fora da repartição. Também estes usufruem a sua parte. Pelo que diz respeito à felicidade da vida humana, os pobres não são inferiores aos que parecem estar muito acima deles. Na felicidade, as diferentes categorias da sociedade estão quase todas ao mesmo nível, e o mendigo possui a segurança que os reis quereriam”.
Adam Smith, La teoria dei sentimenti morali
A profanação do direito e da justiça ativaram sempre a voz e o desprezo dos profetas, que continuam a desmascarar os corruptos e a chamá-los à conversão.
[fulltext] =>A crítica de Qohélet à sua sociedade iníqua é diferente, mas não é menos radical que a dos profetas. Acredita pouco na conversão moral dos poderosos, mas, com a força da sua paciência, desmonta, a partir de dentro, a lógica do seu poder e riqueza, revelando, laicamente, a sua vaidade intrínseca.
Para devolver esperança aos pobres humilhados, serviriam as palavras calorosas dos novos profetas, mas seriam também preciosos novos Qohélet, capazes de revelar a loucura e a tristeza das nossas riquezas fingidas e felicidades falsas.
“Se vires na tua terra a opressão do pobre, ou a violação do direito e da justiça, não te admires, porque o que está alto tem acima de si outro mais alto, e sobre ambos há ainda outro mais elevado. O proveito da terra é para todos; o rei é servido dos campos cultivados” (5, 7-8). Chegado a meio do seu discurso, Qohélet conduz-nos para dentro da pirâmide do poder e das sociedades burocráticas e hierárquicas. O seu primeiro dado é o «pobre oprimido», mas, em vez de pronunciar uma condenação moral, “ama” aquele pobre com a verdade, mostrando-nos uma realidade não evidente. Diz-nos que os que parecem fortes e dominadores são, na realidade, vítimas de um sistema doente e corrompido.
O olho desmascarador de Qohélet consegue ver, acima do pobre, uma pirâmide de opressões, de explorações, de injustiças. Acima de um torturador há um outro que o oprime, e assim sucessivamente, até chegar ao último chefe, o rei, que Qohèlet vê ainda “servo da terra”. Mesmo se o significado deste versículo (5, 8) é duvidoso, porque corrompido pelo tempo, não é improvável pensar que Qohélet quisesse inserir também o rei na cadeia de servidão e de vaidade. Nem sequer o homem maior e mais rico – di-lo também o Génesis no “ciclo de José” – pode libertar-se da dependência dos ritmos da natureza, das carestias e das calamidades, de tornar-se pó e terra, como todos os Adão «Assim como saiu nu do ventre de sua mãe, de novo nu partirá como veio» (5, 14).
Nesta descrição da injustiça como uma pirâmide social de abusos, podemos ler muitas coisas. Antes de mais, Qohélet oferece-nos a possibilidade de ter um olhar moral menos severo sobre o último algoz que oprime o pobre, porque aquele seu último ato injusto de abuso é, normalmente, originado por outros abusos de que ele, por sua vez, é vítima. Não há nenhuma justificação moral do seu comportamento, mas apenas um convite a interpretar melhor a exploração. O que nos parece relações vítima-carrasco são, frequentemente, relações vítima-vítima. O mundo está povoado de hevel, tudo é um infinito Abel; a terra está cheia de vítimas: tinha-no-lo dito Qohélet, a abrir o seu livro. Agora, mostra-nos vítimas também onde víamos apenas carrascos. Daqui tiramos três notas importantes: o aumento das hierarquias faz crescer o número das vítimas debaixo do sol; sobre o último pobre oprimido cai o peso da pirâmide; se queremos salvar os pobres da opressão, devem ser abatidas as pirâmides geradoras de vítimas. Ontem e hoje. Quando vemos, hoje, empresas capitalistas ou outras instituições hierárquicas, o abuso do poder e a exploração não nos aparece como a sua primeira natureza. A ideologia neo-managerial está a substituir as relações hierárquicas com os incentivos, que se fazem passar por relações horizontais, contratos livremente escolhidos por todas as partes. Na realidade, se nos deixarmos guiar por aquela antiga sabedoria e procuramos olhar para lá das aparências ideológicas, descobrimos que, por detrás de um produto financeiro mau, fornecido por um funcionário a um reformado, há um funcionário hierarquicamente superior que pressiona e oprime o primeiro funcionário para conseguir os objetivos de que dependem proveitos e carreira de ambos. E assim, subindo os degraus da pirâmide, até encontrar, no cimo, um ou mais chefes “escravos” das oscilações da Bolsa, da geopolítica, dos fenómenos naturais. Naquele produto-abuso final pesa toda a cadeia de relações erradas.
Nem todas as hierarquias são abuso de poder e opressões, mas muitas ainda o são e a Bíblia convida-nos a sonhar uma nova terra, um direito e uma justiça que ainda não existem. Não existem organizações sem exercício de autoridade, mas é possível um exercício não hierárquico da autoridade. São poucas as experiências históricas de autoridade não-hierárquica, e, entre estas, muitas foram infrutíferas. Mas o pobre continuará “oprimido” e as vítimas multiplicar-se-ão enquanto não aprendermos a introduzir o princípio de fraternidade no governo de empresas e de instituições.
Após esta descrição da morfologia do poder e da hierarquia, Qohélet volta a um dos seus termos fortes: a vaidade da procura da riqueza, o fumo da avareza: «Aquele que ama o dinheiro nunca se saciará do dinheiro, e aquele que ama a riqueza, a riqueza não virá ao seu encontro. Também isto é ilusão» (5, 9). Uma frase que deveremos colocar à entrada de business school, empresas, bancos. Quando o dinheiro, de meio se transforma em fim, transforma-se num instrumento criador de infelicidade infinita, porque o objetivo principal e imediato da vida é a sua acumulação; e a acumulação, por sua própria natureza, nunca tem fim, é um ídolo que quer comer sempre. Não há pobre mais infeliz que o avarento, porque o aumento do dinheiro aumenta a sua fome. E continua: «Onde abundam os bens, abundam os que os devoram. E que vantagem tem o dono dos bens além de vê-los com os seus olhos? Doce é o sono do trabalhador, quer tenha comido pouco ou muito; mas a abundância do rico não o deixa dormir descansado» (5, 10-11). Grande sabedoria!
Aqui, Qohélet leva-nos ao interior dum palácio do Médio Oriente da sua época. Mostra-nos um rico e, à sua volta, uma infinidade de cortesãos e de parasitas que comem a sua riqueza. Tudo e só infelicidade, dos parasitas e do rico, que são comidos pela riqueza e sono. Fora do palácio está, por seu lado, o trabalhador, o camponês, ou um artesão, que vive do seu trabalho e tem sonhos doces. Encontramos, nestas poucas palavras, o antigo e eterno conflito entre rendimentos e trabalho, entre quem vive consumando pão de ontem e dos outros e quem vive do pouco pão do seu trabalho. Nunca foi o trabalho a gerar as grandes riquezas. Estas são, quase sempre, produto das rendas, isto é, rendimentos produzidos por alguma forma de privilégio, de abuso de poder, de vantagem. E as rendas geram parasitas, consumo improdutivo, donde não nasce nem trabalho nem felicidade para ninguém. A “síndrome parasitária” aparece, pontualmente, em tempos de decadência moral, quando empresários, trabalhadores, categorias sociais completas deixam de gerar, hoje, trabalho e fluxo de novas receitas e investem energias para proteger os lucros e os privilégios de ontem.
O parasitismo é uma doença que não encontramos apenas na esfera económica. Caem neste síndrome, por exemplo, as comunidades ou movimentos que, tidos como grandiosos e belos, graças ao trabalho dos fundadores e da primeira geração, em vez de desenvolver o património herdado com novo trabalho, risco, criatividade, começam a viver dos rendimentos, saciados do passado, incapazes de gerar “filhos” e futuro. A síndrome parasitária é também a principal causa de morte de empresas e comunidades.
Qohélet está, claramente, do lado do trabalho, de quem labuta “debaixo do sol” para ganhar o pão. Já o tinha dito (3, 12-13) e agora repete-no-lo com mais poesia e força: «Compreendi que é belo e bom comer e beber, e sentir-se feliz em todo o esforço... Esta é a sua sorte» (5, 17). Não há outra felicidade do que a que podemos vislumbrar na quotidianidade do nosso trabalho, gozando os seus frutos. Qohélet continua, coerente, a sua polémica contra a religião retributiva e económica.
A bênção de Deus não está na riqueza nem nos bens. Mas, surpreendendo-nos, diz-nos que é possível que também o rico, por uma concessão especial de Deus, possa partilhar uma “parte” desta felicidade boa: «Se Deus dá ao homem bens e riquezas e a possibilidade de usufruir deles, de desfrutar da sua parte e viver alegre no seu esforço, isso é um dom de Deus» (5, 18). É raro, mas não impossível: também o rico pode ser feliz, se trabalha e consegue gozar da sua canseira.
Há milhões de pessoas, ricos e pobres, empresários e donas de casa, que conseguem dar corpo e felicidade à própria vida simplesmente trabalhando. Que vencem, em cada dia, a morte e a vanitas arrumando um quarto, preparando um almoço, reparando um carro, dando uma aula. Há, certamente, felicidades mais altas que estas, na nossa vida, mas não somos capazes de as conseguir se não aprendemos a encontrar a felicidade simples na canseira ordinária de cada dia. Só nos salvamos trabalhando. Não por uma alegria sentimental ou auto-consoladora, que abunda das penas dos não-trabalhadores – Qohélet nunca nos perdoaria –, mas pela que floresce na canseira e também nas lágrimas. Porém, Qohelet diz-nos algo ainda mais belo: «Não pensará muito nos dias da sua vida, porque Deus lhe concede a alegria de coração» (5, 19). O trabalho é gerador de alegria porque, ocupando-nos numa atividade não-vã, distrai o coração de “pensar muito” e mal na vaidade, embora real, da nossa vida; e porque é ali que Elohim nos espera com a sua alegria.
Esta alegria humilde não é o ópio dos povos; é simplesmente o nosso belo destino. Se a presença de Elohim nos corações é uma “resposta” à boa canseira, se é o primeiro salário do trabalhador, então aquela alegria que, de vez em quando, nos surpreende, mesmo enquanto trabalhamos, pode ser nada menos que a presença do divino na terra. Esta, amigo Qohélet, é, verdadeiramente, uma boa notícia. Onde está, então o teu proclamado pessimismo? Debaixo do sol, a alegria não-vã é possível.
