stdClass Object ( [id] => 18666 [title] => E a respiração tornou-se aleluia [alias] => e-a-respiracao-tornou-se-aleluia [introtext] =>A alma e a cítara / 31 – Adão, guardião de toda a terra, dá, finalmente, voz à Terra e ao universo.
Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 01/11/2020
«Amor, que me formaste à imagem de Deus que não tem rosto; Amor que, ternamente, me recompuseste depois da ruína; Amor, eis que me rendo: serei eu o teu esplendor eterno».
David Maria Turoldo, I Salmi
Conclui-se aqui, hoje, o comentário do Saltério. E conclui-se com o louvor, um hino cósmico a Deus. E com um grande obrigado.
«Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no seu majestoso firmamento! Louvai-o pelos seus feitos valorosos; louvai-o por todas as suas grandes proezas! Louvai-o ao som da trombeta; louvai-o com a harpa e a cítara! Louvai-o com tambores e danças; louvai-o com instrumentos de corda e flautas! Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos vibrantes! Tudo o que respira louve o Senhor! Aleluia!» (Salmo 150).
[fulltext] =>Aleluia é a última palavra do Saltério. Tinha sido aberto com “Feliz o homem (Sl 1, 1) e, agora, conclui-se com Aleluia (150, 6). Começa com um louvor de Deus ao homem e encerra-se com o louvor do homem a Deus (Alleleu-Yah: louvemos YHWH). A dizer-nos que toda a nossa vida está guardada entre um “feliz” e um “aleluia”. De facto, o Livro dos Salmos é também metáfora da existência humana, que se desenrola entre bênçãos, alegrias, dores, gritos, maldições, louvores, para, finalmente, chegar ao Aleluia que, por vezes é, também a última palavra da vida; a que segue o ámen, porque, se já é muito bonito deixar esta terra com um humilde “assim seja”, ainda é mais bonito deixá-la com um aleluia, com um último, infinito, obrigado.
Os hebreus chamam ao Saltério o “livro dos louvores”, o livro dos louvores a Deus e dos louvores ao homem, que passam, ambos, pelos salmos. Porque, se é verdade que o homo sapiens é um animal que tem necessidade de louvar, a Bíblia diz-nos que também Deus tem a mesma necessidade, que satisfaz no Livro e, depois, com a incarnação – “Louvo-te, ó Pai, porque…”. “Louvai-o” é repetido dez vezes neste Salmo. Como os dez “E disse” do Génesis (cap. 1), como as dez palavras dadas a Moisés, no Sinai. O louvor é uma outra Lei, que não nos salva pelas obras nem pelos nossos méritos, mas apenas porque conseguimos dizer um último aleluia e receber o mesmo salário dos justos.
O louvor é também uma nova criação. Se Deus criou o mundo dizendo-o e continua a criá-lo, em cada momento, dizendo-o e redizendo-o, nós, feitos à sua imagem, criamos o nosso mundo com as nossas palavras, dizendo-o, redizendo-o, abençoando-o ou amaldiçoando-o. Criamo-lo e recriamo-lo em cada manhã, quando nos levantamos e, em casa, dizemo-lo (se o dizemos e como o dizemos) os nomes de quem amamos; depois, dizendo os nomes dos colegas, dos amigos, até ao nome desconhecido de quem rapidamente encontramos na loja ou no bar. O louvor é uma palavra performativa, que tem a capacidade de modificar a realidade que louva. Quando louvamos a Deus, tornamo-lo mais belo e esplêndido (ao menos na nossa alma) e quando louvamos uma pessoa tornamo-la mais bela e boa (e não só na nossa alma). Se desprezar um homem ou uma mulher, amaldiçoá-la com as palavras, é sempre um ato gravíssimo, se quem louva Deus despreza os seres humanos, perverte o louvor e a oração. Louvar a Deus, que não vê, e não louvar a sua imagem que vê, renega a imagem.
Quem louva a Deus deveria aprender a louvar os homens, deveria circular pelo mundo abençoando cada mulher e cada homem que encontra, porque sabe que vê ao longo dos caminhos o Deus que louvou no templo. Este louvor inter-humano está entre os exercícios antropológicos mais bonitos debaixo do sol. Onde se encontra também o louvor do rufião, muito comum, que nunca é verdadeiro e não cria nada de bom, que piora quem o faz e quem o recebe. Responde à procura de reconhecimento dos outros inventando uma estima inexistente, que mantem as pessoas abençoadas e enganadas na armadilha perfeita de pobreza. Mas, sobre a terra, há também o louvor sincero, o que, nalguns momentos determinantes da vida, identifica, no outro, pelo menos uma razão verdadeira de bondade e de beleza – porque existe sempre alguma: é o nosso ser feitos à imagem de Deus, que é mais persistente que todos os rabiscos que desenhamos por cima ao longo da vida. Sabe-a encontrar, não para de escavar até chegar à pérola escondida e, depois, louva-a, e usa todas as palavras bonitas que aprendeu para o dizer. Quanto sofrimento se enxugaria sobre a terra se fossemos capazes deste verdadeiro louvor. Este louvor é alto exercício de ágape, porque requer constância, paciência, arte relacional, respeito dos tempos e dos modos do outro, humildade. Uma única pessoa capaz deste louvor pode salvar uma comunidade inteira; é o justo que Abraão procurava em Sodoma e não encontrou (Gn 18). Nós, pelo contrário, por vezes, encontramo-lo e sabemos quanto vale. Eis porque o louvor é um bem comum global do mundo, é um património civil de qualquer comunidade. Louvar – Deus e os homens – torna-nos melhores, mesmo aqueles que não sabem louvar.
Não é difícil reconhecer quem se exercita neste louvor. É capaz de silêncio, sabe escutar, sabe fazer festa, tem um grande capital emotivo, comove-se pela dor e também quando toca a beleza, é humilde, é sempre grato.
Este último salmo, juntamente aos outros quatro salmos da aleluia, é um louvor à música e ao canto. É uma síntese dos instrumentos musicais que, assim, são elevados a grande dignidade. Quem sabe sobre que base bíblica, na Idade Média, se desvalorizaram os músicos, ou quem sabe porque veio à imaginação, em torno da Reforma protestante, proibir a música sacra? Estes salmos são um louvor também aos construtores de instrumentos musicais, aos artesãos, aos alaúdes e a toda a grande família das orquestras e dos trabalhadores da música. Graças a estes salmos, a música entrou nas linguagens de Deus, é uma das línguas com que os anjos comunicam connosco e entre si; a música tornou-se palavra. E, talvez, sempre que, na terra, se executa uma música, no céu Deus desperta-se, volta-se e escuta interessado.Não é improvável que este salmo tenha sido composto – ou, pelo menos, cantado – durante o exílio babilónico. Um louvor ao canto, aos músicos e aos coros do templo quando o templo já não existia, porque destruído. Mas permaneceram vivos na alma do povo e, assim, aquela pobreza produziu uma riqueza maravilhosa que chegou viva até nós, porque purificada de qualquer força e poder. A beleza destes salmos de louvor está na sua sóbria essencialidade.
“Tudo o que respira louve o Senhor”. Não se podia encontrar um final mais belo que este. O louvor dos seres humanos estende-se a toda a criação, aos animais, às plantas, a tudo o que é vivo. Em conclusão, volta a fraternidade cósmica que nos acompanhou nestes meses. O louvor humano, para a Bíblia, é essencial, mas demasiado pouco. É aqui que se vê o Adão guardião de toda a terra, que dá voz ao louvor da Terra e do universo.
Existe também um louvor da vida, uma aleluia da respiração. Estamos demasiado habituados a uma visão voluntarista da fé, mais estoica (e pelagiana) que cristã, que nos leva continuamente a pensar que a vida espiritual seja toda uma questão de esforço, de empenho, de vontade, que seja toda obra nossa. Depois, lemos os salmos, chegamos a este último versículo e descobrimos uma outra dimensão da fé. Nós somos o primeiro louvor e somo-lo enquanto seres vivos e criados, que respiram, que ainda têm o sopro insuflado no primeiro dia da criação e nunca retirado: «A glória de Deus é o homem vivo» (Santo Ireneu). Somo-lo e muito mais que as obras de arte que são o primeiro louvor do artista.
Então, aquele conjuntivo – “louve” – pode ser conjugado no indicativo: todo o ser que respira louva ao Senhor. O louvor mais importante é o que somos, não o que dizemos. Podemos dizer o louvor porque antes, a um nível mais profundo e verdadeiro, somos louvor. O nascimento de uma criança, a beleza de uma jovem, a dignidade de um velho, um ato de lealdade, um amigo, são louvor em si mesmos. Então, a boa notícia é que o louvor, sobre a terra, é muito maior que o dito por nós. Que se torna imenso se nos juntamos ao louvor das aves, da corsa, da baleia, da árvore e da folha, até chegar às infinitas estrelas, et clarite et pretiose et belle. É um louvor silencioso, declarante, humilde – que há de mais humilde que uma bétula ou que os olhos de um cão? –, que recorda a todos nós a dimensão silenciosa, declarante e humilde do nosso louvor. Para este louvor cósmico e laico, o templo é um bosque, um escritório, o coração de um tentilhão, o mar, uma galáxia. As realidades mais importantes da vida, não as criamos nós, com as nossas ações nem com as nossas palavras. São e basta. As nossas criações são preciosas, quase essenciais, por vezes. Mas o que é verdadeiramente essencial é o que é, é o que somos, o que a vida é porque é vida. Porque estamos rodeados por um amor infinito e não o sabemos, Aleluia!
Terminamos, assim, o comentário do Livro dos Salmos. Partimos durante o primeiro confinamento e fechamo-lo numa fase também incerta. Em Março, escolhi comentar os Salmos porque acreditava que o Saltério, com os seus louvores e as suas orações, fosse um bom companheiro, na dura viagem que nos esperava. Espero que tenha sido verdadeiramente assim, pelo menos um pouco. Para mim, foi-o, certamente. Também desta vez, como para os outros livros bíblicos, comentados nestes anos, em “Avvenire”, saio mudado do caminho, marcado na carne e no nome. Cada comentário foi e é um combate com o anjo, que me deixou abençoado e ferido. Com quem me seguiu, aprendemos ou reaprendemos a rezar, compreendemos que o louvor e a oração bíblica eram diferentes do que imaginávamos e eram maravilhosos.
Obrigado a todos vós, leitores, pelos e-mails que me escrevestes, uma das alegrias mais profundas deste trabalho. Obrigado, mais uma vez, e cada vez mais, a Marco Tarquinio, o qual ocupa, há anos, todas as tardes de sábado, para a leitura, titulação (os títulos são, quase sempre, seus), correção do meu artigo, que é sempre mais longo do que deveria ser. Sem esta reciprocidade arriscada e geradora, não teria começado esta estranha nova “profissão” de economista comentador da Bíblia, uma profissão que me mudou a vida.baixa/descarrega o artigo em PDF
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David Maria Turoldo, I Salmi
Conclui-se aqui, hoje, o comentário do Saltério. E conclui-se com o louvor, um hino cósmico a Deus. E com um grande obrigado.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 25/10/2020
«Os justos, nos quais o Senhor criou a desesperada necessidade da alegria, terão a alegria».
Sergio Quinzio, Un commento alla Bibbia.
Há uma alegria diferente que só pode nascer de uma certa pobreza. Os salmos e os profetas sabem-no bem e a liturgia recorda-no-lo em cada dia.
A alegria não é apenas uma necessidade desesperada de todo o ser humano, é também um direito. Um direito à alegria que não está escrito em nenhuma Carta Constitucional, mas na alma das pessoas e dos povos. Um direito fundamental que é defendido, sobretudo, durante os tempos das grandes crises, quando é ameaçado, a ponto de o negar. Todo o império, não apenas o egípcio, no tempo de Moisés, procura negar o direito à festa dos seus súbditos, porque é muito forte a tentação de negar o direito à alegria, para matar a esperança num outro futuro: não se consegue sair do luto, mas tenta-se sempre e tenazmente. Mas existe também um dever da alegria, e é um dever essencial. Porque, quando, numa comunidade ou numa sociedade, desaparece a alegria, com ela desaparece a esperança e a fé na vida. Há, por vezes, mais ágape em guardar a última alegria que em amar a dor, porque uma alegria guardada, no avançar da tristeza dos anos e dos acontecimentos, é um bem coletivo, é uma bênção para todos, é o anúncio tenaz de que somos maiores que o nosso destino.
[fulltext] =>Geralmente, são as crianças e os jovens que dão, às famílias e às comunidades, este bem especial; mas, onde faltam, são precisos “cireneus da alegria”, adultos guardiães desta chama que, por amor, desempenham a função que as crianças desempenham por natureza, mas com uma diferença: a alegria agápica dos adultos e dos idosos tem o perfume do paraíso e possui, talvez, a maior força para converter quem lhe toca. Esta alegria bíblica, muito semelhante à letícia (de laetus: da terra, fértil) não é ainda a felicidade nem o direito a esta alegria é o direito à “busca da felicidade”, da Declaração de Filadélfia, de 1776. Esta alegria não se procura, mas guarda-se quando chega sem o procurar porque estávamos todos ocupados a procurar a felicidade dos outros. É guardada como se guarda um dom precioso, como o último gole da última garrafa de vinho da adega do avô, como anel de noivado. Não é a alegria, porque esta alegria não se exprime com os muitos sorrisos. Basta-lhe apenas um, mas quando floresce, irrompe pelo céu e faz-nos vislumbrar algo de Deus.
A liturgia é um exercício coletivo de guarda da alegria. É uma prática comunitária que faz com que a alegria não falte na comunidade mesmo quando, individualmente, nenhum já a possui ou a não possui ainda. Também nos dias em que ninguém guardou, ou não encontrou, nenhuma razão para cantar a alegria, chega-se ao coro, abre-se o livro dos Salmos, começa-se a cantar e a alegria nasce sobre o nada das nossas alegrias individuais. Como todos os dons, também este dom recusado, permanece dom; está ali e, num modo misterioso, age e muda. Esta alegria é um bem comum, de quem ninguém é dono, ninguém o possui sozinho, mas serve e ama a todos e por todos deve ser guardado se queremos que continue a viver. Então, a liturgia é um multiplicador de alegria no mundo, é um dispositivo que faz com que a alegria presente em cada dia seja maior que a soma das alegrias individuais das mulheres e dos homens. A liturgia, especialmente a liturgia das horas e a oração dos Salmos é o dom de uma alegria vicária, é o maná da letícia quando esgotámos o pão, no deserto. É um outro e diferente opus operatum que nos garante uma presença alegre nas nossas comunidades mesmo quando, por incúria ou por dor, não seremos capazes, individualmente. Se somos fiéis ao encontro com a liturgia, a sua alegria é fiel ao seu encontro connosco, mesmo quando o acolhemos com as lágrimas.
É assim há milénios e será assim enquanto, sobre a Terra, permanecer uma comunidade capaz de cantar a alegria; enquanto permanecer apenas um só homem ou uma só mulher capazes de cantar um salmo, porque a Bíblia não é apenas o dom de um repertório de palavras dadas quando acabámos as nossas ou ainda as não encontrámos; é também um dom de alegria que substitui a nossa e a multiplica. Os salmos da alegria são sempre propícios, mas o seu tempo mais propício é quando nos sentimos mendicantes de alegria, quando estamos a atravessar um deserto, quando, sozinhos, já não temos força para cantar. Oh, quanto menos feliz seria o mundo sem os Salmos! «Aleluia! Cantai ao Senhor um cântico novo; louvai-o na assembleia dos fiéis! Alegre-se Israel no seu criador; regozije-se o povo de Sião no seu rei! Louvem o seu nome com danças; cantem-lhe ao som de harpas e tambores! O Senhor ama o seu povo e honra os humildes com a vitória! Exultem de alegria os fiéis pelo triunfo de Deus e cantem jubilosos em seus leitos!» (Salmo 149, 1-5).
Um cântico novo. É o hino à alegria, o penúltimo dos cinco Cânticos do Aleluia, que fecham o Saltério. Um salmo escrito, com toda a probabilidade, depois do exílio, quando o “resto” regressado de Babilónia teve de reaprender a fé no seu Deus. E começou pela alegria porque, depois dos longos exílios, a fé só pode renascer: quando o exílio termina, não “se volta” à fé de antes; “vai-se”. Israel tinha feito de tudo para não perder a fé dos patriarcas, de Moisés e dos profetas mas, regressados à pátria, a antiga fé apenas geraria futuro renascendo. Não bastam as paixões e os Gólgotas para continuar a viver. Não basta recordar, fazer memória e guardar o passado: é preciso uma nova aliança, uma nova promessa. E também uma nova alegria, que é a primeira energia dos recomeços, o primeiro recurso quando, acabado o exílio, é preciso encontrar razões para continuar a corrida.