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por Luigino Bruni
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Adam Smith, La teoria dei sentimenti morali
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por Luigino Bruni
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“Nasceu em vão quem, tendo o raro privilégio de ter nascido homem, é incapaz de “realizar” Deus nesta vida”
Shri Ramakrishna, Alla ricerca di Dio
O universo religioso, ativando a energia mais poderosa da alma humana, é o lugar onde se encontram os sentimentos e as ações mais altas e nobres. Mas, nesse mesmo lugar, se aninham grandes perigos, quando as células sãs das fés enlouquecem, aviltam o coração, nos entorpecem.
[fulltext] =>A história e o presente oferecem-nos uma infinita resenha desta ambivalência inevitável. A Bíblia contém também os remédios para prevenir e curar as doenças que nascem das religiões e das ideologias. Muitos destes remédios estão guardados no livro de Qohélet que, como uma vacina espiritual, continuam ainda a prevenir e a curar, se estamos prontos a “assumi-lo” e a suportar, no princípio, um pouco de febre.
“Vê onde pões os pés, quando entras na casa de Deus. Aproxima-te para escutar; isto vale mais do que o sacrifício dos insensatos… Não digas nada inconsideradamente nem o teu coração se apresse a proferir palavras diante de Deus, pois Deus está no céu, e tu, na terra; sejam, portanto, poucas as tuas palavras” (4, 14; 5, 1). Qohélet, na sua procura, não se limita a observar as vaidades da vida civil “debaixo do sol”. Neste capítulo do seu discurso, faz-nos entrar no templo de Jerusalém, e passa pelo crivo da sua sabedoria o culto, as orações e a principal prática religiosa do seu tempo: os sacrifícios. Também à procura da vaidade escondida sob as coisas.
E começa com uma advertência: “está atento”, vê onde pões os pés, quando sais de casa para ir ao templo, porque é um lugar cheio de insídias e armadilhas. A vida religiosa requer atenção, cuidado, vigilância: “shamai”. Encontramos aqui a mesma palavra (“shamai”) que o Génesis usa para definir a ordem de cuidado-guarda-atenção da terra que Elohim dirige a Adão (Génesis 2, 15). Encontraremos esta mesma palavra quando Caim, como não-resposta à pergunta de Elohim: «Onde está Abel [Hevel]?», pronunciou a terrível frase: «Sou, porventura “guarda” do meu irmão?» (Gn 4, 9). Este cuidado-“shamai”, posto como primeira palavra do primeiro discurso de Qohélet sobre a vida religiosa já nos pode dizer muito: Adão, se não quer tornar-se Caim, deve cuidar da terra e do irmão, mas deve também cuidar da sua relação com Deus. A religião é, sobretudo, um “cuidar de Deus para não o tornar um ídolo”, um guarda das nossas palavras, cuidar dos lugares, uma atenção ao coração. E quando falta este cuidado, as religiões transformam-se, progressivamente, num culto idolátrico ou, simplesmente, em estupidez, como gosta Qohélet de dizer.
Para Qohélet, preocupar-se com a vida religiosa significa, antes de mais, silêncio, escuta, economia de palavras. Perante a “máquina” religiosa que levava a “encher” o templo de palavras e de sacrifícios, Qohélet propõe “esvaziar”, desocupar, libertar o espaço interno e externo. As religiões foram e são atravessadas por diálogo-conflito entre duas culturas diferentes e, geralmente, opostas. A que acreditava e acredita que a religião consista na “produção” de palavras, sacrifícios, ofertas, ritos, em meter, acrescentar, ocupar com artefactos o espaço do encontro com o divino. A cultura, a que Qohélet pertencia, pelo contrário, acreditava e acredita que o principal – se não o único – trabalho dos fiéis era guardar o espaço do divino, preservando-o das muitas palavras, salvando-o do sangue dos sacrifícios das vítimas; uma arte de remoção, um cuidado de um lugar livre, não cheio.
A primeira cultura tende, necessariamente, à transformação de Deus num bezerro de ouro, porque tem necessidade de ver, tocar, sentir um Deus que, dia após dia, se torna cada vez mais semelhante às palavras humanas que o descrevem. A segunda cultura religiosa arrisca viver numa eterna espera de um Deus que nunca fala. Qohélet é um grande inimigo da religião-bezerro, porque considera, muitas vezes, mais sábia a guarda dum espaço vazio que um templo muito cheio de coisas, para que aí possa habitar também a verdadeira presença de Elohim. Se não se esvaziam os lugares de Deus, é o próprio Deus que acaba por ser esvaziado; se não se reduzem as palavras “sobre” Deus, é a palavra “de” Deus que se gasta. Qohélet prefere um Deus afastado a um Deus demasiado próximo – “Elohim está no céu; tu na terra”. Melhor ficar sempre à espera de Deus que encontrar-se, todos os dias, com um estúpido feitiço.
Entre as principais causas dos sacrifícios no templo eram os votos não mantidos. Na antiguidade, e também em Israel, era muito comum fazer votos, promessas, compromissos com Deus – sobre os quais a Bíblia exprime um juízo ambivalente: pensemos no voto “malvado” de Jefté, que o levou ao sacrifício da sua filha (Juízes 11). Qohélet diz: “É melhor não prometeres do que prometeres e não cumprir” (5, 4). Na realidade, o sentido original destes versículos semitas já está muito distante, também porque não são de excluir retoques redaccionais para adocicar a crítica nua de Qohélet ao templo e aos sacerdotes. Se quiséssemos dar mais eficácia ao ensino de Qohélet sobre os votos e respetivos aos sacrifícios reparadores, poderíamos resumir assim: não faças votos, são práticas tolas; mas, se queres mesmo fazê-los, procura respeitá-los. Assim, pelo menos, não alimentas o tolo e idolátrico comércio dos sacrifícios.
O centro do seu discurso sobre o templo está a tornar-se, gradualmente, cada vez mais claro. Os votos e os sacrifícios eram a expressão mais popular da religião comercial e retributiva do seu tempo. Oferecendo sacrifícios e libações entrava-se numa relação económica com a divindade. Fazendo votos, obtinham-se “méritos” diante de Deus (é antiquíssima esta palavra que nos querem mostrar nova). Qohélet, perante estas práticas, diz: a relação entre os homens e Deus não é de tipo mercantil; com ele não serve a troca de mercado; não apliquemos à fé a lógica económica, porque – e aqui está o busílis – esta é a religião dos idólatras e das muitas formas de magia e de superstição. A lógica com que Deus trabalha na história está-nos velada; mas, diz Qohélet, uma coisa, contudo, é certa: não pode ser aquela que regula os nossos negócios “debaixo do sol”, porque seria muito estúpida.
Esta polémica anti-retributiva, também presente em Job e em muita tradição profética e sapiencial, era muito preciosa no povo hebraico que sempre teve a tentação de ler a sua experiência com Elohim-YHWH com categorias comerciais, a partir da própria estrutura da Aliança.
A fé de Israel nasce no interior das culturas mesopotâmicas, onde era normal ler a religião como uma relação de troca com um Deus-soberano. As práticas religiosas, na sua origem arcaica, nascem, normalmente, como práticas idolátricas de tipo comercial. As que conseguem evoluir e emancipar-se das suas formas primordiais, abandonam, progressivamente, a lógica do do-ut-des com a divindade. Muita da dificuldade que teve o povo de Israel foi gerada pelo processo de libertação de um Deus mercantil, que dava graças e indulgências em troca de votos, sacrifícios e ofertas. Sem os profetas, sem Job e Qohélet, este processo teria implodido, e a religião de Israel teria permanecido um dos muitos cultos cananeus. Mas a tentação da religião “económica” está inserida em todo o culto e, sem o necessário cuidado e atenção, acaba por voltar aos antigos cultos idólatras, transformando Elohim num Rei faminto de ofertas e de declarações de submissão para obter proteções.
E, assim, a religião torna-se um “deve e haver” entre o fiel e a divindade, onde os sacrifícios e os votos se tornam a “moeda” (não apenas em sentido metafórico) deste comércio. Uma religião económica, que sempre teve (e tem) muitos adeptos, porque é muito mais fácil, é simplesmente estúpida, diz Qohélet – «os insensatos fazem sacrifícios».
O fiel fica feliz por conquistar “méritos” e compensar culpas por meio de simples sacrifícios, e os administradores da religião tiram muitas vantagens económicas e controlo sobre as consciências, alimentando este torpe comércio. Compreendemos bem o episódio de Jesus com os vendedores no templo (Jo 2, 14-16), colocado propositadamente no princípio da sua vida pública, partindo destas páginas de Qohélet. O cristianismo teve de lutar, nos seus começos, para anunciar uma religião toda gratuidade e, se deixa de lutar, volta sempre, pontual, o antigo culto idólatra. É preciso muito trabalho e muito cuidado para não sair do horizonte da gratuidade, recaindo no registo de méritos e de culpas.
Na vasta gama de sacrifícios no templo, Qohélet realça também os chamados “pecados involuntários” ou inadvertências: «Não permitas à tua língua que te torne culpado, nem digas ao mensageiro de Deus que foi apenas uma inadvertência» (5, 5). A criação da categoria de pecados involuntários é genial, comparável aos produtos mais sofisticados da nossa finança. Cria-se uma “bolsa” e uma “tabela de preços” também para ações não-reais, não procuradas nem queridas. O mercado perfeito. Inventam-se culpas artificiais para, depois, as apagar com sacrifícios muitos reais e caros. Um mercado com uma procura potencialmente infinita – e, com ela, também o respetivo lucro – completamente gerida pelo “templo” e pelos seus contabilistas. Qohélet desmascara igualmente esta grande “vanitas” e recorda-nos, juntamente com Job (22, 23), que também a misericórdia tem necessidade de verdade: é fumo, é falsa misericórdia, criar culpas “para” as perdoar.
A existência de um “lugar acima do sol” onde as relações não são reguladas por contratos, pela reciprocidade simétrica, pelas trocas de mercado, foi uma pré-condição essencial para que os comércios e os negócios “debaixo do sol” permanecessem assuntos humanos. Foi este céu habitado pela gratuidade que nos permitiu imaginar e realizar economias civis e boas democracias. Que economias, que democracias seremos capazes de imaginar, na época de meritocracia e dos incentivos sem gratuidade?
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por Luigino Bruni
publicato no jornal Avvenire no dia 03/01/2016
“Nasceu em vão quem, tendo o raro privilégio de ter nascido homem, é incapaz de “realizar” Deus nesta vida”
Shri Ramakrishna, Alla ricerca di Dio
O universo religioso, ativando a energia mais poderosa da alma humana, é o lugar onde se encontram os sentimentos e as ações mais altas e nobres. Mas, nesse mesmo lugar, se aninham grandes perigos, quando as células sãs das fés enlouquecem, aviltam o coração, nos entorpecem.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 27/12/2015
“Na praia dos mundos/ se quebra a ressaca/ antiga e sempre nova/ dos desejos humanos/ que palpitam ao sol/ invocando a vida. … E nós, aqui, a esperar. Porque ainda deve vir. … E nenhum, finalmente,/ será deixado só”
Maria Pia Giudici, Sulla spiaggia dei mondi
As solidões não são todas iguais. Existem pessoas deixadas a viver sós, idosos cuja solidão continua a ser habitada pela ausência-presença de quem amaram. Há quem esteja só porque é simplesmente pobre, isolado e abandonado nas periferias das nossas cidades.
[fulltext] =>Mas existem, também, as solidões dos poderosos ou as das vítimas de um modelo económico-social que celebra a libertação dos laços como conquista da civilização, prometendo uma outra felicidade, substituindo as pessoas por coisas. As solidões boas, que podem ser também bem-aventuradas estão sempre interligadas com os encontros, são pausa no ritmo social normal da vida, diálogos diferentes que criam e regeneram o espaço interior para poder encontrar, novamente, o rosto do outro. Pelo contrário, quando a solidão se torna alternativa à vida em comum, quando me encontro comigo mesmo para fugir de ti, se me habituo a estar sozinho porque já não sei estar com ninguém, volta forte a palavra de Qohélet: ai dos sós.
“Vi também que todo o esforço e todo o êxito de uma obra não passam de inveja de uns para com os outros. Também isto é ilusão e correr atrás do vento. O insensato cruza os braços e devora-se a si mesmo: «Mais vale um punhado de lazer, do que duas mãos cheias de esforço e correr atrás do vento” (4, 4-6).
Qohélet continua a crítica da sua sociedade. Vê ‘debaixo do sol’ homens que se afadigam na concorrência, numa competição que, para Qohélet, não é a alma do desenvolvimento, mas apenas o resultado da inveja social. Viu-o no seu mundo, e nós vemo-lo ainda mais no nosso. E, por isso, regressa forte o seu juízo: hebel, vaidade, fumo, rajada louca de vento. No lado oposto deste frenesim, Qohélet vê quem renuncia ao desafio, cruzando os braços na inatividade. Isto também não é sabedoria. É tão louco como a competição invejosa da primeira cena.
Depois, indica-nos um caminho sábio: deixar livre uma mão para que a sua palma se possa encher de calma, de repouso, de ‘consolação’. As duas mãos do homem não devem ser usadas na mesma atividade: se é louco quem deixa ambas as mãos inertes, também o é quem as ocupa apenas com o trabalho frenético. O fruto do trabalho e da indústria só pode ser usufruído se deixamos um espaço livre de não-trabalho, se uma palma está vazia e pode acolher o fruto conquistado pela outra. É louco quem nunca trabalha, mais louco quem trabalha sempre.
A nossa civilização construiu-se à volta da condenação do ócio e originou uma cultura da vida boa assente no trabalho, instituindo a ligação entre dignidade humana, democracia e trabalho. Os braços inativos, porque não se quer ou não se pode trabalhar, não são braços geradores de bem-estar nem de alegria. Na corrida, que a civilização ocidental iniciou há alguns anos, esquecemo-nos da segunda loucura-vaidade do sábio Qohélet: a vida é fumo e fome de vento, também para o muito trabalho. O trabalho é bom apenas nos seus ‘tempos’ corretos.
Naquela cultura antiga, estava ainda muito viva a experiência do Egito e de Babilônia, quando os hebreus, tornados escravos, trabalhavam sempre, com ambas as mãos. Só os escravos e os reduzidos à escravidão da inveja e da avidez se afadigam sempre e só com o trabalho. É difícil dizer se hoje sofre mais o desempregado, que cruza inocentemente os braços ou o gerente super-ocupado, que passa o Natal no escritório, porque o trabalho, pouco a pouco, lhe comeu, como todos os ídolos, alma e amigos. Sofrimentos diferentes, ambos muito graves, mas o segundo não o vemos como loucura e vanitas, e incentivamo-lo.
É a relação entre o um e o dois que está no centro deste capítulo de Qohélet: “Vi ainda outra ilusão debaixo do Sol: eis um homem só [é um, não dois], sem ninguém junto de si, não tem filho, nem irmão; mas não cessa de se esforçar, nem os seus olhos se fartam de riquezas: «Para quem me esforço eu, privando-me de coisas boas?» Também isto é ilusão e tarefa ingrata” (4, 7-8). Estamos perante uma página maravilhosa, um verdadeiro destilado de antropologia. Qohélet revela uma relação profunda, radical e tremenda entre a solidão e o trabalho. Apresenta-nos um homem só, que trabalha muito, sempre (‘não cessa de se esforçar’) e a muita riqueza que ganha nunca o sacia. Está na não saciedade a chave deste versículo: a riqueza que não pode ser partilhada não sacia, não satisfaz o nosso coração. Alimenta apenas a fome de vento, e produz o grande autoengano de a riqueza em si ou o aumento do património poderem, amanhã, saciar a indigência de hoje. E o carrocel continua a girar, cada vez mais no vácuo.
Rapidamente, Qohélet faz-nos entrar na alma desta pessoa, apresentando-nos um veloz, mas intenso, exame de consciência: ‘por que toda esta canseira por nada? A quem ou para que serve este trabalho louco que me está a consumar a vida?’. Se pudéssemos ler o diário da alma do nosso tempo, encontraríamos milhões de exames de consciência semelhantes. A solidão ‘distorce os incentivos’ e faz trabalhar muito, porque a satisfação no trabalho torna-se um substituto da felicidade fora do trabalho. O trabalho, que se torna, pouco a pouco, tudo, destrói as poucas relações que permanecem e, assim, trabalha-se ainda mais. O tempo de trabalho aumenta, regresso a casa cansado, não tenho vontade de sair, o ‘custo’ das relações extra-laborais aumenta, amanhã sairei menos e trabalharei mais… Depois, um dia, pode chegar, pontualmente, a pergunta: ‘mas por que e para quem?’. Uma pergunta que é dramática quando a colocamos, pela primeira vez, perto da reforma, mas que pode ser libertadora se ainda estivermos a tempo. Enquanto estamos suficientemente vivos para nos colocar esta pergunta, podemos ainda esperar: o dia verdadeiramente triste é aquele em que renunciamos a sofrer pela nossa infelicidade e nos adaptamos a ela. Convencemo-nos que estamos bem na armadilha em que caímos e não pedimos mais nada, para não morrer.
“É melhor dois do que um só: tirarão melhor proveito do seu esforço. Se caírem, um ergue o seu companheiro. Mas ai do solitário que cai: não tem outro para o levantar! E se dormirem dois juntos, dormem quentes; mas se alguém está só, como se há de aquecer? Se um só é oprimido, dois já conseguem resistir a isso; o cordel dobrado em três não se parte facilmente” (4, 9-12).
Isto não é um louvor específico da família ou da amizade nem da espiritualidade da comunidade. O seu discurso é mais radical. A vida não funciona se se está só. Quando estamos sós, somos frágeis, vulneráveis, míseros. Após mais de dois milénios destas antigas palavras, construímos contratos, seguros e cobertores térmicos para poder dispensar o outro. E, assim, suscitámos a maior ilusão coletiva da história humana: crer podermo-nos levantar, proteger e aquecer sozinhos. Mas também aprendemos que não basta estar dois no mesmo leito para sentir calor: não há leitos mais gélidos que aqueles onde dormem dois, cada um mergulhado na própria solidão, já sem palavras. Não basta estarem dois para fugir ao ‘ai de quem está só’. Há muitas solidões desesperadas, revestidas de companhia, e muitas companhias verdadeiras por detrás do que aparece como solidão.
“É melhor dois do que um só: porque há um salário bom para a sua canseira” (cf. 4, 9). O salário bom é o que pode ser partilhado. O verdadeiro sentido da canseira do trabalho é ter alguém que espera o nosso salário. O salário sem um horizonte maior que do eu é um sal sem sabor. O tempo justo do bom salário é o de casa. O acumular riqueza sem que haja alguém que, com esta riqueza, possa crescer, habitar, estudar, ser cuidado, é fome de vento, é alimento que não sacia, mesmo quando consumado nos restaurantes de cinco estrelas.
O nosso tempo está a perder o tempo justo do trabalho porque quebrou a ligação entre trabalho e família. Quando os filhos não existem, quando o horizonte do trabalho é muito curto, é difícil encontrar uma resposta para a nua pergunta de Qohélet. Mas a nossa sociedade pós-capitalista tem uma necessidade crescente de pessoas sem vínculos fortes de pertença, e, por isso, sem limites de horário, de deslocação, sem o ritmo dos ‘tempos’ diferentes. São estes os dirigentes ideais das grandes multinacionais. Por vezes, alguém pergunta a si mesmo: “por que tanto trabalho; para quem?”. Uma pergunta que pode ser o início de uma vida nova. A oferta de novos bens e serviços, para acompanhar as solidões, está a tornar-se ampla e sofisticada, com a venda de bens pseudo-relacionais. Produzimos pessoas cada vez mais sós e produzimos cada vez mais bens para saciar solidões insaciáveis. E o PIB cresce, indicador da nossa infelicidade e, ao mesmo tempo, cresce a procura insatisfeita de gratuidade.
Mas que acontecerá quando esta procura de Qohélet se tornar coletiva? Que novas respostas conseguiremos dar, juntos? Haverá ainda sal bom nas dispensas das nossas empresas, das cidades? E, se procurando bem nos ângulos mais escondidos, encontrarmos uma mão-cheia de sal, será suficiente para dar sabor à comida? E aquele sal terá ainda sabor?