Eis porque, neste salmo, se sente forte a voz do chamado Terceiro Isaías, o profeta anónimo que viveu logo após o exílio babilónico, o autor dos últimos capítulos (54-66) do livro de Isaías, o grande cantor da nova promessa e da ressurreição do povo, depois do exílio. Este profeta, enormíssimo como profeta e imenso como poeta, não celebra a alegria e a esperança porque não via os pecados e os males do seu presente. Pelo contrário, via-os muito bem e denunciava-os com força. Mas era mais forte o exercício do dever da alegria, porque os profetas sabem que sem uma nova alegria não se recomeça depois de nenhum exílio. O autor destes salmos da alegria, talvez um discípulo direto ou indireto daquele grande profeta, fez o mesmo exercício, entoou o mesmo cântico.
Os profetas são os primeiros ministros da alegria bíblica e revelam-nos a sua natureza e mistério. Dizem-nos que esta alegria é diferente. Quando pensamos em Isaías, em Oseias ou em Jeremias, não pensamos em pessoas alegres nem em foliões. Pelo contrário, a tradição e os seus textos restituem-nos imagens altivas e muito sérias. No entanto, os profetas, todos os profetas verdadeiros, são as parteiras da alegria. E são-no justamente enquanto desmascaram as ilusões de todos, sobretudo das comunidades em grandes crises, quando se torna mais forte, por vezes invencível, uma necessidade desesperada de alegria; tão desesperada que a procura gera a oferta – a dos falsos profetas, dispensadores profissionais de alegria fingida e baratíssima. Os profetas verdadeiros não nos oferecem alegrias fingidas que não possuem. Só nos podem oferecer a única alegria que conhecem, a que nasce durante e depois dos exílios a que não tem nada de alegre, embora sendo plenamente alegria. A sua terra prometida é a terra do ainda não, não porque são produtores de utopias mas porque são, simplesmente, profetas honestos. E o profeta é o anunciador do ainda não, porque nenhuma “terra do já” o/a não satisfaz, porque todo o “já” é sempre mais pequeno que a promessa, embora comece naquele pequeno “já” insatisfatório, mas amado, justamente enquanto anuncia o seu ainda não.
É a alegria semelhante à de Cabiria, de Frederico Fellini, quando, depois das tragédias e das maldades dos outros, a última cena é marcada pela música e pelo sorriso diferente que aflora nos lábios de uma mulher pobre e enganada, para celebrar também a alegria de viver, para acreditar de novo, apesar de tudo. Os profetas dizem-nos que morremos cem vezes, mas que faz parte do repertório humano a capacidade de ressurgir cento e uma vezes e que, na última vez, será uma outra mão a erguer-nos – e, ali, compreenderemos que aquela mão também estava nas outras cem ressurreições e não o sabíamos: é esta a “mão invisível” mais importante sobre a terra.
Por fim, o salmo 149 é o cântico os pobres, dos anawim de YHWH. Entre as muitas alegrias não-fingidas de Bíblia e da vida, a dos pobres é a mais sublime e estupenda. É uma alegria que podemos ver ainda hoje, se temos o grande dom de ser amigo dum pobre. O Espírito Santo – diz-no-lo a tradição – é “pai dos pobres”. É-o também porque os alimenta com uma alegria diferente da nossa que não somos pobres (mesmo se, cada vez mais, quereremos tornar-nos). É a alegria mais próxima da anunciada pelos Salmos, a que tem necessidade dos exílios, a que sabe que, mais cedo ou mais tarde, virá a libertação e que, talvez, já tenha começado.
Tive, na vida, o dom de ouvir salmos cantados por comunidades de pobres. Se existe um paraíso – e tem de existir – os seus cânticos e as suas harmonias serão muito semelhantes às que ouvi naqueles encontros. Onde a alegria não nasce porque nos iludimos que aquela pobreza está prestes a acabar, mas porque nos sentimos amados e salvos dentro da pobreza. Pobres que sabem louvar, derrotam a maldição da pobreza e conseguem chamá-la “irmã”. E, ali, começa uma libertação, por vezes da maldição da miséria que, porém, não deve tornar-se libertação da alegria, da perfeita letícia da pobreza.
Há uma alegria das festas dos pobres que os ricos não conhecem e este não-conhecimento é uma das suas grandes pobrezas. Quem conhece e vive com os pobres saboreou esta alegria e jamais a esquecerá: «Esta é a glória de todos os seus fiéis. Aleluia!» (149, 9).baixa/descarrega o artigo em PDF
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 25/10/2020
«Os justos, nos quais o Senhor criou a desesperada necessidade da alegria, terão a alegria».
Sergio Quinzio, Un commento alla Bibbia.
Há uma alegria diferente que só pode nascer de uma certa pobreza. Os salmos e os profetas sabem-no bem e a liturgia recorda-no-lo em cada dia.
A alegria não é apenas uma necessidade desesperada de todo o ser humano, é também um direito. Um direito à alegria que não está escrito em nenhuma Carta Constitucional, mas na alma das pessoas e dos povos. Um direito fundamental que é defendido, sobretudo, durante os tempos das grandes crises, quando é ameaçado, a ponto de o negar. Todo o império, não apenas o egípcio, no tempo de Moisés, procura negar o direito à festa dos seus súbditos, porque é muito forte a tentação de negar o direito à alegria, para matar a esperança num outro futuro: não se consegue sair do luto, mas tenta-se sempre e tenazmente. Mas existe também um dever da alegria, e é um dever essencial. Porque, quando, numa comunidade ou numa sociedade, desaparece a alegria, com ela desaparece a esperança e a fé na vida. Há, por vezes, mais ágape em guardar a última alegria que em amar a dor, porque uma alegria guardada, no avançar da tristeza dos anos e dos acontecimentos, é um bem coletivo, é uma bênção para todos, é o anúncio tenaz de que somos maiores que o nosso destino.
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Luigino Bruni.
Original italiano publicado em Avvenire em 18/10/2020.
«A proibição das imagens era um preceito capital que, fatalmente, seria violado. Sobretudo pelo próprio YHWH, que tinha plasmado o homem “à nossa imagem e semelhança”. YHWH tinha querido criar um ser à imagem de si mesmo – e, também àquele ser, seria transmitida a tendência a criar algo à imagem de si mesmo».
Roberto Calasso, Il libro di tutti i libri
O nome e a imagem são categorias centrais na Bíblia e no Salmo 147, que revela como, neste humanismo, a pobreza gera riqueza.
Nalgumas regiões italianas – e, entre estas, a minha – em certos diálogos íntimos, os pais e as mães chamam o filho e a filha com o seu próprio nome. Dizem-lhe: “vamos lá mamã, porta-te bem”, “mas como és brilhante, papá”. Dizem-no às crianças mas, por vezes, continuam a chamá-los assim também quando adultos. Não está escrito em nenhum livro de gramática, não se aprende na escola. Repetimo-lo porque o ouvimos dos nossos pais, em dias maravilhosos. São palavras diferentes, assimiladas por osmose e, depois, transmitidas de uma geração a outra, parte da transmissão do essencial da vida. Estão entre as palavras mais bonitas nos diálogos do coração, naqueles tu-a-tu delicados e secretos, que contêm toda a típica e única ternura que desabrocha entre pais e filhos, que alimenta uns e outros, sempre, mas sobretudo, nos momentos das grandes alegrias e das grandes dores.
[fulltext] =>A Bíblia diz-nos que o primeiro que nos chamou com o seu próprio nome foi e é Deus, quando nos criou “à sua imagem e semelhança”. Dizendo-nos, disse-se a si próprio e repete o nosso nome em cada momento. Porque, se por um lado, o Deus bíblico é a divindade mais transcendente e diferente de todas, por outro lado, não há nada sobre a Terra que se lhe assemelhe mais que um ser humano, não há coração mais semelhante ao seu que o nosso, não há nome que, mais que o nosso, tenha o mesmo som do seu. A Bíblia hebraica tirou-nos a imagem de Deus, mas deu-nos uma maravilhosa imagem de homem e de mulher: escondendo-nos o rosto de Deus, exaltou o nosso rosto. Então, cada vez que se ama e se respeita o nome de um homem ou de uma mulher, está a amar-se e respeitar-se também o nome de Deus; e, pela lei da reciprocidade, sempre que um homem reza e louva o nome de Deus, está a rezar e a louvar toda a humanidade, cada homem e cada mulher.
Nasce, aqui, o olhar positivo que a Bíblia, com tenacidade e resiliência, tem sobre os homens e sobre as mulheres. Vê os seus limites, os pecados, os homicídios e os fratricídios mas, antes e sobretudo, vê neles a imagem de Deus refletida, não é capaz de sair do Éden. Vê os muitos gestos dos homens mas, antes, continua a vê-lo no seu diálogo com Eloim no fim do dia. Como as mães e os pais que, mesmo quando a vida leva os seus filhos e fazer coisas más e péssimas, para se salvarem e salvá-los, continuam a sonhá-los crianças puras e belíssimas, a chamá-los até ao fim “papá” e “mamã”, mesmo dentro das prisões. Entre a fé, a esperança e o ágape existe o mesmo tipo de relação que une as três Pessoas divinas: em cada uma estão as outras duas, cada uma está voltada contemporaneamente para as outras; é impossível separá-las sem as destruir todas. E, assim, nos Salmos, embora povoados por sentimentos de tristeza, de desilusão e de dor, é mais forte e maior o olhar de esperança-fé-amor que domina todo o Saltério, que o torna talvez o livro mais belo de todos, porque o livro mais capaz de nos falar do paraíso dos infernos, de esperança dentro do desespero, de beleza no meio da fealdade.
A força dos Salmos está na sua verdade. É preferível um inferno verdadeiro a um paraíso fingido porque, enquanto chamarmos o inferno pelo seu verdadeiro nome, podemos sempre desejar um paraíso que, pelo contrário, não desejamos se pensarmos tê-lo já alcançado: «Aleluia! Louvai o Senhor, porque é bom cantar! É agradável e é justo louvar o nosso Deus. O Senhor restaura Jerusalém e reúne os dispersos de Israel. Ele cura os de coração atribulado e trata-lhes as feridas!... Cantai ao Senhor com gratidão; cantai ao nosso Deus ao som da harpa» (Salmo 147, 1-7). É bonito cantar hinos ao Senhor. É bonito e bom louvar YHWH, é bonito e bom para Deus, mas é bonito e bom também para nós. O salmo começa com um elogio do louvor. É o momento de autoconsciência do orante, que chega (se chega) quando nos apercebemos que o primeiro prémio do louvor é tomar consciência da sua beleza e do seu dom intrínseco. Quando descobrimos que rezamos para louvar a Deus mas, enquanto cantamos, sentimos que é Deus que está louvando e cantando-nos. Nós dizemos o seu nome e um dia sentimos que, na realidade, é Deus que está a dizer o nosso e que, no nosso nome, diz o nome de todos, o nome de cada criatura, o nome das estrelas e de todo o universo. E é maravilhoso. E, enquanto procuramos as palavras e as notas mais bonitas e elevadas para louvar Deus, estamos também a aprender as notas e as palavras para nos louvarmos uns aos outros. Talvez não haja uma palavra esplêndida, pensada para louvar a Deus, que algum poeta não tenha também usado para uma pessoa amada, e talvez não haja poesia de amor que alguém, num outro dia, talvez sem o saber, tenha usado para cantar a Deus. Tudo isto também é imagem e reciprocidade. Bendizendo os humanos, aprendemos a bendizer a Deus e bendizendo a Deus, estamos já a bendizer homens e mulheres, mesmo que o não saibamos.
O ser imagem do Criador torna, imediatamente, o nosso louvor a Deus em louvor cósmico: «Ele fixa o número das estrelas e chama a cada uma pelo seu nome… Ele cobre de nuvens o céu e para a terra prepara as chuvas, que fazem crescer as ervas nos montes. Ele dá de comer aos animais e aos filhotes dos corvos, quando gritam» (147, 4.8-9). Ser imagem de Eloim torna-nos maiores que a simples imagem humana. Sentimos, desde pequenos, uma profunda fraternidade cósmica – só as crianças sabem sentir, verdadeiramente irmãos e irmãs, os gatos e os passarinhos, as flores e as folhas –, deveremos não perdê-la ao envelhecer e se a vida funciona, esta grande fraternidade cresce connosco e conclui-se com o canto da irmã morte. A fraternidade inter-humana não nos basta; é demasiado pequena, embora já imensa. Para que a fraternidade e a irmandade humana sejam autêntico humanismo, temos de aprender a sentir irmãs também as estrelas, o sol, os passarinhos, toda a natureza – existem poucos cânticos (se existem) mais bíblicos que o Cântico de Francisco. Muito bonita e delicada é, aqui, a referência «aos filhotes do corvo que gritam». Neste versículo, estão os corvos que alimentavam Elias, na sua fuga (1 Rs 17, 6), mas estão também os passarinhos do ninho, guardados pela Lei de Moisés, que ordena não capturar a mãe-pássaro que choca os seus ovos ou guarda os seus pequeninos, de deixá-la fugir, «para que possas ser feliz e os teus dias se prolonguem» (Dt 22, 7). Uma lei de YHWH que perscruta também dentro dum ninho de pássaros e que coloca uma equivalência que nos pode parecer ousada e estupenda. A promessa reservada é a mesma do Quarto Mandamento: Honra teu pai e tua mãe «a fim de prolongares os teus dias e viveres feliz» (Dt 5, 16).
Na Bíblia, tudo é criação. Deus vê assim o mundo, é assim que nos vê e nós, sua imagem, aprendemos a olhar o mundo do mesmo modo, embora ainda toda a criação “gema e sofra as dores de parto”, porque “se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus” (Rm 8, 19-23). Toda a criação geme e espera, finalmente, ser olhada assim. Nunca como nestes anos de crise ambiental e de destruição do planeta estamos em condições de poder compreender os Salmos e aquela misteriosa passagem de Paulo aos Romanos: a terra sofre e espera que os homens, finalmente, se revelem o que são, que se comportem com ela como filhos e imagem de Deus criador e pai. Por isso, o Salmo 147 distingue-se também por ser um cântico profano. Não existem sacerdotes nem reis, não é mencionado David nem se alude ao templo. São os cidadãos a elevar o seu canto. Os que conheceram os tempos e os ritmos das estações e do trabalho, o valor da paz e do pão de cada dia. Um salmo muito estimado, desde sempre, pelos camponeses: «Deus estabeleceu a paz nas tuas fronteiras e saciou-te com a flor do trigo… Faz cair a neve, branca como a lã, espalha a geada como se fosse cinza; faz cair o granizo como migalhas de pão; com o seu frio, quem pode resistir? Envia a sua palavra e o gelo derrete-se; faz soprar o vento e correm as águas» (147, 14-18). Toda a terra está envolvida por um olhar bom, tudo é governado pela providência.
Depois de nos ter dado, até aqui, palavras acerca de Deus e sobre nós, o Salmo termina louvando diretamente a palavra, e a Aliança e a Lei, que são o seu auge (147, 19-20). A palavra é vista como uma mensagem enviada para nós, uma inteligência que nos leva a descobrir a ordem e o sentido da criação: «Ele manda as suas ordens à terra, e a sua palavra corre velozmente» (147, 15). A palavra é também logos, é raciocínio e ordem. Israel estimou a palavra dum modo altíssimo e, para nós, hoje, incompreensível. Fez dela uma experiência extraordinária com os Patriarcas, com Moisés e os profetas – “... e era apenas uma voz”. Tendo de renunciar à imagem de Deus, amadureceu uma imensa competência sobre a palavra, teve de aprender a desenhar Deus com as palavras, descobriu as muitas dimensões escondidas na palavra bíblica e nas palavras humanas. Uma grande pobreza produz uma riqueza infinita. Não teríamos talvez a extraordinária tradição literária ocidental sem esta palavra bíblica desprovida das imagens, que a obrigou a tornar-se imagem sem se tornar idolatria.
Quando João escreveu o Prólogo do seu Evangelho, um dos trechos mais geniais da história, estava a pensar em muitas coisas mas, certamente, pensava nas palavras dos Salmos, naquele logos capaz de abençoar o homem enquanto bendizia e louvava Deus. Ao dizer-nos que aquele logos se tinha feito carne, que se tinha tornado homem como nós, dizia-nos muitas coisas e todas estupendas e também nos chamou com o mesmo nome de Deus. E continua, em cada dia, a chamar-nos assim.
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Luigino Bruni.
Original italiano publicado em Avvenire em 18/10/2020.
«A proibição das imagens era um preceito capital que, fatalmente, seria violado. Sobretudo pelo próprio YHWH, que tinha plasmado o homem “à nossa imagem e semelhança”. YHWH tinha querido criar um ser à imagem de si mesmo – e, também àquele ser, seria transmitida a tendência a criar algo à imagem de si mesmo».
Roberto Calasso, Il libro di tutti i libri
O nome e a imagem são categorias centrais na Bíblia e no Salmo 147, que revela como, neste humanismo, a pobreza gera riqueza.