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 20/12/2015
“A segurança da fé não está acessível e não pode ser tornada acessível ao homem de hoje. Se ele leva isto a sério, sabe-o, e não deve absolutamente enganar-se. Mas a possibilidade de se abrir à fé não lhe é negada. Pode acolher, acolher com todas as suas forças e esperar o que lhe possa acontecer, ver se germina nele uma nova sinceridade”
Martin Buber, Umanesimo ebraico
O livro de Qohélet não é um romance nem um tratado de teologia. É mais parecido a um diário espiritual e ético. Os seus diversos capítulos registam e narram pensamentos, emoções e experiências de um viajante debaixo do sol. O seu ilimitado interesse e a sua força dependem da sabedoria, liberdade teológica e coragem moral do seu autor, que continua a falar-nos, pelo menos, há vinte e três séculos.
[fulltext] =>Apenas os livros enormíssimos têm êxito. Assim, viajando a vida com Qohélet, encontramos ‘páginas de diário’ onde estamos completamente mergulhados no fumo da vanitas, outras, onde a alegria do “cântico dos tempos” nos arrebata e conquista, para voltar imediatamente a meditar pesarosamente sobre a morte e sobre a caducidade da vida. Como nós, que hoje contemplamos um bebé a nascer e, amanhã, acompanhamos um amigo na sua última agonia. Sentimentos diferentes, lágrimas diferentes, a mesma vida que desliza. O ritmo dos tempos é também o ritmo das páginas de Qohélet.
“E eu vi ainda, debaixo do Sol, a injustiça ocupar o lugar do direito e a iniquidade ocupar o lugar da justiça” (3, 16). Perante o espetáculo da injustiça da terra, onde, nos tribunais que deveriam garantir a equidade se aninha a malvadez, Qohélet diz-nos que “Deus julgará o justo e o ímpio, pois há tempo para todas as coisas e tempo para todas as obras” (3, 17). E, assim, acrescenta o ‘tempo’ de Deus aos nossos tempos muito desequilibrados e tortos. Sente a dor por um mundo injusto, pelo infinito número de vítimas-Abel que habitam a terra. Mas a espera do juízo universal, no fim dos tempos, não é a resposta de Qohélet à iniquidade, porque o mundo ‘acima do sol’ está, para ele, muito distante e inacessível, para poder oferecer uma resposta convincente às injustiças deste mundo debaixo do sol. O juízo de Deus deve desenrolar-se aqui, na terra. Se o tempo da justiça de Elohim existe de verdade, deve inserir-se dentro no nosso tempo mortal. Porque, se não está dentro dos nossos tempos, estará somente fora do tempo e, por isso, não é útil para melhorar a condição e a justiça da nossa vida. Os tempos não-humanos não interessam a Qohélet, porque se não são humanos, só podem ser desumanos ou anti-humanos.
O discurso de Qohélet é, portanto, um humanismo: pede a Deus para ser o Deus dos vivos e não o Deus dos mortos. O Deus debaixo do sol e não o Deus no alto dos céus. Se não queremos transformar Elohim num deus inútil, devemos pedir-lhe para nos dar respostas, aqui e agora; para as dar, sobretudo, às vítimas. Como Job, o maior amigo de Qohélet. Como nós, os seus amigos de hoje, que aumentamos o número de tantos amigos que sempre teve ao longo dos séculos (embora, talvez, só o nosso tempo possa começar a compreendê-lo verdadeiramente).
Qohélet, surpreendendo-nos mais uma vez, diz-nos que uma primeira justiça debaixo do sol encontra-se na morte: “E disse em meu coração acerca dos filhos dos homens: «Deus põe-nos à prova, para lhes mostrar que, só por si, são semelhantes aos animais. Porque é o mesmo destino dos filhos dos homens e o destino dos animais; um mesmo fim os espera. Como a morte de um assim é a morte do outro. A ambos foi dado o mesmo sopro (ruah), e o homem não tem qualquer vantagem sobre o animal, pois tudo é ilusão (hebel). Todos vão para um mesmo lugar” (3, 18-20). Morrem todos, como morrem todos animais. Somos irmãos e irmãs na comum e universal mortalidade. Irmã morte, irmão lobo, irmã pomba, irmão verme. Neste pó de todos e de tudo, há uma sabedoria, a infinita de Salomão: “Todos [animais e homens] saíram do pó e ao pó hão-de voltar todos” (3, 20).
Desde crianças, aprendemos a conhecer a morte vendo morrer os animais. Naquela idade da vida, conseguimos ainda sentir nos animais o mesmo sopro de vida que habita em nós, nos pais, nos amigos. Os choros desesperados perante a morte de um gato ou de um passarinho revelam-nos um acesso mais profundo à vida que, depois, como adultos, perdemos. Só as crianças conseguem amar verdadeiramente os animais e sofrer pelas suas dores – e também só os velhos que têm a graça de se tornarem crianças, se podem aproximar daquele primeiro amor. Qohélet ajuda-nos a recuperar o olhar de infância, a reconhecer na dor da terra a nossa própria dor. Faz-nos ouvir de novo o primeiro sopro da criação.
O horizonte no qual Qohélet coloca o seu discurso é o dos primeiros capítulos do Génesis. Conhece bem o sopro-espírito que Elohim injetou nas narinas de Adão, o terrestre, tornando-o ser vivo (Genesis 2, 7). Ecoa nos seus versículos “tu és pó e ao pó voltarás” (Gn 3, 19). Mas o Génesis em Qohélet é diferente. A condição terrestre de Adão não o torna dominador dos animais e das espécies vivas: o Adão de Qohélet é, antes de tudo, criatura como todas as outras. Sabia que o homem foi e é continuamente criado ‘à imagem e semelhança de Deus’, como coisa ‘muito bela e boa’ (cf. Gn 1, 26.31). Não o nega; não o pode negar, mas quer dizer-nos algo mais: antes de sermos diferentes do resto da criação, somos iguais a todos os seres vivos, porque, como eles, somos mortais e vivemos até que o dom do sopro viva. Só Deus não morre. O homem não é Deus porque morre, e a sua rebelião originária e perene é querer negar a própria mortalidade – também isto é Génesis (cap. 3). A natureza não é Deus porque morre. Cada serpente, cada ídolo, promete-nos e nos prende-nos, prometendo-nos eliminar a morte.
Qohélet não só reafirma esta mensagem profunda e genuinamente bíblica, mas encontra aí também uma resposta ao seu e nosso pedido de justiça. A justiça inscrita na morte de todos os animais torna-se uma justiça universal. A vanitas do grande, do rico, do desonesto, não está apenas no seu morrer como morrem as vítimas e os pobres (isto tinha-no-lo dito no capítulo 2). Há uma vanitas ainda mais radical e profunda: morrem, também eles, como morrem os cães, os pássaros. O mais poderoso faraó morre como o ouriço e a mosca. A diversidade no luxo dos túmulos e das pirâmides é só vaidade, é efémera, não conta para nada (2, 16). A morte universal é a primeira justiça universal.
Perante este destino cósmico, compreendemos novamente porque a única felicidade possível e verdadeira é a que podemos encontrar na vida, enquanto habita em nós o único sopro-espírito que nos foi dado: “E reconheci que não há felicidade maior para o homem do que alegrar-se com as suas obras. Este é o quinhão que lhe toca” (3, 22). Descobrir a justiça da morte que espera todos os seres vivos, e todos do mesmo modo, leva Qohélet a louvar, pela segunda vez, a alegria das obras humanas, a felicidade do trabalho. Crescemos e envelhecemos bem quando a companhia da dor e da morte nos aumenta a alegria da saúde a e felicidade de regressar aos trabalhos normais da vida.
O canto de Qohélet é, então, um canto cru e autêntico à vida, mesmo quando a despreza, porque desiludido pela malvadez das obras dos homens debaixo do sol: “E, de novo, considerei todas as opressões que se cometem debaixo do Sol. Vede as lágrimas dos oprimidos: eles não têm consolador. Os seus opressores fazem-lhes violência: eles não têm consolador. E eu, então, felicitei aqueles que já morreram, de preferência aos vivos que ainda estão vivos. E mais felizes que uns e outros são os que nunca chegaram à existência e não viram o mal que se comete debaixo do Sol” (3, 1-4).
É a ausência de consolação dos oprimidos que faz Qohélet duvidar da superioridade do estar no mundo em relação ao não-estar. Não devemos perder nenhum bocado da força e da beleza deste versículo de Qohélet: uma vida de oprimidos sem consoladores é pior que a morte. A sua condenação é uma condenação dos muitos opressores presentes e um apelo aos consoladores ausentes.
Os que choram podem ser chamados ‘bem-aventurados’ apenas se são consolados. O inferno é o lugar das “bem-aventuranças a meio”: pobres sem Reino, puros que não veem a Deus, mansos sem terra, aflitos desconsolados.
E, estando da parte dos oprimidos, tornados tais pelos opressores (a opressão é uma construção totalmente humana), Qohélet encontra a força para invocar um consolador, um ‘paráclito’. Mesmo se não o vê, nem queira inventá-lo – não há pior engano que um consolador inventado para responder à nossa verdadeira procura de consoladores. Talvez o advento de consoladores não-artificiais possa ser chamado e esperado apenas pondo o coração nos aterros onde as crianças procuram as sobras da nossa opulência, nas guerras dos meninos-soldados, ao lado das meninas vendidas por miséria desesperada a mercadores de sexo.
Apenas dali o podemos desejar, talvez vislumbrar. Qohélet não acreditou que o resgate destas vítimas inconsoladas tivesse de ser adiado para o paraíso. Manteve viva a dor da terra pela ausência de consoladores, aqui e agora, e, assim, tornou não-vã a espera do seu advento. Se tivesse cedido à tentação das consolações apocalípticas e idolátricas, toda a Bíblia teria perdido a capacidade de advento. No entanto, continuou a colocar perguntas, resistindo na ausência das respostas. A bondade das perguntas existenciais mede-se com a sua capacidade de resiliência nos tempos da carestia de respostas verdadeiras e da opulência de respostas falsas.
Sem renovar esta resistência e esta espera, também o Natal termina por se evaporar na vanitas dos centros comerciais e do sentimentalismo das atmosferas artificiais criadas com o objetivo de lucro. A estrela do Natal, para ser vista novamente no nosso céu inquinado, tem necessidade de ser esperada, pondo-nos ao lado das vítimas oprimidas da terra e, com elas, olhar, na longa noite, ainda para o oriente. O Natal mais belo é o esperado juntamente com Qohélet.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 20/12/2015
“A segurança da fé não está acessível e não pode ser tornada acessível ao homem de hoje. Se ele leva isto a sério, sabe-o, e não deve absolutamente enganar-se. Mas a possibilidade de se abrir à fé não lhe é negada. Pode acolher, acolher com todas as suas forças e esperar o que lhe possa acontecer, ver se germina nele uma nova sinceridade”
Martin Buber, Umanesimo ebraico
O livro de Qohélet não é um romance nem um tratado de teologia. É mais parecido a um diário espiritual e ético. Os seus diversos capítulos registam e narram pensamentos, emoções e experiências de um viajante debaixo do sol. O seu ilimitado interesse e a sua força dependem da sabedoria, liberdade teológica e coragem moral do seu autor, que continua a falar-nos, pelo menos, há vinte e três séculos.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 13/12/2015
“Eis a mais grandiosa sequência de verbos no infinito de todas as literaturas. Quando, no nosso agir, estamos debaixo de uma força e uma urgência inexoráveis, quando, bem ou mal, se impõem e sobrepõem e se está integrado no mundo, então não há outro modo de nomear as nossas ações sem ser com um verbo no infinito”
Erri de Luca, “Qohélet”.
“Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu: tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo para matar e tempo para curar, tempo para destruir e tempo para edificar, tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar.”
[fulltext] =>Tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar, tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço, tempo para procurar e tempo para perder, tempo para guardar e tempo para atirar fora, tempo para rasgar e tempo para coser, tempo para calar e tempo para falar, tempo para amar e tempo para odiar, tempo para guerra e tempo para paz” (3, 1-8). E, aqui, deveríamos parar, perante tanta força e beleza que chegam até nós, como brisa, depois de ter atravessado, com Qohélet, o doloroso território do hebel, da vanitas.
Chegámos ao coração do livro de Qohélet, e a uma das páginas mais belas da Bíblia. Apesar da palavra tempo, entendida em sentido favorável – em hebraico ‘et: ponto, agora, momentum, kairos – dominar este breve poema, a reflexão de Qohélet não é uma reflexão filosófica sobre o tempo. Não fala aos filósofos gregos do seu mundo. O seu horizonte é o bíblico e o sapiencial. Continuando a sua procura, Qohélet descobre, agora, que “debaixo do sol” existe uma ordem, uma lei impressa pelo criador na natureza e nas ações humanas. Viajando no oceano da vaidade, alcança, finalmente, terra firme. O fumo arrasta-se perante o espetáculo do ritmo da vida e do agir humano. Esta ordem aparece-lhe, finalmente, não-vaidade.
Quando, nas culturas antigas, um sábio observava o ritmo da vida e das suas estações, as vicissitudes humanas, as leis do trabalho, as causas dos sofrimentos e das alegrias, sentia a presença de uma sabedoria por detrás das coisas. Via ações produzirem maus frutos porque começadas no momento errado, os nascidos e os mortos seguirem algum comando intrínseco e não arbitrário. Ficava encantado porque cada coisa tinha o seu lugar, enfeitiçado pela racionalidade da vida, preso pelo sentido – significado e direção – das obras e dos dias. A lei da vida existe e a harmonia da sinfonia da terra pode-se ouvir apenas sintonizando-se com os seus tempos corretos.
Ao bater no fundo da sua desilusão, pela falta de um sentido verdadeiro nas canseiras debaixo do sol, o cântico de Qohélet conhece, aqui, uma primeira reviravolta. O antigo sábio olha a terra e a sucessão das ações humanas e descobre aí uma verdade. Sente-as boas e bonitas: “Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha? Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem. Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo” (3, 9-11). Fez tudo bem “no seu tempo”, na sua hora.
As nossas ações têm um ponto de beleza, uma estação em que resplandecem. Para o descobrir, temos de as olhar na hora certa, no seu momento. Quando as coisas nos aparecem ruins e não boas, talvez estejamos apenas fora de tempo: comemos um fruto verde, avaliamos um processo ainda a decorrer, não sabemos esperar que uma vocação chegue à sua realização, paramos na sexta-feira santa. Vemos uma árvore perder as folhas no seu outono sem esperarmos a primavera.
No fim do seu poema do tempo, Qohélet, à pergunta: ‘Que proveito (yitron) tira das suas fadigas aquele que trabalha’, pela primeira vez não responde vanitas, fumo, e faz-nos vislumbrar uma perspetiva diferente, um ganho maior que zero, uma diferença positiva entre os ganhos e os custos das canseiras debaixo do sol. Os tempos de que fala Qohélet, no seu poema, são, de facto, tempos humanos, são os momentos da vida e do trabalho (amal), o ritmo normal dos ‘negócios’ vulgares debaixo do sol. Não nos está a falar dos tempos dos rios, do acasalamento dos animais e das migrações das aves. Aqui, as coisas bonitas são as coisas humanas: nascer, morrer, ajuntar pedras, chorar, construir, costurar, a paz. Esta canseira é boa: é o trabalho do nascer e do morrer, é o cansaço bom do trabalho humano. Nem sempre nascer, morrer, chorar, trabalhar é bonito: é-o no seu momento. Há pessoas que, como os patriarcas, morrem ‘saciados de dias’, e há mortos que chegam no momento errado, e não é bonito. O trabalho é bonito se é desenvolvido no tempo oportuno. Mas há também o trabalho dos escravos e dos servos, antigos e modernos, o trabalho que não conhece o seu momento propício para que o tempo de trabalho se torne o tempo da vida. E, assim, não produz ‘proveito’ sábio. Há pessoas que se tornam belíssimas se se apanham no momento próprio do seu trabalho, e outras destruídas por um tempo de trabalho errado, ou por um tempo de trabalho que nunca chega ou que passou muito depressa e não volta mais.
Se queres conhecer verdadeiramente uma pessoa, deves vê-la enquanto trabalha no seu tempo. E quando alguém não é colocado nas condições de poder trabalhar no momento bom, é impedido de manifestar a sua beleza. Privamo-nos de muita beleza deixando os jovens fora das empresas, não os fazendo encontrar o trabalho no ‘tempo oportuno’. E se a juventude é o tempo propício do trabalho, talvez o trabalho de quem o inicia muito tarde não se torne belo, como poderia ter sido.
E é neste ponto que Qohélet insere uma das frases mais misteriosas, maiores e mais discutidas do seu livro: “Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo (olam). Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim” (3, 11). Qohélet dá-nos aqui a chave de leitura das vanitas que nos revelou até agora. Na sua antro-teologia, Elohim-Deus colocou no mundo princípios em tensão entre si. Colocou dentro de Adam-homem o olam, uma palavra hebraica misteriosa e polissémica que, ao longo dos séculos foi traduzida de muitos modos. O olam está relacionado com o desejo escondido no nosso coração de querer possuir todo o mundo. É o olam a primeira mola da religião, da ciência, da filosofia. Vemos florir a flor e queremos conhecer todo o seu mistério; não nos bastam as múltiplas explicações das ciências individuais (química, botânica). Sentimos muito forte o fascínio do um, queremos possuir a totalidade daquele desabrochar. Qohélet diz-nos que a totalidade dos tempos e dos momentos é-nos negada. O Adam não tem a posse dos tempos do seu mundo, não tem o controlo da vida. A não-vanitas está em reconhecer isso.
Na cultura do seu tempo, perante esta negação, era grande a tentação dos ritos de mistérios, da magia, dos horóscopos. Os magos e os adivinhos sempre prometeram satisfazer todas as exigências do olam e introduzir-nos no mistério dos tempos da vida. E, assim, poder controlar o nosso nascer e o nosso morrer, o amor e o ódio, o chorar e a felicidade. Hoje, juntamente aos magos e aos adivinhos, que continuam a ter grande e próspero mercado, é a técnica que promete eliminar todas as barreiras para satisfazer o nosso olam, fornecendo-nos a lei dos nascimentos e da morte, os tempos e as almas dos trabalhadores. Também a esta técnica Qohélet diz: hebel, fumo, fome de vento.
Qohélet combate também estas falsas seduções, e apresenta-nos um caminho inesperado para resolver o conflito entre o desejo do um e a única possibilidade real da parte: “Eu concluí que nada é melhor para o homem do que folgar e procurar a felicidade durante a sua vida. Todo o homem que come e bebe e encontra felicidade no seu trabalho, tem aí um dom de Deus” (3, 12-13). Aqui, Qohélet parece negar quanto afirmou pouco antes, quando tinha definido como vaidade a procura da felicidade no vinho, nos prazeres dos sentidos e na riqueza (cap. 2). Na realidade, a sabedoria de Qohélet continua a surpreender-nos. Quando acolhe a verdade de não possuir o mistério do mundo, quando compreende na dor que não é o dono das coisas, cuja vida o fascina e seduz e que não pode comer os frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal, o Adão pode voltar-se, ver as coisas de modo diverso e descobrir o desenrolar da vida. E senti-la como verdadeiro dom. A morte pode-se vencer apenas vivendo a vida que temos.
Após ter sofrido durante anos, décadas, por não conseguir dominar a realidade debaixo e acima do sol, pode acontecer que, um dia, voltemos à nossa mesa de trabalho, abramos o pc, nos ponhamos a fazer o trabalho de sempre, e sintamos que a verdadeira vida que procurávamos no lugar errado, estava simplesmente ali, à nossa espera para nos salvar. Depois de ter saboreado as bolotas, sentido o calor escaldante de uma procura espiritual insatisfeita porque não-saciável, um naco de pão pode ter o bom sabor de paraíso. Quando fomos capazes de continuar a caminhar enquanto se evaporavam as nossas ideologias do passado, depois de ter renunciado para sempre às consolações não verdadeiras, pode chegar, improvisamente, uma nova alegria de viver. É a alegria após a experiência da vaidade, muito diferente da alegria da primeira estação das ilusões. Regozijando-se, pode-se reaprender. Da luta corpo a corpo com os anjos da juventude podem florir novos alimentos, abraços, trabalhos. Um nome novo. É este o grande milagre que continua a acontecer todos os dias debaixo do sol.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 13/12/2015
“Eis a mais grandiosa sequência de verbos no infinito de todas as literaturas. Quando, no nosso agir, estamos debaixo de uma força e uma urgência inexoráveis, quando, bem ou mal, se impõem e sobrepõem e se está integrado no mundo, então não há outro modo de nomear as nossas ações sem ser com um verbo no infinito”
Erri de Luca, “Qohélet”.
“Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu: tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo para matar e tempo para curar, tempo para destruir e tempo para edificar, tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar.”