Nalgumas regiões italianas – e, entre estas, a minha – em certos diálogos íntimos, os pais e as mães chamam o filho e a filha com o seu próprio nome. Dizem-lhe: “vamos lá mamã, porta-te bem”, “mas como és brilhante, papá”. Dizem-no às crianças mas, por vezes, continuam a chamá-los assim também quando adultos. Não está escrito em nenhum livro de gramática, não se aprende na escola. Repetimo-lo porque o ouvimos dos nossos pais, em dias maravilhosos. São palavras diferentes, assimiladas por osmose e, depois, transmitidas de uma geração a outra, parte da transmissão do essencial da vida. Estão entre as palavras mais bonitas nos diálogos do coração, naqueles tu-a-tu delicados e secretos, que contêm toda a típica e única ternura que desabrocha entre pais e filhos, que alimenta uns e outros, sempre, mas sobretudo, nos momentos das grandes alegrias e das grandes dores.
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Luigino Bruni.
Original italiano publicado em Avvenire em11/10/2020
«Se há um Outro, qualquer que seja, onde quer que esteja e quaisquer que sejam as suas relações comigo, embora não atue sobre mim de outro modo se não com a simples aparência do seu ser, eu tenho um fora, uma natureza; o meu pecado original é a existência do outro».
Jean Paul Sartre, O ser e o nada
O Salmo 139 é uma grande mensagem poética sobre a existência da fé e sobre o mistério da pessoa que, enquanto se descobre olhada, compreende uma beleza mais profunda e maior.
Na alma, há um lugar secreto e profundíssimo, onde mora uma subtil e delicada melancolia. É a que desabrocha quando nos damos conta que também a comunhão com quem nos ama para à porta de uma intimidade secreta, aquela onde se encontra a parte mais bela e verdadeira de nós. Sabemos que os nossos amigos, os pais, a mulher, os filhos nos amam verdadeiramente e nos conhecem de verdade; mas o conhecimento amoroso que têm de nós não consegue atingir o jardim secreto do nosso coração. Só se chegassem ali, nos conheceriam verdadeiramente, porque veriam uma beleza desconhecida; se alguém conseguisse atingir-nos nessa profundidade, compreenderia que somos melhores do que parecemos, que somos mais belos que a pessoa que até então tinham conhecido. Se é verdade que o outro é «aquele que nos olha» (J. P. Sartre), ainda é mais verdadeiro que o outro não me olha suficientemente, não vê a parte melhor de mim. Os outros conhecem alguma coisa, alguns conhecem o essencial; mas o essencial não basta; nestas coisas o essencial é demasiado pouco.
[fulltext] =>É ali que habita, também, a nossa inocência. Naquele fundo do fundo da alma, há uma pureza invisível, a que perdemos, ao crescer, mas não foi apagada nem pelos maiores erros, que acredita em nós, quando já ninguém crê (nós em primeiro lugar). É o jardim do Adão que ainda somos; é a cabana que os índios construíam, em crianças, onde se refugiavam dos fantasmas; é a casa das bonecas. E, àquela pequena casa, que, crescendo, se torna cada vez mais pequena, voltamos nos dias mais cinzentos da vida, quando somos perseguidos e condenados por todos, mas sabemos que há um ângulo do universo melhor que o homem e a mulher que os outros veem. É este refúgio invisível que torna possível a vida nos exílios, nos cárceres, nos grandes pecados. Um dia, nós compreendemos que esta diferença entre o que somos verdadeiramente e o que os outros reconhecem permanecerá sempre intransponível e que aquela beleza mais íntima será o segredo e o dote que levaremos para o último encontro. E nascerá uma nova paz, uma nova reconciliação com a vida e com os outros, deixaremos de nos lamentar por não sermos suficientemente amados. Porque compreendemos que é a existência deste núcleo de beleza, protegido dos olhares dos outros, a tornar a experiência da reciprocidade e do reconhecimento sempre insuficiente. Às reciprocidades da nossa vida, devemos pedir muito, mas não devemos pedir demasiado.
A Bíblia não conhecia o inconsciente nem a psicanálise e não sabia, diferentemente de nós, que, naquele ângulo escondido, estão acumuladas muitas coisas diferentes. Mas conhecia os homens e as mulheres e conhecia Deus. E, assim, diz-nos algo de importante, que permanece verdadeiro ainda hoje, que conhecemos outros “habitantes” invisíveis da nossa intimidade. Disse-nos e diz-nos que aquele fundo inexplorado é habitado por um hóspede bom que sempre lá morou, que o conhece melhor que nós o julgamos conhecer. Diz-nos que aquela certeza de sermos melhores do que nos tornarmos é tudo amor, é o primeiro dom de Deus para nós, o dispositivo com que continua, em cada dia, a salvar-nos: «YHWH, Tu examinaste-me e conheces-me, sabes quando me sento e quando me levanto; à distância conheces os meus pensamentos. Vês-me quando caminho e quando descanso; estás atento a todos os meus passos. Ainda a palavra me não chegou à boca, já Tu, Senhor, a conheces perfeitamente… É uma sabedoria profunda, que não posso compreender; tão sublime, que a não posso atingir!» (Salmo 139, 1-6).
O conhecimento a que se refere este Salmo, entre os mais altos e poéticos do Saltério, não diz respeito a um conhecimento abstrato ou omnisciência de Deus. O conhecimento “maravilhoso” que, aqui, interessa ao salmista é o conhecimento que Deus tem de nós, que tem dele, o autor do salmo, que tem de mim, de ti. É a experiência de ser conhecido por um olhar amigo e mais profundo que o dos outros, mais amigo e mais profundo que o nosso próprio olhar: “que a não posso atingir”. É-nos dada, aqui, uma raiz profunda da fé bíblica. A fé é, antes de mais, a experiência de ser olhado dentro, de estar no centro de uma inteligência boa. Sou amado porque sou olhado, amado enquanto sou olhado naquele fundo onde reside o meu mistério. Então, a fé bíblica, antes de ser um conjunto de normas e de verdades para acreditar, é a experiência pessoal deste olhar profundo. A religião pode começar com o culto e com a lei, mas a fé começa quando nos sentimos olhados, vistos e chamado pelo nome.
Os homens, desde sempre, intuíram serem vistos por Deus e pelos seus espíritos, viver sob um olhar invisível do alto. Mas, geralmente, era uma experiência de angústia. O homem antigo tinha medo do olhar dos deuses. Escondia-se, queria fugir porque, ser visto, era a experiência da revelação dos pecados e, portanto, da culpa. Era um olhar do juiz, o olho de quem nos quer ver para condenar. “Deus vê-te” era instrumento de medo e de terror. Também aqui, a Bíblia realiza uma revolução. O olhar de Deus é, antes de mais, olhar de amor, é libertação e alegria. Deus também vê os pecados mas, antes, vê que somos filhos; vê o gesto de Caim mas, antes, vê o gesto de Eloim que criou Adão à sua imagem e semelhança. Está aqui a antropologia bíblica do pecado de Adão sobre Caim, porque o Adão vive num ângulo do coração mais íntimo que aquele que alberga o seu filho fratricida. Partindo desta intimidade habitada, aprendemos também que todo o universo é sustentado e habitado por Deus: o céu estrelado dentro de mim faz ver o céu estrelado por cima de mim. Uma experiência que, imediatamente, se torna canto: «Se voar nas asas da aurora ou for morar nos confins do mar mesmo aí a tua mão há de guiar-me e a tua direita me sustentará. Se disser: “Talvez as trevas me possam esconder, ou a luz se transforme em noite à minha volta”, nem as trevas me ocultariam de ti e a noite seria, para ti, brilhante como o dia. A luz e as trevas seriam a mesma coisa!» (139, 9-12). Fantástico!
Se o encontro com Deus é um ser vistos por dentro, então aquele olhar existia mesmo quando não o sabíamos. Estava ali, invisível, mas presente: «Tu modelaste as entranhas do meu ser e formaste-me no seio de minha mãe… Quando os meus ossos estavam a ser formados, e eu, em segredo, me desenvolvia, tecido nas profundezas da terra, nada disso te era oculto. Os teus olhos viram-me em embrião. Tudo isso estava escrito no teu livro. Todos os meus dias estavam modelados, ainda antes que um só deles existisse.» (139, 13-16). Versículos que recordam os de Job, mas também os “ossos” de Jeremias (20, 9) e a história da sua vocação profética. A fé começa um dia, mas existia desde sempre. Um dia, toma-se consciência de algo que pré-existia à consciência que desabrocha num preciso momento, quando se compreende que a frase que estamos a escrever naquele dia é parte de um “livro”. E um dos maiores dons que o dom da fé traz consigo – na dimensão explicada pelo Salmo 139, a fé é de verdade e autenticamente dom, antes de ser também virtude (não fosse outro a guardá-la) – é o admirável exercício que continua o início da fé; quando andamos para trás na nossa história e, como comum velho álbum de fotografias, folheamos, página após página, o nosso passado e, finalmente, o compreendemos, compreendemos de modo diferente as mesmas fotografias de ontem que se iluminam imensamente. Quem acredita, sempre acreditou e não o sabia.
Nestes versículos então, encontramos também uma esplêndida síntese do que é uma vocação. No princípio, há um olhar, sentir-se visto por um olho que me olha e me vê como ninguém alguma vez me viu. Um olhar que, imediatamente, é voz, porque enquanto nos olha, pronuncia o nosso nome, revela-nos a nossa missão e o nosso lugar no mundo, faz-nos entrever que os episódios que marcaram a nossa vida têm um sentido, são os capítulos do “livro” que já estávamos a escrever e não o sabíamos. É neste nível íntimo e profundíssimo que se joga o destino de uma vocação. Não é uma questão de felicidade ou infelicidade (a Bíblia e a vida transbordam de vocações infelicíssimas, embora enormes), nem de cálculo custos-benefícios (que moeda usar?) nem, muito menos, de se encontrar em condições subjetivas e objetivas de poder conseguir ter sucesso na missão (a maior parte das vocações autênticas não são “vencedoras”; são histórias de insucessos). Nestas vocações, uma pessoa faz só e simplesmente o que é, o que viu enquanto era vista, o que descobre o que sempre foi e o que será: «Para onde poderia fugir da tua presença? Se subir aos céus, Tu lá estás; se descer ao mundo dos mortos, ali te encontras» (139, 8). Esta visão não é fatalista nem estática, como seria se o papel da pessoa fosse apenas interpretar uma partitura já escrita – sem sequer a liberdade executiva de uma partitura de jazz. Uma vocação move-se entre a liberdade máxima – porque não há liberdade maior que quem obedece à parte mais verdadeira e bela de si – e a máxima não-liberdade, porque aquele olhar segue-nos por toda a parte e recorda-nos, em cada momento, quem e que coisa somos verdadeiramente. Pode-se sair de uma comunidade ou deixar uma mulher, mas não se sai da ação daquele olhar.
A impossibilidade de sair da órbita da pupila de Deus não oferece nenhuma garantia de não fazermos coisas erradas, por vezes péssimas. A boa notícia da Bíblia é outra: mesmo “se desceres ao mundo dos mortos” para fugires de ti mesmo, também ali continuas a ser olhado e visto. E sempre que apanhares “as asas da aurora” para fugir para longe, para onde quer que te leve aquele voo louco, quando tocares a tua intimidade mais íntima, ali estará alguém que te espera e te recorda que também tu és maior que o teu coração.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 04/10/2020.
«Apesar de a dor de uma perca poder ser grande, impõe-se, imediatamente, a nós, a tarefa de evitar a perca mais irreparável e determinante: a de nós mesmos. Por isso, na morte da pessoa amada, somos, perentoriamente, chamados a tornar-nos procuradores de morte dessa mesma morte».
Ernesto de Martino, Morte e pianto rituale nel mondo antico.
O Salmo 137, o do exílio, contem uma grande mensagem sobre como e porquê pegar novamente e com ânimo nas velhas cítaras.
A nossa época está dentro dum longo eclipse dos lugares e, por isso, do sentido da terra. Com o progressivo desencanto do mundo, não deixámos apenas de acreditar que a terra estivesse cheia de deuses; também esquecemos que os lugares têm uma alma, diferente, mas não menos viva e eficaz que a das pessoas. Inventámos o espaço, o anónimo e racional dos mapas e, assim, desaprendemos de reconhecer os lugares com as suas vocações únicas, os seus sinais, com o seu destino. Na Bíblia, Deus é uma voz que fala nos lugares. Deus não é u-tópico, porque tem o seu lugar: um altar, um monte, um templo. Lugares que não aprisionam Deus (que permanece livre dos nossos e dos seus lugares), mas conservam, para sempre, os estigmas do seu toque. O homem bíblico pode ser nómada e errante, porque o seu território está marcado pela presença verdadeira de Deus e, assim, embora peregrino, nunca está perdido. O tempo e o espaço são, frequentemente, inimigos; o lugar, pelo contrário, é amigo do tempo porque é ali – naquela comunidade, naquela família, naquela terra – que as gerações transmitem a vida. E os bens comuns não se destroem se, de espaço, se transformam em lugar.
[fulltext] =>Tendo esquecido a linguagem dos lugares, não compreendemos o que tenha sido a Bíblia no exílio. Para compreender-lhe alguma dimensão, deveremos compará-lo a uma experiência extrema nossa: o luto. Porque, quer no exílio babilónico quer no luto, há a crise da presença. E como nos grandes lutos se faz a experiência do desenraizamento, esvaziamo-nos de certezas e valores e corremos o risco de também nós passarmos com quem passou, de morrer com quem morreu; no exílio babilónico o grande desafio foi o de conseguir não morrer juntamente com a pátria, com o templo destruído, com a terra prometida, com o seu Deus derrotado. Não admira, portanto, que Ezequiel, no seu livro, chame com o mesmo nome – “a luz dos meus olhos” – à mulher morta e à Jerusalém destruída.
A elaboração do luto (operação dificílima, hoje) é conseguir não deixar que saia completamente da totalidade da nossa vida a pessoa amada, evitando, porém, que o seu continuar a viver em nós comporte o início da nossa morte. A elaboração do exílio foi, para Israel, a grande tarefa de não esquecer Sião, mas também não recordá-la demasiado e, assim, morrer juntamente com ela: «Junto aos rios da Babilónia nos sentámos a chorar, recordando-nos de Sião. Nos salgueiros das suas margens pendurámos as nossas cítaras» (Salmo 137, 1-2). É o estupendo salmo do exílio, talvez a elegia mais bela da Bíblia. O salmo que, mais que todos os outros, nos conta, em direto, o processo espiritual e ético coletivo com que Israel tentou dar sentido à sua maior tragédia, para continuar a viver.
A primeira imagem que nos chega é a de uma greve dos músicos, talvez um grupo de ex-cantores do templo. Dependuraram as cítaras nos ramos dos salgueiros (ou dos choupos) que cresciam ao longo das férteis margens dos rios de Babilonia. Ali, sentavam-se juntos; juntos choravam. E, um dia, deixaram de cantar. Um jejum coral de artistas, talvez o primeiro da história humana. Talvez por esta razão, o Salmo 137 foi muito estimado pelos artistas, pelos músicos e pelos poetas (de Camões a Verdi, de Bach a Quasimodo). Não se canta em “terra desconhecida” – adamah nekhar. Naquela terra só se pode entoar o pranto fúnebre, elevar o lamento ritual; só se podem gritar palavras desesperadas para as sublimar dentro de uma representação sagrada (137, 7-9). Mas cantar os cânticos do templo, não, não se pode: na terra errada, é impossível. E, assim, chega forte a resposta daqueles cantores: não podemos: «Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor, estando numa terra estranha?» (137, 4). Porque, naquele humanismo, o primeiro cantor e tocador são os muros do templo; depois, o solo sagrado e só no fim, chegam os homens e os seus instrumentos. Aqueles cânticos só se podem cantar em Sião e voltarão a ser cantados só quando voltarem para lá. Certos “saltos” só se podem fazer em “Rodes”.
Depois, o salmo dá-nos a conhecer um típico cinismo e sarcasmo dos seres humanos: «Os que nos levaram para ali cativos pediam-nos um cântico; e os nossos opressores, uma canção de alegria: “Cantai-nos um cântico de Sião”» (137, 3). Há uma maldade típica, entre as piores, que obriga quem está no pranto a fazer rir os outros – sarcasmo, literalmente, significa “lacerar a carne”, sarx). Como fizeram os filisteus - «Como o seu coração estava alegre, os filisteus disseram: “Mandai vir Sansão para nos divertir”» (Jz 6, 25) –, como os poderosos sempre fizeram e continuam a fazer com os pobres, com as mulheres, com as vítimas. Naquele jejum da arte, o povo revive, em conjunto, a mesma experiência de Ezequiel, o grande profeta do exílio: «Ele disse-me: “Farei aderir a tua língua ao teu palato, de tal maneira que emudecerás”» (Ez 3, 26). Ezequiel, sacerdote sem templo, profeta sem palavra; cantores e músicos com as cítaras mudas, dependuradas. Imagens tremendas e maravilhosas que dizem muito, quase tudo, da gramática da vida de quem segue, honestamente, uma voz.
Neste momento, encontramos, no salmo, um juramento ou uma forma de auto maldição: «Se me esquecer de ti, Jerusalém, fique ressequida a minha mão direita! Pegue-se-me a língua ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a minha suprema alegria!» (137, 5-6). Os exilados estavam aterrorizados pela possibilidade de esquecer Jerusalém e o seu Deus. Estavam aterrorizados porque sentiam o fascínio dos deuses daqueles rios de Babilónia, experimentavam na carne a tentação de emprestar as suas cítaras a cânticos diferentes dos aprendidos em Sião. E, assim, uniram-se com uma promessa feita a Deus e à sua alma. As promessas são também a corda que une o que somos hoje ao que fomos ontem para salvar do precipício o que podemos ser amanhã. Toda a promessa é oração que pede ao futuro que não traia a sua origem. Quando o caminho nos conduz ao exílio, no princípio queremos apenas dependurar as cítaras, deitar fora a pena, calar, chorar e fazer luto. A Bíblia diz-nos que estes jejuns são bons, que também estes mutismos são palavras de vida. Estamos desorientados, desenraizados, com dentro de nós e no meio de nós, uma infinita “saudade de Sião” e daquele templo maravilhoso, sobretudo uma saudade infinita do Deus que já não é porque foi destruído – pelos outros, por nós mesmos e pelo próprio Deus. Queremos e podemos apenas estar sentados e elevar altos lamentos para o céu e para a vida. Esta fase pode durar muito tempo. Para alguns, toda a vida e não mais voltam a casa.
Por vezes, um resto, um pequeno resto – uma parte daquela comunidade destruída ou um cantinho ainda vivo na nossa alma ferida – um dia, pega novamente na cítara e começa um cântico novo. Começa-o ali, junto dos mesmos rios, rodeado pelos mesmos torturadores e carrascos. Não sabe porquê; apenas sabe que deve cantar. Consegue cantar os mesmos cânticos da juventude e compreende que a voz que o tinha acompanhado durante a destruição e, depois, no exílio, a voz desconhecida e temida como voz de ídolo ou do nada, era, na realidade, a mesma voz boa que lhe falava em Sião, mas não o sabia. Uma compreensão nova que é apenas e totalmente graça, toda gratuidade. Compreende que Deus não tem medo do exílio e que não há melhor lugar que os rios de Babilonia para cantar e louvar. E à pergunta: «Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor, estando numa terra estranha?», acrescenta uma nova resposta: canta-os exatamente como os cantavas em Sião: eu também moro aqui e nunca te deixei só. Começou o fim do exílio.
Para alguns, este novo salmo é o último cântico, entoado junto ao anjo da morte. Outros estão cantando-o há muitos anos, mas não se deram conta ainda, porque o confundem com o choro do luto. Nem todos os exilados hebreus regressaram da Babilónia, depois do edito de Ciro. Uma parte nunca superou aquele grande luto e deixou-se morrer. Alguns integraram-se com os babilónios e não mais voltaram. Regressaram, após setenta anos, apenas os filhos e os netos dos poucos que conseguiram retomar as cítaras dos salgueiros ao longo dos rios, para cantar os cânticos de Sião numa terra estrangeira. Voltou quem aprendeu a tocar no exílio. Todo o luto acaba verdadeiramente quando ainda conseguimos cantar. Os salmos mais bonitos de Israel foram compostos quando algum daqueles cantores exilados encontrou as energias espirituais para voltar a pegar nas cítaras. Desprenderam-nas das árvores, recomeçaram o seu canto. Dos exílios, volta quem aprende a cantar os antigos cânticos numa terra desconhecida. Quando uma nova alma toca a antiga cítara e nascem outros cânticos.
Existem cânticos espirituais, poesias, obras de arte, profecias que nascem nos tempos da alegria e da luz, que brotam como excedente do coração nos dias maravilhosos da vida. Quando somos senhores das nossas mãos e das nossas palavras, que nos obedecem, gerando. Estes podem ser autênticas obras de arte, músicas muito bonitas, poesias verdadeiras, profecias autênticas. Mas existem outros cânticos espirituais, outras obras de arte, profecias diferentes que não nascem assim. Estas têm necessidade da garganta colada ao palato, de cítaras dependuradas dos salgueiros, de mãos com artrite, de compositores surdos, de pintores cegos, de relatores espáticos e balbuciantes, de escritores que falam de Deus quando não sabem nem quem é nem se existe verdadeiramente. Estas obras diferentes não são o fruto da nossa força, mas da nossa debilidade; estas palavras não nos obedecem porque são livres, estes gestos não são os nossos gestos, este Deus não é o nosso Deus, este paraíso é para os outros. Estas são as obras da gratuidade, os cânticos que não deviam existir, a espiritualidade que comove o céu, o humano que toca os anjos. Temos a Bíblia, porque alguém conseguiu cantar no exílio, reaprendeu a tocar a cítara junto dos rios de Babilónia. E não mais parou.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 04/10/2020.
«Apesar de a dor de uma perca poder ser grande, impõe-se, imediatamente, a nós, a tarefa de evitar a perca mais irreparável e determinante: a de nós mesmos. Por isso, na morte da pessoa amada, somos, perentoriamente, chamados a tornar-nos procuradores de morte dessa mesma morte».
Ernesto de Martino, Morte e pianto rituale nel mondo antico.
O Salmo 137, o do exílio, contem uma grande mensagem sobre como e porquê pegar novamente e com ânimo nas velhas cítaras.
A nossa época está dentro dum longo eclipse dos lugares e, por isso, do sentido da terra. Com o progressivo desencanto do mundo, não deixámos apenas de acreditar que a terra estivesse cheia de deuses; também esquecemos que os lugares têm uma alma, diferente, mas não menos viva e eficaz que a das pessoas. Inventámos o espaço, o anónimo e racional dos mapas e, assim, desaprendemos de reconhecer os lugares com as suas vocações únicas, os seus sinais, com o seu destino. Na Bíblia, Deus é uma voz que fala nos lugares. Deus não é u-tópico, porque tem o seu lugar: um altar, um monte, um templo. Lugares que não aprisionam Deus (que permanece livre dos nossos e dos seus lugares), mas conservam, para sempre, os estigmas do seu toque. O homem bíblico pode ser nómada e errante, porque o seu território está marcado pela presença verdadeira de Deus e, assim, embora peregrino, nunca está perdido. O tempo e o espaço são, frequentemente, inimigos; o lugar, pelo contrário, é amigo do tempo porque é ali – naquela comunidade, naquela família, naquela terra – que as gerações transmitem a vida. E os bens comuns não se destroem se, de espaço, se transformam em lugar.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 27/09/2020.
«O que mais me confortava e alegrava vinha-me do conforto dos amigos… as conversas, as gargalhadas em companhia, a troca de cortesias afetuosas, as desavenças ocasionais, sem rancor, como de cada homem consigo mesmo e os mais frequentes consensos, temperados pelas mesmas raríssimas desavenças; ser cada um, ora mestre, ora discípulo, do outro; a saudade de quem está longe, os acolhimentos festivos de quem volta».
Santo Agostinho, Confissões, IV
O Salmo 133 é conhecido como o salmo da fraternidade que, enquanto nos fala da beleza da fraternidade do sangue, anuncia-nos uma fraternidade diferente do espírito.
A fraternidade é uma grande palavra da Bíblia porque é uma grande palavra da vida. É um outro nome da felicidade. Os irmãos e as irmãs fazem parte da paisagem normal de casa, são componente essencial da nossa vida. O amor pelos irmãos e pelas irmãs não tem a característica do eros nem da philia (nem sempre somos amigos dos nossos irmãos, mas amamo-los muito). É um outro amor, diferente e especial, que usa a linguagem da carne e das vísceras (e, nisto, assemelha-se ao amor pelos pais). Uma nota típica da fraternidade é a dor visceral que sentimos quando uma irmã ou um irmão adoece, quando sofre, quando é ofendido ou humilhado – ver uma irmã sofrer é para nós, homens, uma das dores maiores. Há também uma alegria típica e especialíssima, talvez uma das maiores sobre a terra. É a que experimentam os pais, sobretudo as mães, quando vêm que os seus filhos se amam, quando os vêm a estimarem-se reciprocamente, a abençoarem-se um ao outro, a consolarem-se, defenderam-se, ajudarem-se, a fazer festa juntos.
[fulltext] =>Não surpreende que a Bíblia, para dizer a bênção-felicidade maior de Job, diga que os seus filhos e as suas filhas almoçavam juntos: «Os seus filhos costumavam ir, cada dia, à casa uns dos outros, para fazerem banquetes, e mandavam convidar as suas três irmãs para comerem e beberem com eles» (Jb 1, 4). Aqui, é importante a referência às irmãs porque, se já e bonito encontrarem-se para fazer festa entre irmãos, é estupendo encontrarem-se entre irmãos e irmãs, quando as raparigas e as mulheres, com a sua típica graça, exaltam a charis e a festa da casa. Esta típica alegria pela concórdia dos filhos aumenta com os anos, porque, se é bonito ver as próprias crianças e adolescentes quererem-se bem, muito mais bonito é vê-los amarem-se como adultos, quando crescem as distâncias e os motivos para os dissabores e as divisões. Talvez não haja fim de vida mais bonito, para um pai, que ver filhos e filhas que conservaram o amor recíproco; como é um amor maior, que se pinta de todas as cores do ágape, o de um filho que prefere renunciar aos legítimos interesses apenas para evitar este sofrimento especial aos próprios pais.
Podemos, agora, imaginar que o belíssimo salmo 133 tenha sido composto – ou, elo menos, cantado – por uma mãe. Num dia de festa, talvez na noite de Pesah, uma mulher olhou para os filhos, sentados à volta da mesa, e, no íntimo do seu coração, nasce-lhe esta oração, uma das mais bonitas: «Vede como é bom e agradável que os irmãos vivam unidos!» (Salmo 133, 1). O salmo da fraternidade. A palavra hebraica que o salmista usa para descrever esta especial beleza e suavidade é twb, a mesma que encontramos no primeiro capítulo do Génesis, no termo da criação: “Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito twb” (Gn 1, 31). Talvez a dizer-nos que, quando os irmãos e as irmãs, se “sentam juntos”, a família volta a passear no jardim do éden, volta a primitiva inocência e pureza, a morte é vencida de novo, comemos o fruto da árvore da vida e vivemos numa e-terna juventude – enquanto alguém nos chama “filho”, somos ainda jovens. São muito belas e estão profundamente radicadas na linguagem e no simbolismo bíblico as duas metáforas que o salmo usa para desenvolver o tema da fraternidade: «É como óleo perfumado derramado sobre a cabeça, a escorrer pela barba, a barba de Aarão, a escorrer até à orla das suas vestes. É como o orvalho do monte Hermon, que escorre sobre as montanhas de Sião» (133, 2-3). O óleo era sinal da consagração do sacerdote (Aarão), mas também do rei, do profeta e é o gesto que acolhe o hóspede, que é honrado ungindo, com óleo perfumado, o seu corpo fatigado da viagem. Um óleo que transborda, que escorre da cabeça até cobrir o rosto, a barba e desce, depois, para a veste.
É uma imagem que mostra o excedente da fraternidade. A fraternidade é anti avara; se a um irmão não se dá o manto nem a túnica, porque é quanto não devemos dar e, no entanto, damo-lo, mostra o que é um irmão ou uma irmã. É o óleo que uma mulher derramou nos pés de Jesus, que valia dez vezes mais que o preço da traição. O ecónomo-economista não compreende este desperdício e continua a criticar o excedente não eficiente. Na fraternidade não se empresta com juros, nem sequer à taxa da inflação para recuperar os gastos. Aos irmãos dá-se e basta: emprestar é um bom verbo dos negócios, mas não é um verbo da fraternidade – “aqui está o dinheiro que precisas; devolve-mo quando e se puderes”. Um irmão tem a mesma dignidade do rei, do sacerdote e do profeta, nada menos; e quando vem a casa visitar-nos é honrado como na Bíblia se honra um hóspede, como Abraão e Sara acolheram os três homens no carvalho de Mambré, como Salomão à Rainha de Sabá, como o bom pastor do Salmo 23, como as duas irmãs acolheram Jesus m Betânia. Como a viúva que hospedou Elias na sua casa e deu ao profeta o último punhado de farinha e a última gota de azeite que restava. Aos profetas, aos irmãos e às irmãs, não se dá o supérfluo; dá-se o necessário; para eles, priva-se do último pão. O pão quotidiano é dom do Pai mas, quase sempre, nos chega pela mão de um irmão, de uma irmã. Quando, em adultos, deixamos a casa comum e um irmão chega à nossa nova casa, é honrado como a Bíblia honra o hóspede. E mesmo que venha visitar-nos frequentemente, o dia da visita do irmão é o dia da toalha mais bonita, de uma flor nova. O tempo para e toca-se a eternidade. As horas passadas com os irmãos são mais longas; a fraternidade alonga a vida. Cada hóspede traz uma bênção, mas a bênção que trazem os irmãos e as irmãs, honrados como anjos, é uma bênção infinita.
A segunda imagem é a do orvalho, palavra amadíssima da Bíblia. O orvalho do monte mais alto, que mitiga as longas secas. É sempre surpreendente encontrar, ao acordar, nos nossos tórridos verões, a erva molhada pelo orvalho, dom de uma frescura diferente quando não há água. O orvalho é a grande imagem da gratuidade, de um dom que está ali para nós, para todos. Como o orvalho, a fraternidade, para perolar de luz o campo da nossa vida, precisa de uma noite serena e calma de vento. Como o orvalho, a fraternidade é a frescura dada que acompanha a aridez da vida, que chega sem olhar às nossas virtudes e aos nossos méritos. A fraternidade é anti meritocracia, quer quando olhada pela perspetiva dos pais, quer quando observada pelo olhar dos outros irmãos – mesmo se o irmão mais velho da parábola está ali para nos recordar que a meritocracia é uma tentação da fraternidade que, se não for vencida em cada dia, produz as várias formas de fratricídio.
O óleo que escorre da barba de Aarão mostra também um outro elemento fundador da fraternidade, que é a outra face do excedente: o desperdício bom. Como para outras palavras primeiras da vida, o desperdício tem duas caras: há uma cara má e uma boa. A boa pertence à fraternidade, que vive também do desperdício: de tempo, de palavras, de alimento. O desperdício de tempo escorraça a pressa, a inimiga de todas as relações primárias. O desperdício das palavras é a bênção dos serões e noites infinitas, gastas a dizer com cem palavras o que poderíamos dizer com dez, porque as noventa desperdiçadas são as palavras que damos um ao outro, libertos da escravidão da eficiência. E não há festa de família onde o alimento não exceda o necessário, onde o que parece desperdício é apenas a celebração de um bem maior, é linguagem arcaica e profundíssima para dizer que as horas passadas juntos valem mais que o PIB nacional, que este bem relacional é o maior bem. Nas refeições da fraternidade se não se come muito, não se come o suficiente. E também quando a pobreza nos oferece apenas cinco pães e dois peixes, temos de levar, no fim, sete cestos de sobras.
No entanto, apesar de toda esta beleza, a Bíblia apresenta-nos a fraternidade natural como algo de ambivalente e, geralmente, problemático. Abel, o primeiro irmão é um irmão assassinado. Jacob e Esaú lutam, combatem e separam-se; depois, Lia e Raquel, as duas irmãs rivais; depois, José vendido pelos seus irmãos, Jefté expulso pelos seus meios-irmãos, a violência de Amnon sobre Tamar até ao irmão do filho pródigo. Na Bíblia, são poucos e raros os casos de irmãos e irmãs que se amam como os do Salmo 133. Talvez para nos dizer que a fraternidade do sangue, por grande e, frequentemente, maravilhosa, não é suficiente para compreender o humanismo bíblico, o novo povo, a aliança, a nova e diferente fraternidade universal bíblica e cristã. E, assim, para nos indicar a sua nova fraternidade, desligada do sangue, a Bíblia não se contenta em louvar a fraternidade natural; ela destaca a sua insuficiência. Também nós sabemos que a primeira fraternidade natural não é pleno humanismo se não floresce uma segunda fraternidade. Não se permanece irmãos e irmãs durante toda a vida se, num dado momento, a ligação de sangue, de si grande e bela, não se torna grandíssima e belíssima, florescendo em ágape.
Os irmãos e as irmãs permanecem irmãos e irmãs até ao fim se, um dia, também se tornam amigos, mães, pais um do outro. A fraternidade é aurora, é orvalho; mas o sol não mantém, ao meio dia, toda a luz da aurora se o sangue não se torna espírito, se não renascemos neste espirito. Mas a Bíblia quis dar-nos também o Salmo 133 com as suas maravilhosas palavras porque, enquanto nos recorda que a fraternidade se realiza morrendo na carne e ressurgindo no espírito, aqueles irmãos e irmãs que se sentam juntos, estão entre as coisas mais bonitas debaixo do sol: «É ali que o Senhor dá a sua bênção, a vida para sempre» (133, 3)
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 27/09/2020.