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 06/12/2015
“Sabes o que é a morte?... é um nível. Um rei, um magistrado, um homem importante, entrando nesta porta, deve compreender que perdeu toda a vida e até mesmo o nome: ainda não compreendeste isto? Por isso, escuta o meu conselho, não sejas rebelde, aceita-me perto de ti; que te importa? Estas palhaçadas fazem-nas os vivos; nós somos gente séria… pertencemos à morte!”
Antonio de Curtis-Totò, "O nível"
Depois de nos ter dito a vaidade da procura intelectual e a dos prazeres do corpo, agora, Qohélet testa a ideia, muito radicada, que via e procurava uma não-vaidade na recordação dos vindouros.
[fulltext] =>Num humanismo sem paraíso, onde a existência humana e a fé se desenrolam ambas “debaixo do sol” (é a terra o lugar onde se encontra YHWH, o “Deus dos vivos”), ser recordado depois da morte era um objetivo considerado não-vão, uma boa e sábia razão de viver.
No entanto, “não há memória que dure sempre nem para o sábio nem para o insensato; antes, passado algum tempo, tudo igualmente se esquece. Mas então? Tanto morre o sábio como o insensato” (2, 16). Todos os dias vemos não-sábios recordados através das gerações e multidões de sábios humildes, cuja memória é guardada apenas no interior da sua família, uma recordação que o nosso tempo, sem solidariedade entre as gerações, está encurtando rapidamente. Quem recorda ainda a justiça e a sabedoria de milhões de mulheres dos séculos passados, as suas vidas sábias e boas, gastas no escondimento, ao serviço total dos seus maridos e filhos? A memória livre dos povos é muito pequena para conter toda a verdade e toda a sabedoria do mundo. Por isso, o ser recordados não pode ser um proveito adequado para o cansaço gasto para se tornar sábio. Nas recordações eternas dos povos há também os Caim, Herodes, Pilatos. E os sábios e bons são esquecidos em comparação com os loucos e os ímpios.
Por outro lado, vão é também pensar que a riqueza acumulada pelo sábio se tornará bênção para os seus filhos: “Desesperei em meu coração de todo o trabalho que suportei debaixo do Sol. Porque há quem se esforce com sabedoria, conhecimento e bom êxito, para deixar o fruto do seu labor a outro que não se esforçou. Também isto é ilusão e grande mal” (2, 20-21).
Não temos nenhuma garantia de os nossos cansaços irem parar a mãos de merecedores. Viver com esta esperança é só vaidade. A tese tremenda e revolucionária de Qohélet (que só reencontramos em Job) é unir o justo e o malvado no mesmo destino. Israel tinha construído uma sua teologia consolatória, afirmando que os bens que o justo deixa aos filhos se tornam bênção. Viver bem e tornar-se rico é depósito de bênção também para os filhos. A aliança era transmitida de pai para filho, e era acompanhada e confirmada pelos bens deixados em herança. Qohélet, no fim da sua procura do homem sábio e rico, diz-nos que também esta teologia é ilusão e vaidade. Há homens justos que deixaram grande herança a filhos néscios que desbarataram tudo, ou para quem a riqueza dos pais foi apenas maldição. Não são poucos os empreendedores sábios que terminam a sua vida sabendo que deixam o fruto das suas canseiras a herdeiros indignos. Qohélet diz-nos que esta injustiça é uma forma de grande sofrimento. As riquezas não são uma resposta não vã à vanitas da nossa vida e da dos nossos filhos.
Qohélet julga as nossas ilusões colocando-se no termo da vida. Aliás, diz-nos algo mais: a única perspetiva sábia e verdadeira é a de quem olha e julga pondo-se no fim da caminhada: “E eu disse em meu coração: «A sorte do insensato tocar-me-á a mim também. Para que serve a minha sabedoria?» Então, decretei em meu coração que também isto é ilusão” (2, 15). A morte anula qualquer recompensa de uma vida gasta na sabedoria. É esta a tese mais radical de Qohélet, na base do seu julgamento universal da vanitas, fumo, vento, hebel. Um julgamento que atemoriza, que impediu muitos de encontrar a sabedoria de Qohélet. No entanto, a sua mensagem é uma mensagem de vida, que requer, porém, a capacidade de saber olhar a morte de caras. Sem nos contentarmos com as consolações fáceis e, por isso, vãs. Convida-nos a olhar a vida, a nossa e a dos outros, observando-a a partir da cabeceira dos moribundos. E diz-nos: a primeira e radical vanitas dos seres vivos é que morrem todos. Por isso, a primeira e radical sabedoria é observar o mundo e a nossa vida como seres mortais.
Qohélet não fala deprimido da morte e da vida. Ele está ali, no coração da Bíblia (não deixaremos nunca de agradecer os antigos sábios que o quiseram incluir no cânone), a dizer-nos que não há olhar verdadeiro e sábio sobre a vida que não inclua também o último olhar. Se conseguimos encontrar algo de não-vão e não-ilusão, quando assistimos a um amigo ou um filho nos últimos dias de vida, então podemos ter uma esperança não-vã que toda a vida não seja apenas fumo. Qohélet diz-nos que nenhuma procura de não-vaidade debaixo do sol pode evitar esta última perspetiva, entretidos nos brinquedos da infância religiosa e humana.
O exercício ético extremo de Qohélet é especialmente precioso porque é universal. Ele não acredita no paraíso. Sabe que Elohim existe, mas não pensa que encontrá-lo depois da morte seja uma consolação não-vã. O cristianismo deu-nos outras perspetivas acerca da morte e do paraíso. Porém, o nosso tempo é povoado por muitíssimos homens e mulheres que, como Qohélet, não têm o horizonte do céu, e, se o têm, é muito vago e distante.
Então, seguir este antigo sábio, que é parte do próprio humanismo hebraico e cristão, pode ser um caminho árduo que conduz ao cimo de paisagens maravilhosas, porque pode dar-nos uma nova linguagem para reaprender a falar do céu a quem não o vê após a morte; mas pode ajudar muito também a quem acredita no paraíso, mas está muito concentrado nas últimas palavras de Deus e arrisca esquecer as penúltimas dos homens honestos que procuram o rosto de Elohim “debaixo do sol”. Devemos reaprender e descrever o paraíso a pessoas que já o não conseguem ver, porque as nossas ideologias religiosas consoladoras lho ocultaram. Qohélet não povoa o nosso paraíso. Mas esvazia-o de ídolos, e a sua companhia é mais útil que a dos construtores de paraísos consoladores. Numa paisagem liberta de fetiches e totens, um dia, porventura, na linha do horizonte poderemos ver chegar alguém que não seja só fumo. Na Bíblia, há muita riqueza para os homens e mulheres de hoje; devemos reaprender a vê-la e a narrá-la. Mas a Bíblia só é autêntico humanismo se é tomada a sério na sua totalidade, sem evitar os articulados e as concordâncias dolorosas. A ressurreição foi acontecimento perturbador e capaz de fundar um mundo novo, também porque o sepulcro vazio brilhou num cenário das lamentações, do justo sofredor, de Job. De Qohélet. Um cenário escuro que permite mostrar uma luz verdadeira e diferente. Ontem e hoje.
Uma infinita procura de sentido e de não-vaidade eleva-se dos homens e das mulheres de hoje. É forte o nosso grito. Estamos cada vez mais insatisfeitos com as respostas que a ciência e a sabedoria desapontada do nosso tempo nos oferecem. Ainda não aprendemos a morrer debaixo dum céu que se tornou vazio. E, por isso, está a ser muito doloroso envelhecer.
As gerações que nos precederam tinham elaborado uma cultura de envelhecimento e da morte. Vi morrer os meus avós, e ajudaram-me a viver. Iludimo-nos vencer a morte, ignorando-a, expulsando-a das nossas cidades, não levando as crianças aos funerais. Mas se não reencontrarmos, rapidamente, uma boa relação com o fim da vida, se não reaprendermos a dizer “irmã morte”, a depressão tornar-se-á a nova peste do futuro (e talvez já do presente). Descobriremos inúmeras vacinas e curas para os novos vírus e bactérias, mas farão pouco contra a morte se não reaprendermos a viver. Há muito medo da morte, por detrás do nosso modelo hedonístico de consumo: enchemo-nos de coisas e atordoamo-nos de prazeres para exorcizar a morte. Sempre o fizemos, mas numa cultura que não está a fazer nada para chamar de novo a morte pelo nome, a produção de ídolos torna-se a única “resposta” de massa à morte. A idolatria – não o ateísmo – sempre foi a grande ilusão para vencer a morte. Mas, enquanto as fés estiveram vivas, as culturas sabiam reconhecer e combater os ídolos. Num mundo despovoado de deuses, permanecem apenas os fetiches e morrem, em nós, os seus anticorpos.
Qohélet não nos está a oferecer uma resposta não-vã ao sentido de morrer. Para nas perguntas; não encontra as respostas, revolta-se contra a vida: “Tudo é ilusão [hevel, Abel] e correr atrás do vento. E odiei todos os esforços que suportei debaixo do Sol” (2, 17).Mas Qohélet não está sozinho neste absurdo: com ele está Job, Jeremias, muitos salmistas. O Abandonado. E os muitos, demasiados, homens que continuam a chegar ao termo da sua vida com a sensação de ter apenas acumulado vento.
Encontrámos uma primeira não-vaidade do canto à vaidade de Qohélet: é ele, Qohélet. A sua procura não foi em vão; as suas palavras chegaram até nós. A sua mensagem vive e cresce connosco, que o estamos a ler, agora. Não é verdade, Qohélet, que não fique nada da tua vida e da dos verdadeiros sábios. As tuas palavras vivas têm permanecido, e continuas a amar-nos com as tuas perguntas nuas.
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por Luigino Bruni
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 29/11/2015
“Rapaz brincalhão, / tua doce idade florida / é como um dia cheio de alegria / dia claro, sereno / que precede a festa da tua vida. / Goza, meu menino; idade das flores, / estação suave é esta. / Nada mais te direi; mas não chores / se se atrasa a tua desejada festa."
Giacomo Leopardi, O sábado da Vila
Existe uma tensão entre felicidade e verdade. Enquanto ambas forem pequenas, andarão naturalmente juntas. Mas quando a verdade cresce e ganha espaço, acaba por fazer evaporar a nossa felicidade e uma dor moral torna-se companheira preciosa do último e decisivo troço do caminho.
[fulltext] =>Alguns, frente a esta nova dor desconhecida, preferem ficar iludidos, para salvar um pouco a velha felicidade; outros continuam o caminho entre os fumos das antigas certezas. E encontramos Qohélet: “Eu disse em meu coração: «Vem! Quero fazer-te experimentar a alegria; saboreia a felicidade.» E eis que também isto é ilusão. Do riso eu disse: «Loucura!» e da alegria: «Para que serve?»” (2, 1).
Depois de ter explorado, com a sabedoria, o mundo dos homens, acumulado sabedoria e conhecimento, e descoberto que tudo é apenas vento e fome de vento, Qohélet experimenta um outro caminho de não-vaidade. É o que a humanidade sempre tentou, para encontrar ‘algo de bem’ e de verdadeiro que não fosse apenas fumo e vento, hebel. É o caminho da procura do prazer nos corpos, nas riquezas, no eros, no bem-estar: “Resolvi, em meu coração, entregar-me ao vinho; embora o meu coração se norteasse ainda pela sabedoria; aferrei-me à loucura até ver o que convém aos filhos dos homens, ou que devem eles fazer debaixo do céu nos limitados dias da sua vida” (2, 3).
Também estas experiências nos são apresentadas por Qohélet como procura feita com o ‘coração preso à sabedoria’. Também este hedonismo se torna exploração vital: “Multipliquei os meus empreendimentos, para mim construí casas e plantei vinhas; para mim fiz hortas e pomares, plantei neles árvores de todas as espécies de fruto (…). Comprei servos e servas; outros nasceram-me em casa. Possuí muito gado, bois e ovelhas, mais do que todos os que me precederam em Jerusalém. Para mim amontoei prata e ouro, riquezas de reis e de províncias; escolhi para mim cantores e cantoras. Enfim, as delícias dos filhos dos homens, uma mulher e mais mulheres” (2, 4-8). Quanto Qohélet descreve é muito parecido à vida de Salomão, como nos é descrita pelos livros dos Reis e das Crónicas. Também o homem mais sábio de todos está cercado por ‘algo de bem’ nos grandes palácios, nos jardins paradisíacos, no luxo, nas festas, nas mulheres (“Teve setecentas esposas de sangue nobre e trezentas concubinas”: 1 Rs 11, 3).
Esta busca do prazer chega depois de Qohélet ter experimentado a vaidade da procura das verdades mais altas, intelectuais, filosóficas, teológicas. Isto é um hedonismo diferente do que se tira do prazer no início do caminho, antes de ter procurado as alegrias mais altas e espirituais. O hedonismo de que nos fala aqui Qohélet é de outra natureza: é a escolha de quem procura na carne e debaixo do sol o que não encontrou no espírito e sobre o sol. É a alegria de quem quer rir para não mais chorar.
Há o prazer e a alegria de quem não tentou nem conheceu alegrias mais verdadeiras e altas que as primeiras e primitivas dos corpos, do vinho, dos sentidos. Sabemo-lo; todos o vemos. Mas há também uma procura de prazer de quem, desiludido das promessas de felicidade que se lhe revelaram vaidade, volta o olhar para o próprio coração e começa a consumir-se a si próprio e aos outros para esperar encontrar vida noutras ‘galáxias’.
Vemos pessoas que levam a vida ansiando os prazeres do corpo e das coisas, e talvez a sua procura seja apenas uma segunda, após os primeiros ideais mais nobres se terem revelado fumo. O coração pode alimentar-se da própria carne e da dos outros para fugir da carestia de alimentos mais sublimes, esperados, prometidos, mas não conseguidos. Procura-se, assim, saciar a indigência do céu vazio ou silencioso, tocando os corpos e escutando os sons das coisas da terra, ‘comendo’ a vida que eles contêm. Frequentemente, há muita dor e bastante desilusão nas vidas fechadas sobre si mesmas, que se contentam com o sabor amargo das bolotas, porque desiludidos com os frutos da árvore da vida, que nunca chegaram. Respondem à primeira fome de vida, revelada fome de vento, com uma viragem radical, agarrando-se à consistência mais baixa, porém verdadeira, dos corpos, dos sentidos, das coisas.
Então, não nos deve surpreender que Qohélet considere esta procura não necessariamente louca e, com a sua própria experiência, lhe dê alguma legitimidade: “Tornei-me maior e mais rico do que todos quantos me precederam em Jerusalém; mas a minha sabedoria permanecia comigo” (2, 9).
Encontrar esta segunda felicidade na Bíblia deve dar-nos, então, um olhar de misericórdia para com tantos que dirigem o próprio coração para as segundas verdades, depois da desilusão das primeiras. É uma boa notícia descobrir que, no humanismo bíblico, há também estas felicidades tristes, porque as encontramos todos os dias pelas ruas, dentro das nossas casas. Estão aninhadas no nosso coração. São as felicidades de tantos habitantes debaixo do sol, demasiado comuns para serem ignoradas, e porque se nos apresentam, pontuais, nos encontros, mesmo nas procuras de felicidades mais altas.
Chega um dia em que também nos sábios, que exploraram os altos caminhos do conhecimento espiritual e filosófico, alcançada, finalmente, a necessária etapa da desilusão, da revelação da vanitas, nasce uma nova necessidade, quase invencível, de explorar a verdade dos corpos e dos bens, que se tornam o último território inviolado, dos quais, frequentemente, tinham fugido, conscientes de que era o pior. E o que era visto e vivido como tentação e loucura, torna-se, inesperadamente, fascinante, a última terra prometida. Um fascínio e uma atração tanto mais forte quanto mais radicais e sinceros tinham sido os empenhos pela primeira e mais alta verdade. A descoberta da realidade como impalpável fumo e vento gera um anseio por aquilo que se pode tocar, ver, possuir. É a dificuldade em rezar e seguir um Deus mais verdadeiro que não se vê nem se toca, que transforma YHWH em bezerro concretíssimo e brilhante.
A procura sábia de Qohélet inclui também estas segundas procuras, que fazem parte da condição humana e, portanto, comuns, diárias, familiares, irmãs. Leva-as a sério, não as deita fora, a priori, quer experimentá-las – também para nós. E, assim, o horizonte humano alarga-se, atinge todos.
No humanismo bíblico, há também, o caminho do filho, entre a casa do pai e a última pocilga. Se saltamos demasiado depressa para o abraço misericordioso e para o banquete, já não vemos muitos filhos consumidos pela felicidade do ‘vinho’ e dos corpos e – não os vendo – deixamo-los nas bolotas, e não voltam mais. Gastamos a maior parte da nossa vida passando, muitas vezes, das festas idólatras dos bezerros aos banquetes misericordiosos dos vitelos gordos – e vice-versa. Todos somos naturais construtores de ídolos, procurando, quase sempre, apenas vida e felicidade. De vez em quando, encontramos olhos e braços que nos acolhem e salvam. Qohélet é um destes olhares, um destes abraços.
Qohélet, porém, diz-nos algo mais; explica-nos porque estes caminhos de felicidades dobradas em si mesmas são tão comuns na terra: “tudo quanto os meus olhos desejaram, nada lhes recusei: não privei o meu coração de nenhuma alegria, pois o meu coração sentiu alegria em todas as minhas canseiras e este foi o quinhão que me ficou de todo o meu esforço” (2, 10). O coração “goza” dos “esforços” para procurar estas felicidades totalmente terrenas e corpóreas, porque os bens e os corpos estão ali também para nos alegrar e nos amar. O conhecimento da sabedoria mais elevada e espiritual produz, pelo contrário, sobretudo dor, um esforço que Qohélet tinha definido “mal” e “tormento” (1, 13). Procurar a felicidade nos corpos e nas coisas produz prazer, obtém o seu prêmio. A procura da sabedoria desmascara as nossas ilusões, tira os véus e faz-nos encontrar com a nossa nua humanidade indigente e precária. A procura da vida através dos prazeres inscritos nas próprias coisas dá, no entanto, uma sua consolação, que nos pode fazer permanecer longamente, às vezes para sempre, nas ilusões. Não tem em si o instrumento para a sua refutação, porque lhe falta a dor, que é sempre a primeira mola para a mudança. Esta felicidade segunda alimenta-nos, apaga a nossa indigência. Encontramo-la também nas experiências religiosas onde, a par da procura dolorosa que revela as ilusões, encontramos práticas não dolorosas que nos alimentam, consumando o prazer e o ‘prêmio’ intrínsecos às mesmas práticas.
Mas, ao fim desta segunda procura da verdade nas felicidades debaixo do sol, ouvimos, também, pronunciar o tremendo e belíssimo: “tudo é fumo [hebel] e fome de vento, não há proveito [Itron] debaixo do sol” (2, 11). Tudo é hebel, tudo é ainda um infinito Abel. Os prazeres, os corpos, os muitos bens não anulam o hebel. Os ricos e os pobres partilham a mesma fome de vento. É a igualdade desta fome insaciável que nos iguala a todos debaixo do sol.
Nem sequer esta procura de prazer produz ‘proveito’: não adianta nada. A recompensa que estes prazeres conhecem esgota-se no próprio ato do seu consumo. Não permanece nada além disto, não é um ganho que permanece depois da sua evaporação. As receitas dos prazeres da carne e dos bens cobrem apenas os seus custos: a sua alegria não se acumula, não se torna capital para saciar os nossos filhos e a nossa velhice. A felicidade da vida e do corpo não se acumula adquirindo-a – e se fosse apenas dom? Adquirir é o verbo de Caim – ‘gerei [kaniti] um homem com o auxílio do Senhor’, disse Eva, ao escolher o nome do seu filho (Génesis 4, 1). O primeiro Caim atingiu e vence o seu irmão, matando-o. Mas as compras de bens e de pessoas nunca podem vencer Abel, porque também os filhos de Caim estão sob o signo do hebel. O segundo Abel tornou-se invencível.
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Giacomo Leopardi, O sábado da Vila
Existe uma tensão entre felicidade e verdade. Enquanto ambas forem pequenas, andarão naturalmente juntas. Mas quando a verdade cresce e ganha espaço, acaba por fazer evaporar a nossa felicidade e uma dor moral torna-se companheira preciosa do último e decisivo troço do caminho.