«O que mais me confortava e alegrava vinha-me do conforto dos amigos… as conversas, as gargalhadas em companhia, a troca de cortesias afetuosas, as desavenças ocasionais, sem rancor, como de cada homem consigo mesmo e os mais frequentes consensos, temperados pelas mesmas raríssimas desavenças; ser cada um, ora mestre, ora discípulo, do outro; a saudade de quem está longe, os acolhimentos festivos de quem volta».
Santo Agostinho, Confissões, IV
O Salmo 133 é conhecido como o salmo da fraternidade que, enquanto nos fala da beleza da fraternidade do sangue, anuncia-nos uma fraternidade diferente do espírito.
A fraternidade é uma grande palavra da Bíblia porque é uma grande palavra da vida. É um outro nome da felicidade. Os irmãos e as irmãs fazem parte da paisagem normal de casa, são componente essencial da nossa vida. O amor pelos irmãos e pelas irmãs não tem a característica do eros nem da philia (nem sempre somos amigos dos nossos irmãos, mas amamo-los muito). É um outro amor, diferente e especial, que usa a linguagem da carne e das vísceras (e, nisto, assemelha-se ao amor pelos pais). Uma nota típica da fraternidade é a dor visceral que sentimos quando uma irmã ou um irmão adoece, quando sofre, quando é ofendido ou humilhado – ver uma irmã sofrer é para nós, homens, uma das dores maiores. Há também uma alegria típica e especialíssima, talvez uma das maiores sobre a terra. É a que experimentam os pais, sobretudo as mães, quando vêm que os seus filhos se amam, quando os vêm a estimarem-se reciprocamente, a abençoarem-se um ao outro, a consolarem-se, defenderam-se, ajudarem-se, a fazer festa juntos.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 20/09/2020
«São “filhos da juventude”, porque devia apressar-se a gerar quem estava destinado a morrer entre os vinte e cinco e trinta. Prémio pobre, de AT, de deserto e lanças à volta da casa. Para o filósofo, ontem e hoje, nada mais que cravos na carne».
Guido Ceronetti, Il libro dei salmi.
É possível associar Deus às nossas bênçãos e salvá-lo das maldições dos outros? Agradecer-lhe pela nossa felicidade e não o condenar pelas nossas infelicidades?
O excedente é uma das leis áureas da vida. É mãe da capacidade de gerar, irmã da generosidade. Não se colhe fruto sem semear a mãos largas, sem lançar uma grande parte da semente entre os espinhos, à beira dos caminhos e no meio das pedras, porque, se quiséssemos semear só onde pensamos estar o terreno bom, não nasceria nada de verdadeiramente bom. O terreno bom pode existir apenas entre as amoreiras e as rochas e só é alcançado por quem está disposto a perder muita semente no seu lançamento excessivo. Para esperar que da nossa comunidade nasça um profeta verdadeiro, temos de gerar dez falsos; para haver um estudante excelente temos de o fazer nascer ao lado de mil normais; para gerar um ato de ágape temos de o esperar enquanto amadurece, misturado com os nossos egoísmos. E a parte perdida é necessária, como a parte, muito mais pequena, que gera. Toda a avareza é estéril, todas as magnanimidades são fecundas.
[fulltext] =>Mas o excedente mais importante não é o que sai do nosso coração; é o que lá entra. É o que recebemos, não o que damos, o que vemos acontecer em nós e à nossa volta, o pão que nos alimenta a nós e aos nossos amigos “enquanto dormimos”. Quando, um dia, finalmente, compreendemos que as coisas mais belas que abençoaram a nossa vida não são fruto do nosso empenho, mas só e tudo dom, só e verdadeiramente graça, só e sempre providência. A inteligência, os talentos determinantes, a mulher ou o marido, os filhos e as filhas, os amigos, a comunidade, a saúde, o sentido e a alegria pela vida interior, conseguir comover-se com uma poesia… não entraram na nossa vida por qualquer mérito nosso: simplesmente nos encontraram no rasto de uma misteriosa liberdade amorosa. O ser “terreno bom” não é mérito nosso – o terreno não se cultiva, não se trata nem começa sozinho. Simplesmente é. E é a primeira raiz da gratidão.
Este excedente é o coração dos Salmos 127 e 128, que estão no centro da série (do 120 ao 134) chamada “do peregrino”: «Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores. Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigiam as sentinelas. De nada vos serve levantar muito cedo e trabalhar pela noite dentro, para comer o pão de tanta fadiga, pois, até durante o sono, Ele o dá aos seus amigos» (Salmo 127, 1-2). Nestes versículos, conhecidos e belos, o salmista afirma a prioridade do excesso da graça sobre os nossos méritos. Este incipit, esta expressão de “em vão” que tanto recorda Qohélet (livro que a Bíblia a atribuía, como o Salmo 127, a Salomão) é uma das explicações mais bonitas do que é a gratuidade/graça. Para o compreender, temos de continuar a leitura da segunda parte do salmo 127 e, depois, continuar com o 128: «Olhai: os filhos são uma bênção do Senhor; o fruto das entranhas, uma verdadeira dádiva. Como flechas nas mãos de um guerreiro, assim os filhos nascidos na juventude. Feliz o homem que deles encheu a sua aljava!» (127, 3-5).
Regressa, aqui, a grande categoria bíblica da bênção, desenvolvida no salmo seguinte: «Felizes os que obedecem ao Senhor e andam nos seus caminhos. Comerás do fruto do teu próprio trabalho: assim serás feliz e viverás contente. A tua esposa será como videira fecunda na intimidade do teu lar; os teus filhos serão como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa. Assim vai ser abençoado o homem que obedece ao Senhor» (128, 1-4). A felicidade bíblica, diferente da tradição moderna que a associa ao prazer e às sensações, remete para a fecundidade e para a capacidade generativa, presente também no latim felicitas (que o prefixo fe irmana com feto, feminina, fértil).
Mas, neste par de Salmos, há muito mais. Há uma ideia teológica fundamental da Bíblia, segundo a qual, a felicidade e, também, os bens e os filhos, são bênção de Deus. Esta equivalência entre felicidade e bênção divina não é apenas fundamental e central na ética e no espírito da economia moderna, mas também está no centro do bom senso e da sabedoria das comunidades e das famílias – o salmo 128 é o mais lido nas liturgias matrimoniais hebraica e cristã.
Mas é justamente nesta esplêndida série de bem-aventuranças que se escondem as armadilhas que estão ainda no centro do humanismo ocidental. De facto, muitas vezes, lemos e relemos estes dois salmos amputados dos dois primeiros versículos do 127 e, assim, todo o discurso sobre a bênção se falseia e se corrompe. Na Bíblia, pode-se falar de bens como bênçãos porque, antes, está a certeza moral que, num nível muito profundo, os bens são dom. Dizer que quem “constrói a casa” não são os construtores mas “o Senhor”, significa reconhecer que, também nas coisas mais concretas e quotidianas, onde é evidente que somos nós, com o nosso trabalho, a colocar tijolo sobre tijolo, a um nível mais profundo e, portanto, mais verdadeiro, aqueles tijolos e aquele suor são graça, são providência.
E, aqui, deve-se reabrir um discurso, jamais acabado, sobre os méritos e sobre a graça. Quando vemos que alguém tem sucesso, numa ou em mais das suas muitas formas, é muito raro que não reconheçamos, naquele sucesso, também uma certa dose de mérito pessoal. E, assim, embora atribuindo um papel à sorte e às circunstâncias favoráveis, pegamos na parte do mérito presente naquele sucesso e fazemo-lo tornar o ponto de apoio para erguer toda a estrutura social de recompensas. E, depois, por amor à simetria, seguimos a mesma lógica para os insucessos e os fracassos porque, embora por detrás de um crime ou de uma desventura estejam infortúnios e circunstâncias desfavoráveis, há alguma percentagem de culpa subjetiva. Identificamo-la e fazemo-la tornar o critério principal para ordenar as penas e o mundo. Portanto, não é de excluir que os seres humanos sintam a necessidade de um sistema de culpas para tornar legítimos os méritos porque, num mundo onde se dissesse que os infortúnios dependem muito das circunstâncias desfavoráveis e muito pouco da culpa subjetiva, não existiriam sequer as bases éticas para atribuir aos méritos os nossos sucessos.
Mas é justamente aqui que os primeiros dois versículos do Salmo 127 se tornam tremendamente sérios. Tomemos o caso de Giovanni, o colega economista particularmente brilhante. Fez uma ótima carreira, conseguiu sucesso e riqueza. Vem de uma família pobre, teve de estudar muito para a licenciatura e para o doutoramento. Os seus pais fizeram sacrifícios para ele estudar, primeiro em Itália e, depois, nos USA. Venceu muitos concursos, revelando-se sempre o melhor… É difícil negar ao seu mérito uma boa ou grande parte do seu sucesso. Depois, porém, olhamos melhor e descobrimos que também este raciocínio linear e, em geral, não-controverso se complica e talvez mude muito. Damo-nos conta que Giovanni nasceu numa família que o amava muito, que estudou grátis por mais de vinte anos, teve algum ótimo professor que acreditou nele, cresceu num ambiente sereno e cheio de estímulos. E, se estudou muito para vencer os concursos e escrever artigos científicos, também essa sua capacidade de estudar e se empenhar era, em boa parte, dom, porque encontrou-a dentro, como fruto de toda a vida excedente – torna-se pobres também porque faltam as possibilidades de se comprometer.
Se Giovanni tivesse crescido noutro lado, aquele mesmo DNA não teria tido as condições para poder estudar muito e ter sucesso. Tudo isto, não para diminuir ou desvalorizar o talento e a virtude de Giovanni, mas para sublinhar que antes há qualquer outra coisa, um excedente que construiu para ele – e com ele – a sua “casa” e, antes ainda, os seus talentos.Quando esquecemos este construtor invisível – e fazemo-lo cada vez mais – nascem, demasiado rapidamente, as teologias, sociologias e economias da prosperidade que, enquanto louvam e legitimam, ética e religiosamente, sucesso e méritos, deslegitimam religiosamente os perdedores, acabam por ler os não-talentos como não-méritos, até justificar moralmente a desigualdade; e, para poder chamar abençoados os vencedores, têm de chamar amaldiçoados os pobres.
Mas não podemos parar aqui. Todo este discurso ainda não nos satisfaz. Fez-mo compreender a minha sobrinha Antonietta, com a sua teologia essencial enquanto rezávamos a oração antes de almoçar: “Nós agradecemos a Deus pelo alimento, mas como rezam os meninos que não o têm?”. Agradecer a Deus e à vida pelas nossas bênçãos que, sem mérito, recebemos como dom, não é suficiente para justificar Deus diante de quem não tem esses bens. Todo o homem religioso que atribui as suas bênçãos a Deus tende (quase) inevitavelmente a separar Deus da parte amaldiçoada do mundo. «Minha mãe fez-me prostituir quando tinha oito anos: se encontro Deus, quero atirar-lho à cara», disse, desesperada, uma jovem mulher brasileira a um meu amigo missionário. Se associo a graça de Deus aos meus dons, como faço para o salvar das desgraças dos outros?
Um certo ateísmo honesto nasceu porque não conseguia encontrar uma resposta convincente para esta pergunta e preferiu matar Deus para salvar os pobres. Alguém conseguiu salvar a fé, mas leu estes salmos sentado num monte de estrume, ao lado de Job, ou no Gólgota, junto do crucificado. E, depois, um dia, que chega sempre demasiado tarde, compreendeu que a sua verdadeira bênção é ter compreendido, finalmente, que recebeu as riquezas e os talentos para os usar para libertar quem só recebeu sofrimentos e males. E nasceu-lhe dentro uma necessidade imparável de descer ao longo dos caminhos e debaixo dos pórticos a servir pequenos-almoços, para procurar fazer florir algum “obrigado” verdadeiro depois de muitas pragas. E, enquanto se tornava dom incarnado, dizer aos pobres: não sois amaldiçoados. Dizê-lo, repeti-lo e não parar mais, até doar a vida.
Dedicado a Padre Roberto.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 20/09/2020
«São “filhos da juventude”, porque devia apressar-se a gerar quem estava destinado a morrer entre os vinte e cinco e trinta. Prémio pobre, de AT, de deserto e lanças à volta da casa. Para o filósofo, ontem e hoje, nada mais que cravos na carne».
Guido Ceronetti, Il libro dei salmi.
É possível associar Deus às nossas bênçãos e salvá-lo das maldições dos outros? Agradecer-lhe pela nossa felicidade e não o condenar pelas nossas infelicidades?
O excedente é uma das leis áureas da vida. É mãe da capacidade de gerar, irmã da generosidade. Não se colhe fruto sem semear a mãos largas, sem lançar uma grande parte da semente entre os espinhos, à beira dos caminhos e no meio das pedras, porque, se quiséssemos semear só onde pensamos estar o terreno bom, não nasceria nada de verdadeiramente bom. O terreno bom pode existir apenas entre as amoreiras e as rochas e só é alcançado por quem está disposto a perder muita semente no seu lançamento excessivo. Para esperar que da nossa comunidade nasça um profeta verdadeiro, temos de gerar dez falsos; para haver um estudante excelente temos de o fazer nascer ao lado de mil normais; para gerar um ato de ágape temos de o esperar enquanto amadurece, misturado com os nossos egoísmos. E a parte perdida é necessária, como a parte, muito mais pequena, que gera. Toda a avareza é estéril, todas as magnanimidades são fecundas.
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Luigino Bruni.
Original italiano publicado em Avvenire em 13/09/2020.
«A pergunta de como cheguei a uma matéria tão arcaica ainda não encontrou resposta. Influenciaram circunstâncias várias, ligadas aos anos, à idade. Ripeness is all. Como homem e como artista, devo, de algum modo, encontrar-me num estado de “recetividade”».
Thomas Mann, Appendice a Giuseppe e i suoi fratelli.
Na proibição de fazer imagens de Deus escondem-se temas de grande significado humano e religioso. O Salmo 115 revela-nos alguns.
Teremos de agradecer à Bíblia apenas por ter guardado, durante séculos, o mistério íntimo de Deus, protegido das nossas manipulações teológicas e ideológicas. O exílio babilónico não foi apenas o lugar e o tempo onde nasceram alguns dos maiores livros bíblicos e onde falaram e escreveram profetas imensos, como Ezequiel e o Segundo Isaías. Aquele exílio gerou também alguns dos salmos mais belos. Cânticos e orações jorradas da alma de um povo humilhado, ofendido na sua identidade nacional, atingido no coração da sua religião. O exílio foi muitas coisas mas, sobretudo, foi uma prova religiosa. Encontrar-se numa terra da religião riquíssima, rodeados por muitos deuses, cada um com o seu santuário, representados por estátuas brilhantes e levados em procissões espetaculares, obrigou Israel a repensar profundamente a própria fé. Também a dura polémica bíblica anti idolátrica se desenvolveu durante o exílio. A ausência do templo e de imagens de YHWH tornava forte e dramática a pergunta que os babilónios dirigiam, ironicamente, aos hebreus: “Onde está o vosso Deus?”.
[fulltext] =>Naquelas culturas antigas, um Deus sem lugar era um deus inexistente. Como resposta àquela pergunta tremenda, vem a maturação da grande ideia bíblica da proibição de representações de Deus (Ex 20, 4). Uma proibição única e fundada num acontecimento determinante: «Pois não vistes imagem alguma no dia em que o Senhor vos falou no Horeb» (Dt 4,15). A experiência do encontro com YHWH fora o encontro com uma voz, com algo real, mas invisível. Nem Abraão nem Moisés nem os profetas viram a imagem de Deus – Moisés viu-o passar, de costas, como a dizer que não o viu. Pelo contrário, ouviram a sua voz, o seu sussurro (Elias). Então, qualquer suposta imagem de Deus só pode ser falsa, porque a voz não se pode representar.
«Se não, os pagãos vão continuar a dizer: “Onde está o vosso Deus?”. O nosso Deus, está nos céus… Os ídolos dos pagãos têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não veem; têm ouvidos, mas não ouvem, e nariz, mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam, e pés, mas não andam, nem da sua garganta emitem qualquer som» (Salmo 115, 2-7). A luta idolátrica da Bíblia tem duas componentes: uma crítica externa às imagens dos deuses dos outros povos e uma crítica interna a Israel que sempre foi tentado a fazer imagens do seu Deus. A crítica do Salmo 115 parece, à primeira vista, toda centrada na primeira componente da idolatria, ridicularizar os outros povos que adoram estúpidos pedaços de madeira. Porém, não é esta a dimensão mais interessante e profunda da polémica bíblica porque, se fosse formulada na presença dos sacerdotes e profetas babilónicos, estes teriam podido responder que aquelas imagens eram apenas símbolos e sinais dos seus deuses que, a par do Deus de Israel, “habitavam no céu”. Poderiam responder com argumentações semelhantes àquelas com que os católicos defendiam as imagens dos santos da fúria iconoclasta de alguns movimentos da Reforma protestante. A crítica bíblica às imagens volta, sempre que nos esquecemos que imagens e ícones são sinais de um Deus que não vemos e que reconhecemos por uma voz que pronuncia um nome: “Maria”.
A segunda crítica, a dirigida aos hebreus, é, todavia, muito mais importante. Israel foi acompanhado, em toda a história bíblica, pela tentação de ter uma religião simples, como a dos outros povos, com as mesmas imagens e as mesmas procissões, com os mesmos ritos naturais da fertilidade. O bezerro de ouro, na base do Sinai, é condenado e, depois, destruído por Moisés, porque imagem do seu Deus – o nome que o povo deu ao vitelo foi: YHWH. Representar um Deus invisível só pode resultar em imagens erradas. A linha anti idolátrica mais importante é, portanto, a que Israel desenvolveu, não para criticar os outros povos, mas como mecanismo de autoproteção da própria fé, que não era ameaçada apenas (sobretudo, antes do exílio) pelas tentativas de importar deuses estrangeiros (os cultos de Baal ou da deusa “mulher” de YHWH) e de os colocar no seu templo, mas pela tentação de simplificar a sua fé. A idolatria mais relevante é, de facto, um reducionismo religioso que se torna reducionismo antropológico.
O cenário de toda a reflexão anti idolátrica da Bíblia é o Génesis e, de modo especial, os versículos estupendos sobre o Adão criado à “imagem de Deus (1, 27). Se nós, humanos, somos imagem de Deus, então, se reduzimos Deus a uma sua imagem inevitavelmente errada, estamos a reduzir-nos ainda mais a nós, que somos a imagem daquela imagem reduzida. Manter YHWH lá em cima, no alto dos céus, invisível mas falante, significa manter a altíssima dignidade das mulheres e dos homens; e dizer que a imagem de Deus, que trazemos impressa pertence ao reino do espírito e do ser, não ao do aparecer. Quem vê um homem, uma mulher, uma criança, não vê a estátua de Deus, mas uma centelha verdadeira do seu mistério invisível. Aqui, de verdade, o essencial da imagem é invisível aos olhos. Não é a visão o sentido necessário para ver esta imagem. É importante o início do Salmo: «Não a nós, ó Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, pelo teu amor e fidelidade» (115, 1). Volta um tema muito querido à Bíblia: o Nome. Com a aproximação da era cristã, os hebreus pronunciaram cada vez menos o nome de YHWH (Ex 20, 7). Escreviam o tetragrama (YHWH), mas pronunciavam “Adonai”, Senhor. O Nome YHWH era pronunciado pelo sacerdote apenas no templo, talvez só na festa do Kippur. Com a segunda destruição do templo, no ano 70 d.C., perde-se também a recordação da pronúncia do Nome revelado a Moisés. Mas, o que está por detrás do Nome?
Os exilados tinham uma grande saudade da experiência de Deus feita na pátria, quando YHWH “habitava” no seu templo, agora destruído. Fizeram um grande esforço para reencontrar a experiência do sagrado sem o seu lugar sagrado. Mas este esforço ingente gerou muitas coisas extraordinárias. Antes de mais, a ausência do templo sagrado inventou o tempo sagrado: nasce o Shabbat. O tempo torna-se mais importante que o espaço. O Shabbat torna-se o templo do tempo e permanece ainda uma das mais belas profecias da Bíblia – sem uma nova cultura do Shabbat nunca sairemos das crises ambientais e sociais do capitalismo, que é o anti Shabbat. Ali, descobriram também uma nova dimensão do Nome, que aprenderam graças aos profetas sentinelas do exílio (nota-se muito a presença de Ezequiel no Salmo 115: «Assim fala o Senhor Deus: Não é por causa de vós que faço isto, ó casa de Israel, mas por causa do meu santo nome»: Ez 36, 22).
Com aquele primeiro versículo, o salmista diz a Deus: não te peço que tu mostres, aqui, a tua glória para nós. Não; nós não temos méritos para isso (o povo viu o exílio como punição pelas suas infidelidades). Pelo contrário, mostra a tua glória pela fidelidade a ti próprio, por fidelidade ao teu Nome. Não o faças por nós; fá-lo por ti. Esta é uma das mais belas expressões da gratuidade na fé. O salmista sabia que não podemos eliminar da nossa oração o nosso interesse, mas podemos rezar a Deus para o não ter em conta. Talvez seja este o máximo da gratuidade possível, debaixo do sol: Deus, eu não consigo esquecer os meus interesses; tu sabe-lo; mas não os tenhas em conta enquanto te rezo. Aqui, a fé distingue-se do comércio, a oração da magia. Reza-se a Deus por Deus. Um dos maiores frutos religiosos e humanos do exílio: a gratuidade da oração, a capacidade do homem de se auto transcender, de ser maior que as suas necessidades.
Uma última passagem sobre a idolatria. A proibição bíblica de representar a divindade, com imagens ou desenhos, gerou, como sua beleza colateral, uma grande produção de imagens literárias e narrativas de Deus. A Bíblia proibiu imagens plásticas de Deus, mas produziu uma quantidade interminável de imagens intelectuais. Midrash rabínicos, lendas hebraicas e, depois, a imensa, em qualidade e quantidade, literatura inspirada por episódios bíblicos. Aquele limite à imagem empobreceu o mundo hebraico das artes visuais mas, como a sebe leopardiana , gerou uma literatura infinita. Deus não foi pintado, mas foi muito pensado e maravilhosamente descrito. A filosofia grega pensou, sobretudo, o homem: a sabedoria bíblica pensou, sobretudo, Deus. Mas a Bíblia talvez não esteve suficientemente consciente do perigo das representações intelectuais de Deus (L. A. Schoekel). A Bíblia proibiu a imagem (e a pronúncia do nome) de Deus para salvar Deus no seu mistério e na sua intimidade, para o proteger das nossas manipulações. Mas as imagens mais poderosas não são as visíveis, são as mentais. A idolatria não se manifesta apenas com bonecos e estátuas; os bonecos mais perniciosos são os bonecos intelectuais. Aquela palavra, coração e alma profunda da Bíblia, é muito mais capaz que as mãos de produzir fetiches, de fabricar bezerros de ouro.
O nome das idolatrias intelectuais é ideologia. E entre as ideologias mais prejudiciais estão as religiosas, porque esquecem frequentemente a proibição de “fazer imagens” de Deus. A tentação da teologia é violar o mandamento da proibição de fazer imagens de Deus. Enquanto o bom cientista e o bom economista sabem que o modelo que usam para descrever o mundo não é o mundo (por exemplo: a concorrência perfeita não é o mercado), o teólogo (exceto os enormíssimos e, entre estes, S. Tomás) é tentado em acreditar que os modelos que construiu para descrever Deus são imagens de Deus. E, assim, uma vez construído um modelo, pensado como imagem, prendem Deus dentro dessa imagem. Matámos milhares de pessoas, queimámos heréticos porque demasiados convencidos que a ideia que tínhamos feito de Deus fosse a sua imagem. Só recuperando o sentido bíblico da proibição das imagens para conservar o mistério de Deus poderemos aprender a arte do diálogo com quem tem outras ideias de Deus.
Muito belo e sugestivo é o último versículo da crítica aos ídolos: «Sejam como eles os que os fabricam e todos os que neles confiam» (115, 8). Com o tempo, aprendemos que o conjuntivo (“sejam”) pode ser substituído pelo indicativo: é. Nós tornamo-nos os objetos e as imagens que adoramos. Não nos damos conta disso, mas somos cada vez mais semelhantes às nossas mercadorias, cidadãos cada vez mais semelhantes ao consumador-ídolo. O Salmo termina com uma esplêndida série de bênçãos. São para nós, não percamos nenhuma: «Que o Senhor vos multiplique, a vós e aos vossos filhos. Sede abençoados pelo Senhor, que fez o céu e a terra. O céu é pertença do Senhor; mas a terra, Ele a deu aos seres humanos» (115, 14-16).
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Original italiano publicado em Avvenire em 13/09/2020.
«A pergunta de como cheguei a uma matéria tão arcaica ainda não encontrou resposta. Influenciaram circunstâncias várias, ligadas aos anos, à idade. Ripeness is all. Como homem e como artista, devo, de algum modo, encontrar-me num estado de “recetividade”».
Thomas Mann, Appendice a Giuseppe e i suoi fratelli.
Na proibição de fazer imagens de Deus escondem-se temas de grande significado humano e religioso. O Salmo 115 revela-nos alguns.
Teremos de agradecer à Bíblia apenas por ter guardado, durante séculos, o mistério íntimo de Deus, protegido das nossas manipulações teológicas e ideológicas. O exílio babilónico não foi apenas o lugar e o tempo onde nasceram alguns dos maiores livros bíblicos e onde falaram e escreveram profetas imensos, como Ezequiel e o Segundo Isaías. Aquele exílio gerou também alguns dos salmos mais belos. Cânticos e orações jorradas da alma de um povo humilhado, ofendido na sua identidade nacional, atingido no coração da sua religião. O exílio foi muitas coisas mas, sobretudo, foi uma prova religiosa. Encontrar-se numa terra da religião riquíssima, rodeados por muitos deuses, cada um com o seu santuário, representados por estátuas brilhantes e levados em procissões espetaculares, obrigou Israel a repensar profundamente a própria fé. Também a dura polémica bíblica anti idolátrica se desenvolveu durante o exílio. A ausência do templo e de imagens de YHWH tornava forte e dramática a pergunta que os babilónios dirigiam, ironicamente, aos hebreus: “Onde está o vosso Deus?”.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 06/09/2020.
«Mas Deus compreende. Existe também o direito do desesperado rezar. E eu, quando rezo, devo tornar-me voz de todas as criaturas. Portanto, reze-se também em nome dos mais desesperados que existem no mundo».
David Maria Turoldo, Os Salmos
Também as imprecações são parte da Bíblia. O importante é compreender-lhes a razão, sem se escandalizar da dor e dos desesperos dos seres humanos.
A Bíblia não é uma recolha de bons sentimentos, não é um repertório de histórias edificantes para pessoas bem. Contém gestos hediondos e palavras tremendas, eco do gesto e das palavras de Caim. Os pais e as mães do povo escolhido e os seus melhores reis são-nos apresentados como cruzamento de virtudes e de vícios, capazes de grande amor e de pecados, de mesquinhez e de delitos assombrosos. No centro da genealogia de Jesus está encaixado Urias, o hitita, um nome que, em cada Natal, nos repete que o menino de Belém é também rebento de um encontro entre uma flor imaculada e a flor do mal. Aquela genealogia, moralmente imperfeita, mostra-nos o único tipo de perfeição possível debaixo do sol. Para que o Logos se pudesse tornar verdadeiro homem, não havia, para ele, outro caminho que o poeirento que calcamos há milénios onde, próximo de Jericó, encontrámos um Samaritano debruçado sobre um homem meio morto; em direção a Damasco, vimos um perseguidor de cristãos tornar-se a sua bênção e, próximos de Emaús, ouvimos um viajante dizer palavras de terra com o perfume do céu e do pão.
[fulltext] =>Sabíamos isto; sabíamos tudo isto. Mas esta consciência um pouco abstrata da imperfeição da “perfeição” bíblica não é suficiente para nos evitar o choque do encontro com o Salmo 109. Sabíamos que, nos Salmos, Deus está do lado do homem, conhece todas as suas palavras e usa-as todas para nos falar de si. Sabíamo-lo, mas ainda não estávamos prontos para este salmo. É o texto que contém a mais forte imprecação do Saltério e de toda a Bíblia. Muitos pensaram, ao longo dos séculos, apagar os tremendos versículos 6-19, porque convencidos que a Bíblia não devia hospedar tais palavras más, porque não é possível juntar às palavras de Deus palavras humanas tão distantes da natureza de YHWH. No entanto, os antigos escribas e mestres salvaram as vinte maldições do Salmo 109, foram maiores que a sua ideia de Deus, deixaram aquela palavra livre de se cruzar e se misturar com as nossas palavras, com todas as nossas palavras, as de luz e as de trevas, as boas e as más. E, assim, fizeram-nos um grande dom, revelaram-nos melhor o homem e explicaram-nos melhor Deus.
«Pagam-me o bem com o mal, o amor com o ódio. Eles dizem: “Suscita contra ele um homem mau e à sua direita esteja um acusador. Quando for julgado, saia condenado e, na sua apelação, resulte incriminado. Sejam abreviados os seus dias e outro ocupe o seu lugar. Que os seus filhos fiquem órfãos e a sua mulher fique viúva! Que os seus filhos andem errantes a mendigar e sejam expulsos das suas casas em ruína. Que o credor lhe tire todos os seus haveres e os estranhos lhe arrebatem o fruto do seu trabalho. Que ninguém tenha compaixão dele, nem dos seus filhos órfãos. Que seja exterminada a sua descendência e seja apagado o seu nome numa geração. Que o Senhor conserve na sua lembrança a culpa de seus pais e jamais se apague o pecado de sua mãe… A maldição seja para ele como um vestido a envolvê-lo e a apertá-lo como uma cinta”» (109, 5-19). É de cortar a respiração…
Muitas foram as estratégias tentadas para salvar Deus e a Bíblia destas maldições. Muitos acreditaram que tal salmo deveria ser, simplesmente, excluído do Saltério, porque a Bíblia deve oferecer-nos apenas boas palavras de paz, para melhorar as nossas relações sociais. Outros exegetas procuraram amortecer a perplexidade, propondo ler aquela série de imprecações como uma longa citação que o acusado (o salmista) faz das palavras dos seus acusadores; uma estratégia que se revela ineficaz, porque o próprio salmista, no versículo vinte, invoca explicitamente a lei da retaliação para os seus acusadores: «Que o Senhor castigue assim os meus caluniadores». Guido Ceronetti, que nos deu a tradução mais bonita, em italiano, deste salmo, comenta assim estes versículos: «Estamos muito nervosos! Muito débeis frente ao horrível, ao satânico! Quem sabe amaldiçoar, sabe combater» (“O livro dos salmos”).
Aqui, proponho um caminho diferente. Temos de aceitar, simplesmente, a perplexidade e o desconforto que nos nasce na alma perante esta oração diferente. Dar-lhe espaço, mesmo quando duram muito tempo; para alguns, para sempre. Até que, um dia, te encontras com um filho assassinado, com uma neta, a luz dos teus olhos, violada, com um irmão enganado e arruinado para sempre; até que encontras, na tua carne, uma vítima verdadeira e um carrasco verdadeiro. Enquanto não chega o tempo do desespero pela dor causada a um inocente, talvez a um inocente que estimavas muito – as vítimas contadas pelos outros e as conhecidas na própria carne são muito diferentes. Quando o inocente és tu, um amigo querido, a tua mulher, o teu pai. Nesse dia e nesse tempo, se o tinhas conhecido e não compreendido, nos tempos da alegria e da fé feliz, recordas-te que, dentro da Bíblia, guardado no cofre do saltério, há um salmo diferente. Nasce-te o desejo imediato de o encontrar. E, então, pegas naquela Bíblia abandonada há meses, há anos, na estante, sacodes o pó, procuras recordar-te onde se encontram os salmos. Encontra-los depois de Job e, finalmente, compreendes porquê. Folheias as páginas do saltério, encontras os muitos salmos da alegria, do louvor, da ação de graças, da grandeza de Deus… e não te dizem nada, causam-te tédio. Superas o desconforto, continuas a folhear à procura de mais alguma coisa e chegas, finalmente, ao Salmo 109. E, ao lê-lo, sentes que fora escrito só para ti, só para aquele dia tremendo. Esperava-te e não o sabias. Começas e ler aquela série tremenda de maldições. Sente-las como palavras tuas. Palavra após palavra, as lágrimas correm. Sentes que dentro, algo começa a mover-se, o coração endurecido e gelado pela raiva e pela dor, aquece. O nó que, até ali, te tinha dificultado a respiração dos pulmões e da alma começa a dissolver-se. Compreendes que talvez tenhas rezado os Salmos durante toda a vida para que, na tragédia maior, pudesses recordar a única oração com as únicas palavras possíveis para ti. A Bíblia também é capaz disto. O seu Deus compreende-nos.
Se tivessem vencido os antigos escribas que queriam apagar o Salmo 109, não terias tido as únicas palavras para recomeçar a viver, para reaprender a rezar. A rezar, sim; porque se a leitura é sincera, enquanto lês aquelas maldições, compreendes que aquelas palavras, que embora as sintas tuas e verdadeiras, não podem ser as últimas palavras; são apenas as penúltimas. Mas, para compreender que eram penúltimas, deverias fazer a experiência de as sentir como últimas e verdadeiras. E, assim, a oração pode terminar com as palavras com que o salmista termina o salmo: «Eles poderão amaldiçoar-me, mas Tu abençoas-me» (109, 28). Ali, voltas ao Gólgota; finalmente, vês verdadeiramente um filho crucificado e talvez consigas repetir: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem». Mas, antes do encontro com o Salmo 109, talvez não tivesses conseguido pronunciá-las. Há uma fraternidade entre as palavras da Bíblia. Algumas das suas palavras só as compreendes quando descobres que estavam ali para te permitir dizer outras. Para chegar a pedir a Deus que as maldições que tu próprio pronunciaste se tornem bênçãos deves, antes, atravessar o inferno do desespero na companhia da Bíblia e de Deus. Sem o Salmo 109, a Bíblia teria perdido palavras para chegar às zonas mais periféricas e mais preciosas da área da humanidade. Os ângulos onde se escondem palavras mudas, as orações estranguladas, que teriam permanecido afónicas sem a coragem daqueles mestres antigos que compreenderam que não existem palavras humanas que Deus não as possa alcançar. Imensa, extraordinária Bíblia.