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por Luigino Bruni
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“Eu, Qohélet, fui rei de Israel, em Jerusalém, apliquei o meu espírito a estudar e a explorar, pela sabedoria, todas as coisas que sucedem debaixo do céu. É uma tarefa ingrata que Deus deu aos homens e os oprime. Vi tudo o que se faz debaixo do Sol e achei que tudo é ilusão e correr atrás do vento” (Qohélet 1, 12-14)
[fulltext] =>Qohélet apresenta-se como Salomão, o homem mais sábio em Israel, que, com a sua sabedoria, investigou e explorou “todas as coisas debaixo do céu”. Ninguém mais sábio que Salomão, ninguém mais que Qohélet dispôs o “coração” – isto é, todas as vísceras da sua inteligência, sabedoria e amor – para conhecer o mundo e os filhos de Adão.
A sabedoria não é o objetivo da sua procura, é o instrumento para procurar. É a premissa, a pré-condição para a procura da verdade. Qohélet inverte a tese comum, que via a sabedoria como o fruto da procura, como o fim do caminho, e põe-na no início, como veste do investigador que quer conhecer. Não nos diz como se obtém a sabedoria. O seu discurso não precisa dela, porque se apresenta como palavra de Salomão, pronunciada na sua maturidade, depois de ter exercido, durante muito tempo, a sua sapientíssima função real: «Disse no meu coração: “Eu reuni e acumulei em sabedoria mais do que todos os que, antes de mim, governaram Jerusalém, e o meu coração penetrou muito profundamente na sabedoria e no conhecimento”» (1, 16).
Está aqui o eterno paradoxo de qualquer procura sincera da verdade – antropológica, moral, religiosa, artística… Para começar a procurá-la e a movimentar-se na direção correta, temos necessidade de uma sabedoria que não possuímos antes de iniciar o caminho. Todavia, temos de começar. O povo de Israel e, em medida diferente, todos os povos e todas as culturas, pensaram escolher este paradoxo, dando uma sabedoria coletiva a quem inicia a sua procura da verdade sem possuir, individualmente, a sabedoria. Pode-se começar a procurar a sabedoria sem a possuir, porque a sabedoria do início herdamo-la como dom. A sabedoria é um património, isto é, um dom (munus) dos pais (patres). Quem começa o próprio caminho de fé já está dentro da sabedoria do povo que, como pedagogo, o guia para a sabedoria do fim, que é indispensável para que a sabedoria não seja apenas tradição e herança, mas também veste pessoal.
Qohélet, porém, com a sua implacável análise das leis da vida, põe em crise precisamente esta sabedoria herdada da tradição: Salomão, cume e imagem da sabedoria dos pais, o garante da sabedoria herdada com que os filhos e as filhas de Adão podem começar e orientar-se na busca da verdade acerca do mundo e das coisas que existem sob (e sobre) o sol, no fim da sua vida pronunciou hebel sobre a sabedoria do fim. O fruto da procura do conhecimento é sopro e fome de vento; no entanto, sob o sol não existe ocupação mais sábia que esta. Procurar a verdade sem a possuir, indagar o conhecimento ficando insatisfeitos e indigentes, é simplesmente a condição humana. É o destino que Qohélet chama “malvado”, uma profissão que Deus-Elohim quis para os homens, doentes de um desejo insaciável de infinito. A sabedoria, dom e património, é fumo, vento, desperdício, nada, Abel. É sábio quem começa a procura sabendo que, no fim, encontrará a mesma vanitas do início. Sabedoria é reconhecer que já somos e seremos sempre ansiosos duma plenitude que permanece meia, gananciosos duma luz dum sol que nunca chega ao meio-dia. Alcançamos uma certeza e rapidamente sentimos que é caduca, breve, efémera. Que é vento que não sacia. Ao mesmo tempo, Salomão-Qohélet permanece o homem mais sábio de todos. A sabedoria consiste, então, em tomar consciência desta indigência infinita, reconhecer a condição de impotência do nosso coração e da nossa inteligência: “O que é torto não se pode endireitar e o que é falho não se pode completar” (1, 15). Sabedoria é conseguir, finalmente, cantar o hebel.
E, a partir daqui, humilde e tragicamente, começar a viver renunciando às ilusões e às falsas consolações. Qohélet pede uma maturidade nova nas relações humanas e na fé. É amigo precioso no dia em que, depois de ter vivido, durante décadas, ao lado de uma pessoa, nos damos conta de que há uma dimensão misteriosa do seu coração totalmente desconhecida e que nunca conheceremos. E então, finalmente, compreendemos que a nossa fé era fantasia e ideologia e ouvimos pronunciar dentro de nós o tremendo e libertador: hebel. Para ser, finalmente, pobres. No dia do despertar adulto, Qohélet repete-nos que esta indigência não pode ser satisfeita, e que quem nega esta pobreza radical da mente e do coração e quer possuir todo o mistério do outro, e talvez de Deus, é um tolo, um idólatra ou um ídolo. O dia em que começa o canto de Qohélet não é o fim da fé, pode ser simplesmente o começo. Também por isso, a Bíblia quis manter o hebel no centro do seu humanismo. A fé torna-se adulta e a vida espiritual floresce quando somos capazes de entoar “tudo é hebel” e permanecer dentro do horizonte de um céu não vazio.
Não compreendemos, porém, todo o valor das palavras nuas de Qohélet, se não as colocarmos no seu tempo (que é também, o nosso). Quando era escrito este livro, estava a florescer em Israel uma nova literatura religiosa, de natureza apocalíptica, que negava a condição de limite e de indigência do conhecimento e da verdade e confiava o preenchimento dos “resíduos” a visões e revelações especiais, a sonhos, que remetia para o futuro a satisfação da indigência de conhecimento e de sabedoria. Qohélet não combate apenas a ideologia da teologia retributiva; o seu único inimigo é também a religião apocalíptica e visionária. A literatura apocalíptica encontrou a tradição bíblica, o povo de Israel apercebeu-se do seu fascínio e penetrou também em algumas das suas tradições e livros. Alguns textos apocalípticos mais radicais (como os de Henoc) não entraram no cânone; mas, enquanto Qohélet escrevia, o confronto era muito aceso e muitos eram os israelitas capturados pela nova fé apocalíptica. Graças também à luta ética e espiritual de Qohélet, os antigos escribas deixaram de fora Henoc e puseram Qohélet no centro da Bíblia. Se tivesse prevalecido a linha apocalíptica, não teríamos apenas uma outra bíblia hebraica: também a interpretação da própria experiência cristã teria sido muito diferente, seriam outros os evangelhos canónicos e os apócrifos, seria outra a leitura da figura de Jesus Cristo, outra a história da Europa e do mundo, outra a ciência, a filosofia, a vida. Teríamos uma Bíblia menos ao lado dos homens e dos pobres, guarda de um Deus mais simples e menos verdadeiro. Mais afastada do hebel-Abel. Teríamos menos palavras verdadeiras para tentar balbuciar alguma coisa, neste novembro de 2015, no “tempo para chorar”.
Estes diálogos entre fé e ideologia, entre apocalipse e humanismo histórico, continuam ainda hoje, dentro das nossas sociedades, religiões, igrejas, quando não são poucas as tentações dos que, perante a dureza da arte de viver debaixo do sol, em vez de acolher docilmente a verdade da nossa pobreza moral e espiritual, constroem paraísos artificiais, fés espetaculares, revelações que respondem a todas as perguntas de ontem e de amanhã, que prometem revelar todos os segredos e os mistérios debaixo e de cima do sol. Que não se contentam, com uma fé verdadeira, a preto e branco, mas querem uma imaginária, a cores. Qohélet diz-nos, com a força da sua sabedoria, dolorosa porque não ideológica, que as únicas “revelações” que ajudam a viver são as que nos reconciliam com a finitude, fragilidade, precariedade da vida e da fé, com o hebel. Não há loucura maior que construir ilusões para responder às nossas desilusões. Loucura que se torna enorme quando estas construções se tornam coletivas, verdadeiros impérios de ilusão. Os homens e as mulheres sempre o fizeram, continuam e continuarão a fazê-lo. Mas, nesta invencível produção de fés e paraísos artificiais, não encontrarão nunca um aliado em Qohélet.
A fé – cada fé – também vive de promessas e de ainda-não. Mas existem épocas de crise em que a procura do paraíso se torna inimiga da procura de Abel, onde a espera do ainda-não arrisca matar Abel que já está aqui, com a sua humanidade indigente, ferida, parcial, imperfeita, penúltima. Nestas épocas – e a nossa é uma delas – regressar a Qohélet é essencial se não queremos transformar as fés em ilusões coletivas, as religiões em templos de consumo de experiências emocionais muito distantes de Abel.
“Apliquei, igualmente, o meu coração a conhecer a sabedoria, a loucura e a insensatez; e reconheci que também isto é correr atrás do vento. Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento” (1, 17-18).
A fome deste sopro não se pode saciar; cresce com o desejo da sabedoria e não nos deixa morrer apenas se conseguimos chamá-la pelo nome. Irmã vanitas, irmão Abel. A única solidariedade que salva é a que surge do reconhecimento da nossa recíproca fragilidade. Se a fraternidade puder ressurgir, será a ressurreição de inúmeros Abel.
O livro de Qohélet era lido durante a “Festa das Tendas” (Sukkot), quando, com a alegria da vindima se recorda também a humilde e frágil tenda do Êxodo, que as famílias construíam nos jardins das casas, com materiais simples e provisórios. Qohélet tem viva a memória da caducidade da vida. Mas a tenda é também símbolo e recordação da travessia do mar, quando mulheres e homens livres, porque libertos da escravidão dos faraós e dos ídolos, iniciaram, no deserto, uma nova vida. Uma tenda de canas é uma boa casa para quem se quer libertar dos impérios das ilusões consoladoras. Para quem deseja continuar a estar ao lado de Abel, enquanto a mão de Caim continua a atingi-lo.
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por Luigino Bruni
publicado no jornal Avvenire no dia 22/11/2015
“Só os deuses vivem para sempre debaixo do sol. Os dias do homem estão, pelo contrário, contados; qualquer coisa que façam é apenas vento”.
(Epopeia de Gilgamesh).
“Eu, Qohélet, fui rei de Israel, em Jerusalém, apliquei o meu espírito a estudar e a explorar, pela sabedoria, todas as coisas que sucedem debaixo do céu. É uma tarefa ingrata que Deus deu aos homens e os oprime. Vi tudo o que se faz debaixo do Sol e achei que tudo é ilusão e correr atrás do vento” (Qohélet 1, 12-14)
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