O primeiro “pai misericordioso” da Bíblia é a própria Bíblia, Novo e Antigo Testamento juntos. Vê, de longe, o filho a regressar, abraça-o quando ainda não sabe e não consegue falar, lança-lhe os braços ao pescoço e põe-lhe o anel no dedo, recebe as críticas de tantos irmãos maiores que quereriam que o ágape às portas das pocilgas e das casas das prostitutas parasse. O abraço misericordioso da Bíblia são as suas palavras, que nos veem, nos guardam, nos acompanham enquanto nos movemos entre o paraíso e os infernos e nos ressuscita, acompanhando-nos nas nossas desventuras. Acompanhando-nos até tocar o fundo: o Salmo 109 é a terra, no fundo das águas profundas nas quais caímos, onde apoiar o pé e impelir-se para a subida.
Nós, pelo contrário, não compreendemos a Bíblia, como não compreendemos a grande literatura. Pensamos que as palavras de ressurreição são as que começam depois dos pecados, das traições, das maldades, das maldições. Lemos estes grandes textos à procura das palavras de Job a quem lhe são devolvidos os filhos e os bens, de David que vence Saul, do fim do exílio de babilónia, do sepulcro vazio. E, assim, perdemos todas as outras ressurreições escondidas na pilha de esterco, na derrota de Saul, no início de exílio, no grito do Gólgota. Porque a Bíblia salva e resgata as vítimas quando as vê, quando se inclina para ela, ao acompanhá-las nos seus dramas. Victor Hugo resgata Jean Valjean quando o encontra na sua desventura, Israel Joshua Singer salva a mulher de Reb Abraham Hirsch Ashhkenazi quando descreve a sua vida miserável: «Ao vê-los, amou-os»; talvez o sopro divino da grande literatura esteja todo nestes olhos capazes de ressurreição.
Nós, pelo contrário, andamos à procura dos “happy end”, não amamos os sábados santos, saltamos da sexta para o domingo. Deitamos fora as palavras bíblicas de maldição e de desespero e perdemos contacto com todos os homens e mulheres que, agora, estão a viver essas palavras na sua carne. A nossa oração torna-se pequena, ínfima, incapaz de tocar a alma do mundo e o coração de Deus.
O Salmo 109 (o versículo 8) entrou também no Novo Testamento. Os Atos dos Apóstolos usaram-no para falar da morte de Judas: «Está realmente escrito no Livro dos Salmos: ‘Fique deserta a sua habitação e não haja quem nela resida’» (1, 20). Também Pedro encontrou, no Salmo 109, palavras para exprimir uma dor escandalosa e muda – não devemos esquecer que Judas foi um amigo dos apóstolos e de Jesus: «era um dos nossos» (Act 1, 17). Podemos pensar e esperar que nem Judas foi excluído do abraço misericordiosos da Bíblia e do seu Deus.
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David Maria Turoldo, Os Salmos
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 30/08/2020
«“Os padres não podem aceitar presentes" diz Padre Paulo. A mulher protestou: "Então, não vale", disse ela. "Se não aceitais a galinha, a graça não vale, e o menino nascerá cego". "A graça é gratuita", disse Padre Paulo. "As graças gratuitas não existem", responde a mulher».
Ignazio Silone, Vinho e pão.
A Bíblia ensina-nos a agradecer, pela salvação que recebemos, toda gratuidade, e não dada pelos nossos méritos.
Gratidão é uma palavra essencial. É a primeira palavra na família, nas comunidades, menos nas empresas modernas, onde a gratidão, com as suas palavras gémeas reconhecimento e agradecimento, não encontra o espaço que mereceria por causa da sua fragilidade. Gratidão – de gratia, charis – está muito aparentada com o “obrigado”, uma palavra que aprendemos dos pais, em crianças, e que, depois, nunca sai das nossas relações. Também o “obrigado” que dizemos, várias vezes ao dia, por respeito às normas sociais, contém alguns vestígios da gratidão que, no entanto, se manifesta mais plenamente noutros “obrigados”, os esperados e desejados, não reivindicados. São os determinantes nas relações mais importantes, as gratidões delicadas, mais femininas que masculinas, mais sussurradas que ditas, que chegam nos momentos cruciais da vida. O obrigado do colega, no último dia de trabalho, igual e diferente de todos os outros, escrito no cartão com o presente de adeus. O do estudante com mais dificuldade que, no último dia da escola te deixa, na secretária, um post-it: “Obrigado, prof”; ou o que, no dia da partida de casa, para seguir uma voz, não conseguimos dizer aos pais porque ficou encravado na garganta e que, depois de muitos anos, descobrimos ser semelhante aos obrigados inefáveis que são sussurrados, diariamente, nos travesseiros.
[fulltext] =>Esta gratidão tem, na gratuidade, a sua beleza e o seu drama. Não sendo um contrato, a gratidão apenas tem valor se gratuita (gratidão e gratuidade são quase a mesma palavra). Mas também tem uma dimensão de dever e obrigação. Porque, se por um lado as qualidades mais preciosas da gratidão são liberdade e dom, por outro lado existem algumas gratidões que, quando faltam, geram ingratidões, uma das paixões mais fortes e portadoras de sofrimento. De facto, a gratidão é uma forma da reciprocidade (agradecer , re-conhecimento) e, por isso, há também nela uma dimensão de restituição de algo que se teve antes. A presença da gratidão, ao lado do reconhecimento, torna o agradecer uma experiência complexa. Porque, com a gratidão, estamos no centro da paradoxal semântica do dom e da reciprocidade; portanto, das emoções e ações que são um entrelaçamento de esperas e reivindicações, liberdade e obrigação, gratuito e obrigatório. Não podemos pretender que antes da mudança de casa da vizinha, ela nos convide e nos diga obrigado pelas plantas regadas para ela nos muitos verões passados, mas, se o não faz, não ficamos contentes e aquela ingratidão estraga algo de importante naquela relação. E talvez poucos adjetivos nos fazem mais mal que o “ingrato”, se pronunciados pelas pessoas de quem gostamos.
Como é verdade que nós conhecemos verdadeiramente, reconhecemos as pessoas só ao fim de uma relação, quando se manifesta a sua capacidade de reconhecimento – que, por vezes, se estende para além da vida: impressiona-me sempre ver a fidelidade grata de muitos e, sobretudo, de muitas mulheres que, durante anos, décadas, cuidam da sepultura dos seus queridos. Nós sofremos muito pela ingratidão também porque está em cada um a tendência para sobrestimar o crédito do reconhecimento em relação aos outros (e a subestimar o nosso débito) e, assim, somos acompanhados por uma constante sensação de não ser suficientemente agradecidos. Por isso, a gratidão é um sentimento que precisa da duração. Só nasce dentro das relações estáveis e duradouras. Manifesta-se hoje, mas amadureceu ontem e, por isso, é um exercício da memória: recordando o que foste para mim, nasce, agora, no coração, a gratidão. Eis porque o ícone que acompanhava, na antiguidade clássica, a representação da gratidão, era a cegonha, porque tinha a fama lendária de cuidar dos pais quando envelhecidos.
A Bíblia ensina a cultivar e a experimentar a gratidão também para com Deus: «Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque o seu amor é eterno» (Salmo 107, 1). A comunidade dos crentes é também a comunidade dos gratos, porque comunidade dos salvados. O Salmo 107 é, de facto, um cântico de ação de graças (existem muitos no Saltério) que nasce da experiência da salvação. São quatro os paradigmas de salvação do salmo: da fome, e sede («Andaram errantes pelo deserto e pela solidão… Tinham fome e sede e já se sentiam desfalecer»: 107,4-5), da prisão («Alguns viviam nas trevas e na escuridão, prisioneiros da tristeza e de cadeias… porque quebrou as barras de ferro! »: 10-16), de doenças mortais («qualquer alimento lhes causava náuseas e já estavam às portas da morte! Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor, e Ele livrou-os das suas aflições»: 18-19), dos perigos do mar («Os que se fizeram ao mar nos seus navios, para fazer comércio na imensidão das águas… Transformou a tempestade em bonança, e as ondas do mar amainaram»: 23-29). E, depois de cada cena, quatro vezes o refrão de agradecimento: «Deem graças ao Senhor, pelo seu amor e pelas suas maravilhas em favor dos homens» (15). É a experiência concreta da salvação que gera a ação de graças, que faz florir a gratidão. Uma salvação concreta, dos males do corpo, que recorda as salvações do Jesus histórico que, enquanto anunciava uma salvação espiritual, libertava as pessoas de males concretos, matava a fome e curava. A salvação que produz gratidão é sempre pontual, é sempre uma ressurreição concreta.
A salvação, palavra determinante, na Bíblia e, depois, no cristianismo, tem muito a ver com a dinâmica paradoxal da gratidão. Por um lado – pelo lado de Deus – é toda dom, não é explicável num registo de condicionalidade, de do-ut-des. Não: somos salvos a basta. A salvação não é conseguida pelas nossas virtudes e méritos – talvez pelo nosso grito: «Na sua angústia, clamaram ao Senhor, e Ele livrou-os das suas aflições» (107, 13). A salvação é resposta a um grito, mas não é resposta a uma ação que a justifica: o grito é expressão de fé, e a justificação por aquela salvação é a fé (vê-se aqui, entre outras coisas, quanto a teologia de S. Paulo estava alicerçada no Antigo Testamento). Mas é muito belo e consolador que, em todo este Salmo, os homens salvos não são o povo de Israel, não são os eleitos: são homens e basta. Esta salvação é universal: basta gritar – e talvez o façamos demasiado pouco. Ao mesmo tempo, a Bíblia pede ao salvado o reconhecimento, convida-o a agradecer a Deus a salvação. Aqui está um outro grande sentido da oração: não se reza apenas (nem tanto) para obter a salvação (o grito bíblico é uma estranha forma de oração), mas deve-se rezar, sobretudo, para agradecer. O próprio Jesus se mostra sensível à gratidão e à ingratidão. Frequentemente, as pessoas aprenderam a rezar para dizer obrigado: não pediram nada, experimentaram uma salvação e agradeceram. E, daquele agradecimento, nasceu a oração. O nascimento mais belo, todo gratuidade, liberto de qualquer resíduo de fé comercial.
É difícil permanecer na gratuidade, é árduo permanecer na condição de quem agradece porque sabe que o que possui é tudo dom, que a salvação que experimenta diariamente é toda gratuidade. Sobretudo, é difícil para o homem de fé. Porque, uma vez experimentada uma salvação e aprendida a gratidão, nos homens (menos nas mulheres) nasce, progressiva e naturalmente, a exigência de querer merecer salvações futuras, de sentir que, na salvação que chega em cada manhã, está algo de nosso, que também contribuímos, que há uma quota de cofinanciamento naquele empréstimo de valor infinito que nos é oferecido, que aquela misericórdia, aquele amor fiel (hesed), nós merecemo-lo um pouco. Assim, a experiência de “ser salvos” transforma-se, gradualmente e sem nos darmos conta, no “salvar-se”. E sempre que o salvar-se rouba terreno ao ser salvos, reduz-se, inevitavelmente, o valor da gratidão.
É humano; é humaníssimo. Porque a nós, homens, não agrada depender totalmente da gratuidade dos outros, agrada-nos conquistar, com o nosso suor e os nossos méritos, as nossas salvações; amamos demasiado a reciprocidade onde se alternam os movimentos do dar e do ter. Também porque vimos quanta injustiça provocou a falta de reciprocidade, quanta desigualdade, quantos pobres mantidos numa situação perene de sujeição pelo facto de depender totalmente dos seus patrões. A ideia de um Deus que nos dá tudo e de quem dependemos totalmente produziu também uma teologia político-económica que não ajudou os pobres e libertarem-se da sua condição de inferioridade e uma gratidão errada, unidirecional e obrigatória, que deixou a Europa e o sul do mundo num sofrimento infinito. Os que foram banidos dos povos também foram banidos destas teologias que tinham usado uma determinada ideia de Deus para legitimar, sacralizando-as, estruturas injustas de poder. Daí, o maravilhoso movimento civil, económico e político que, nos últimos séculos, quis vincular os direitos à natureza ou a um pacto social igualitário original e os salários ao trabalho.
E, enquanto se desenvolvia – e continua a desenvolver-se – este grande movimento ético dos povos, a Bíblia ali está, fiel a si mesma, a recordar-nos que estas lógicas, essenciais e abençoadas nas relações inter-humanas, não são aplicadas a Deus, que deve ser mantido acima dos nossos méritos. Porque, se falta um princípio de gratuidade absoluta na fundação da nossa vida, a recordar-nos que, antes e depois dos méritos, há um dom infinito, toda a meritocracia se torna ditadura dos mais fortes sobre os mais fracos. O Deus bíblico não nos ama porque o merecemos – ou porque o merecemos mais que os outros – mas porque, simplesmente, somos seus filhos e filhas, e a filiação não é uma relação meritocrática, apesar dos protestos do filho mais velho da parábola. Devemos agradecer – é este o nosso dever –, mas o nosso agradecer hoje não é a pré-condição meritória para ser salvos amanhã. Deus também nos salvaria mesmo se fossemos ingratos. Saber e recordar esta gratuidade absoluta de Deus diz-nos, portanto, que nalguma parte do nosso ser, feito à sua imagem, somos maiores que a reciprocidade e também nós, pelo menos uma vez, podemos amar quem o não mereça, podemos amar um ingrato.
A cegonha é também aquela que nos traz os bebés. As civilizações da cegonha são as que souberam manter juntas a gratuidade para com os velhos e o amor para com as crianças. Sabia isto muito bem o Quarto mandamento, que associa a honra ao pai e à mãe ao “prolongamento dos nossos dias sobre a terra”. Só as crianças sabem alongar-nos a vida.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 30/08/2020
«“Os padres não podem aceitar presentes" diz Padre Paulo. A mulher protestou: "Então, não vale", disse ela. "Se não aceitais a galinha, a graça não vale, e o menino nascerá cego". "A graça é gratuita", disse Padre Paulo. "As graças gratuitas não existem", responde a mulher».
Ignazio Silone, Vinho e pão.
A Bíblia ensina-nos a agradecer, pela salvação que recebemos, toda gratuidade, e não dada pelos nossos méritos.
Gratidão é uma palavra essencial. É a primeira palavra na família, nas comunidades, menos nas empresas modernas, onde a gratidão, com as suas palavras gémeas reconhecimento e agradecimento, não encontra o espaço que mereceria por causa da sua fragilidade. Gratidão – de gratia, charis – está muito aparentada com o “obrigado”, uma palavra que aprendemos dos pais, em crianças, e que, depois, nunca sai das nossas relações. Também o “obrigado” que dizemos, várias vezes ao dia, por respeito às normas sociais, contém alguns vestígios da gratidão que, no entanto, se manifesta mais plenamente noutros “obrigados”, os esperados e desejados, não reivindicados. São os determinantes nas relações mais importantes, as gratidões delicadas, mais femininas que masculinas, mais sussurradas que ditas, que chegam nos momentos cruciais da vida. O obrigado do colega, no último dia de trabalho, igual e diferente de todos os outros, escrito no cartão com o presente de adeus. O do estudante com mais dificuldade que, no último dia da escola te deixa, na secretária, um post-it: “Obrigado, prof”; ou o que, no dia da partida de casa, para seguir uma voz, não conseguimos dizer aos pais porque ficou encravado na garganta e que, depois de muitos anos, descobrimos ser semelhante aos obrigados inefáveis que são sussurrados, diariamente, nos travesseiros.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 23/08/2020.
«O livro dos Salmos domina todos os outros porque resume o que os outros contêm e, no canto, acrescenta o que tem de característico. Outros Livros contêm a Lei, anunciam o Messias; este livro descreve os movimentos da alma».
Anastasio, Epístola a Marcelino (séc. IV d.C.)
A confiança e a fé são palavras irmãs. Sem uma, não existe a outra e a fé é uma relação marcada pela vulnerabilidade. O Salmo 91 fala-nos da natureza da fé enquanto confiança.
A confiança é uma relação radicalmente vulnerável. Quando uma pessoa confia noutra, coloca nas suas mãos algo seu de que o outro pode dispor e até mesmo abusar. Está nesta exposição de quem dá confiança a raiz da alegria especial que experimentamos quando alguém repõe em nós a sua confiança, porque sentimos que nos pediu para guardar algo de precioso que diz respeito à sua pessoa, à sua intimidade, ao seu mistério, mesmo quando passa através de simples coisas materiais. Esta condição de vulnerabilidade cresce com o valor daquele “algo” que se deposita nas mãos do outro, na “palma da sua mão”. Uma vulnerabilidade que também tem o seu valor, que tem propriedades típicas que mudam e, geralmente, melhoram a natureza duma relação. Mostrar ao outro a minha vulnerabilidade, tornar-lha intencionalmente evidente, enquanto nos torna mais débeis, também nos torna mais fortes, graças à dimensão transformadora da confiança vulnerável. A primeira e mais importante garantia de quem recebeu confiança, a honra, está no seu sentir-se honrado pelo próprio ato de confiança – demasiados débitos não são honrados porque a nossa confiança, em vez de honrar o devedor, o humilha.
[fulltext] =>Então, se quem realiza um ato de confiança faz todo o possível para reduzir e, possivelmente, anular o risco de abuso e traição, intrínseco à confiança, acaba por reduzir e anular o valor daquele bem relacional. Se, por exemplo, ao escrever um contrato defino-lhe os pormenores, acabando por incluir todas as possíveis situações futuras, a fim de me prevenir de qualquer possível uso incorreto daquela relação fiduciária, estou a dar à outra parte uma mensagem de desconfiança que muda a natureza da relação que estamos a construir. Muitas relações bloqueiam-se ao nascer porque a vontade de excluir futuros abusos cria um clima de desconfiança que impede a relação de começar. A confiança invulnerável não é um bem. Vemo-lo nas relações de marido e mulher, de filhos e filhas, entre colegas, de amigos que amamos e pelos quais somos amados até sermos capazes de confiar neles (e eles em nós) sem ter garantias perfeitas sobre a sua reciprocidade, embora dependamos dela para a nossa felicidade. Em muitas relações, a confiança é recíproca, é um encontro de bens relacionais, não necessariamente simétricos. Quando, depois, a confiança diz respeito a algumas relações determinantes da nossa vida, a relação de confiança assume uma forma ternária: existo eu que tenho confiança em ti, existes tu, em quem confio, e há um terceiro que se coloca entre nós dois como garantia ou testemunha.
É, sobretudo, a relação ternária ou trinitária da fé e da confiança que impressiona no Salmo 91, uma oração estimada por muitas tradições religiosas: «Aquele que habita sob a proteção do Altíssimo e mora à sombra do Omnipotente, pode exclamar: “Senhor, Tu és o meu refúgio, a minha cidadela, o meu Deus, em quem confio!”» (Salmo 91, 1-2). É muito bonito este “triálogo” entre o protagonista do salmo (que talvez esteja a passar a noite num templo, à espera de um oráculo, em sonho), o seu Deus e um terceiro que lhe ensina a confiança-fé. A fé bíblica tem, essencialmente, uma natureza ternária. Entre o fiel e o seu Deus há alguém que lhe diz que pode confiar. Este alguém é um profeta, é Abraão ou Moisés, é a Torá, mas é também o irmão ou a irmã na fé. O Salmo 91 não nos diz que seja este terceiro personagem que ensina a fé ao orante; e este anonimato é muito bonito porque esse “alguém” pode ser qualquer pessoa, posso ser eu, podes ser tu. Nem todos temos ao lado um profeta a ensinar-nos a fé, mas todos temos uma pessoa que nos pode ensinar a acreditar e a confiar. Uma pessoa que nos diz: «Ele há de livrar-te da armadilha do caçador e do flagelo maligno. Ele te cobrirá com as suas penas; debaixo das suas asas encontrarás refúgio; a sua fidelidade é escudo e couraça. Não temerás o terror da noite, nem da seta que voa de dia, nem da peste que alastra nas trevas, nem do flagelo que mata em pleno dia» (91, 3-6). E nós respondemos: «Sim; o Senhor é o meu único refúgio!» (91,9): é o segundo movimento da fé quando, depois de ter acreditado em quem lhe ensinou a fé-confiança, o crente faz a sua declaração de fé. Este movimento é segundo porque, antes, há alguém que me dá a fé – a fé acabará na terra quando o último crente deixar de a dar a alguém.
Está aqui também o sentido e o valor da Tradição: é a cadeia de pessoas que se ensinaram a fé reciprocamente, a corda solidária explicada nos séculos, constituída por pessoas e comunidades que aprenderam a acreditar em Deus, acreditando nas palavras de pessoas, um diálogo contínuo entre quem nos diz para confiar, nós, que respondemos com o nosso sim e, depois, dizemos a outros para confiarem nas nossas palavras, porque não-nossas. A fé bíblica é acreditar em Deus, acreditando nas pessoas que nos falam em seu nome, dando a cara. É sempre experiência comunitária, um acontecimento que ocorre no meio do povo, é uma relação de confiança. Por vezes, não somos capazes de acreditar porque não somos capazes de confiar e o treino na confiança inter-humana é uma ótima preparação para a fé. Quem não confia em ninguém também não acredita em Deus; quem confia pouco nos homens também acredita pouco em Deus e a fé torna-se um ato cognitivo que não muda a vida.
Finalmente, o terceiro movimento. Deus entra em cena: «Porque acreditou em mim, hei de salvá-lo; hei de defendê-lo, porque conheceu o meu nome. Quando me invocar, hei de responder-lhe; estarei a seu lado na tribulação, para o salvar e encher de honras. Hei de recompensá-lo com longos dias e mostrar-lhe a minha salvação» (91, 14-16). Ao formular a sua promessa, Deus expõe-se a possibilidade de não realização destas palavras, porque a história é um contínuo espetáculo de pessoas fiéis e justas que invocam e não têm resposta, que não se tornaram gloriosas, que conhecem o fracasso. E isto porque a fé bíblica partilha da mesma vulnerabilidade inscrita em toda a relação de confiança verdadeira, que é verdadeira porque vulnerável. Porque não temos conhecimento direto daquele em quem confiamos, o conhecemos apenas “por ouvir falar dele” (Job), conhecemo-lo porque o “ouvimos dizer” por aqueles em quem confiámos. Porque quer nós, quer Deus mudamos continuamente, em cada manhã devemos reacreditar no que acreditámos até ontem à noite – a fé é um ato de confiança, conjugado no presente. Uma etapa determinante da fé adulta consiste em, um dia, tomar consciência que quando pronunciamos a palavra “Deus”, a palavra mais bela, familiar e íntima, não sabemos o que estamos a dizer – mas continuamos a dizê-la, porque estas palavras só podem ser amadas. Eis porque, no princípio de algumas vocações bíblicas, há uma confiança complicada: Moisés não quer voltar ao Egipto; Jeremias refila; Jonas foge; Samuel tem necessidade de quatro chamamentos para dizer “aqui estou”; Elias, para se levantar e continuar o caminho, tem de aprender a ouvir o silêncio e YHWH teve de aprender a sussurrar.
SSe a confiança da fé não fosse arriscada e vulnerável, a fé não seria uma experiência autenticamente humana e, tornando-nos crentes, tornar-nos-íamos menos humanos. E quem, na vida, encontrou uma voz que o/a chamava e respondeu, sabe que o risco é real e eficaz, porque sabe que, por vezes, também as vocações autênticas correm mal, extraviam-se, perdem-se numa dor imensa (sua e de Deus). Não sabemos porque também as vocações verdadeiras acabam mal. O fracasso faz parte da condição humana e uma vocação infalível seria simplesmente desumana. E é esta possibilidade que a fé-confiança recolocada num mistério possa correr mal que a torna experiência humaníssima, semelhante, em dignidade, à maternidade, ao nascer e ao morrer. A nossa fé é experiência totalmente humana pela sua dimensão trágica. Pode ser-se plenamente humano sem estimar a fé e quem crê, mas não se pode acreditar sem estimar a humanidade, na totalidade, sem deixar fora nada de trágico que leva do inferno ao paraíso e vice-versa.
Este Salmo foi citado por Satanás, no episódio das tentações de Cristo: «Então, o diabo conduziu-o à cidade santa e, colocando-o sobre o pináculo do templo, disse-lhe: “Se Tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito: Dará a teu respeito ordens aos seus anjos; eles suster-te-ão nas suas mãos para que os teus pés não se firam nalguma pedra”» (Mt 4, 5-6). Aqui, Satanás usa o versículo 12 do Salmo 91. E Jesus responde a Satanás reiterando a natureza da confiança da fé bíblica: «Disse-lhe Jesus: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus!”» (Mt 4, 7). Uma mensagem importante deste esplêndido versículo que aparece na boca de Satanás e é excedente da Bíblia em relação aos seus únicos usos bons. Também o diabo conhece bem e usa a própria escritura conhecida e usado pelos evangelistas, a mostrar-nos que conhecer e citar a Bíblia não dá nenhuma garantia de vida nem de autenticidade de doutrina. Há um uso diabólico da escritura. Mesmo dos Salmos e da oração, ao ponto de Satanás usar uma das orações mais sublimes e elevadas do Saltério para tentar Jesus. O uso da Bíblia, de Jesus e de Satanás, coexistem dentro de nós – se estivéssemos, pelo menos, conscientes disso!
Também está aqui a vulnerabilidade da Bíblia: as suas palavras estão ali, expostas na praça pública do mundo e qualquer um as pode usar para rezar, para amar melhor, para aprender a viver; mas todos as podemos usar para amaldiçoar, condenar, tentar, manipular os homens e Deus, para blasfemar. Também Deus confia em nós, ecoloca no nosso coração as suas palavras e nós podemos traí-las. No inferno não estão apenas “pape satàn, pape satàn aleppe” ; estarão também palavras bíblicas abusadas e violadas. Deus, escolhendo tornar-se palavra, falar-nos com palavras humanas, escolheu partilhar a nossa fragilidade. Também nisto se parece connosco. É o quarto movimento da fé.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 23/08/2020.
«O livro dos Salmos domina todos os outros porque resume o que os outros contêm e, no canto, acrescenta o que tem de característico. Outros Livros contêm a Lei, anunciam o Messias; este livro descreve os movimentos da alma».
Anastasio, Epístola a Marcelino (séc. IV d.C.)
A confiança e a fé são palavras irmãs. Sem uma, não existe a outra e a fé é uma relação marcada pela vulnerabilidade. O Salmo 91 fala-nos da natureza da fé enquanto confiança.
A confiança é uma relação radicalmente vulnerável. Quando uma pessoa confia noutra, coloca nas suas mãos algo seu de que o outro pode dispor e até mesmo abusar. Está nesta exposição de quem dá confiança a raiz da alegria especial que experimentamos quando alguém repõe em nós a sua confiança, porque sentimos que nos pediu para guardar algo de precioso que diz respeito à sua pessoa, à sua intimidade, ao seu mistério, mesmo quando passa através de simples coisas materiais. Esta condição de vulnerabilidade cresce com o valor daquele “algo” que se deposita nas mãos do outro, na “palma da sua mão”. Uma vulnerabilidade que também tem o seu valor, que tem propriedades típicas que mudam e, geralmente, melhoram a natureza duma relação. Mostrar ao outro a minha vulnerabilidade, tornar-lha intencionalmente evidente, enquanto nos torna mais débeis, também nos torna mais fortes, graças à dimensão transformadora da confiança vulnerável. A primeira e mais importante garantia de quem recebeu confiança, a honra, está no seu sentir-se honrado pelo próprio ato de confiança – demasiados débitos não são honrados porque a nossa confiança, em vez de honrar o devedor, o humilha.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 9/08/2020.
«No tempo em que Deus criou as coisas, criou o sol. O sol nasce, morre e regressa. E criou a lua. A lua nasce, morre e regressa… Também criou o homem. O homem nasce, morre e não mais regressa».
Canto sudanês dos Denka
O salmo 90 recorda-nos que se pode vencer a fugacidade da existência afinando o nosso coração com o do universo. E, depois, em cada manhã, continuar o nosso trabalho.
Na origem da vida espiritual há uma experiência de absoluto. Uma experiência rara que acontece, em qualquer idade, quando intuímos que somos apenas um grão de areia neste mar infinito, que o mar e nós temos um sentido e é o mesmo sentido. Se a vida filosófica começa com a maravilha do estar-ao-mundo, a vida espiritual começa com o espanto deste duplo-único sentido; quando compreendemos que somos borboleta efémera, nascemos para voar apenas um dia, mas a exaltação daquele “louco voo” é a própria exaltação do universo. A fotografia que fixa um único momento pode ser belíssima, como o filme mais belo e até mais luminosa. O nosso tempo é um momento, mas tem a mesma qualidade do tempo de Deus. Porque o absoluto entrou no nosso tempo, nós no seu, e tornaram-se o mesmo tempo. E quando conseguimos afinar o nosso coração com o do universo, sentimos o mesmo batimento, descobrimos que os dois pulsam em uníssono – a oração, por vezes, é apenas isso.
[fulltext] =>Os salmos estão cheios deste espanto, cantado em muitos tons, tantos quantas são as emoções e os sentimentos humanos. Tons diferentes, nem sempre concordes, porque enquanto realizamos o nosso exercício de viver conscientes que será “imediatamente noite”, o louvor entrelaça-se com a tristeza, o reconhecimento de estar vivos e ser amados roça a inveja de Deus e da sua eterna aurora. Não compreendemos muita oração sem levar a sério também o sofrimento que nasce da inveja de Deus. Este típico e paradoxal sofrimento do homem religioso é ainda mais tremendo nos salmos porque, naquele humanismo, a morte não é a continuação diferente do mesmo voo sob a asa de Deus, mas é ocaso sem nova alba - «Acaso farás prodígios para os mortos? Irão os defuntos levantar-se para te louvar?» (88, 11). É preciso muita fantasia teológica para encontrar, no Saltério, em Qohélet ou em Job, antecipações da ressurreição cristã dos mortos. Está nesta ausência radical de consolação o grande dom do Antigo Testamento que, não colocando o paraíso para além da morte, convida-nos a encontrá-lo cá em baixo, onde existe verdadeiramente. Se o nosso único voo é este, debaixo do sol, se não temos uma segunda possibilidade, então a nossa história é tão breve quanto séria e importante. Diante da experiência da vanitas da vida, a Bíblia sabe que uma desilusão verdadeira é preferível a uma ilusão fingida, que o desespero pode ser um bom caminho de acesso à existência, certamente melhor que consolações inventadas. A ressurreição de Jesus foi anunciada num humanismo onde não devia estar, e é estupenda porque nos é anunciada por uma Bíblia que, até àquele “primeiro dia depois do sábado” não a conhecia.
O Salmo 90 é um pico, um oito mil metros do Saltério. A poesia entrelaça-se com a sabedoria, a profecia com a teologia: «Senhor, Tu foste o nosso refúgio de geração em geração. Antes de surgirem as montanhas, antes de nascerem a terra e o mundo, desde sempre e para sempre Tu és Deus. Tu podes reduzir o homem ao pó, dizendo apenas: “Voltai ao pó, seres humanos!” Mil anos, diante de ti, são como o dia de ontem, que passou, ou como uma vigília da noite» (Salmo 90, 1-4). Tu existes desde sempre e para sempre; nós, sentinelas do único turno da vigília, profetas durante uma única noite (Isaías 21).
E ali, naquele breve momento, encontramos verdadeiramente Deus, tocamo-nos verdadeiramente. Tu nos feriste, nós te ferimos até te pregar numa cruz. Aqui, o mistério; aqui, o espanto; aqui, o drama da vida humana: «Somos como a erva que de manhã verdeja, como a erva que de manhã brota vicejante, mas à tarde está murcha e seca… Os nossos anos dissipam-se como um suspiro. A duração da nossa vida poderá ser de setenta anos e, para os mais fortes, de oitenta; mas a maior parte deles é trabalho e miséria, passam depressa e nós desaparecemos» (90, 5-10). E volta-se a ouvir o cântico do segundo Isaías, poeta do exílio: «Diz uma voz: “Proclama!” Respondo: “Que hei de proclamar?” “Proclama que toda a gente é como a erva e toda a sua beleza como a flor dos campos!... Verdadeiramente o povo é semelhante à erva”» (Is 40, 6-7).
O salmista não sabe bem a origem e raiz desta condição humana triste e efémera. Nalguns versículos parece dizer-nos que é consequência da culpa e do pecado de Adão, piscando o olho aos primeiros capítulos do Génesis – “filhos de Adão, voltai ao pó!” Uma linha presente na Bíblia, certamente, mas não a mais luminosa, de facto, embora muito cultivada pelo povo e no templo, em todos os tempos. A linha espiritual deste salmo é diferente. É um texto sapiencial, uma meditação sobe a condição humana, sobre como viver bem a nossa breve passagem. Lemo-lo num dos versículos centrais e mais sugestivos: «Ensina-nos a contar assim os nossos dias, para podermos chegar ao coração da sabedoria» (90, 12). A sabedoria do coração nasce do aprender a contar os nossos dias. Porque saber contar os dias é um dom, pode chegar duma oração, como foi a sabedoria pedida por Salomão, como seu único carisma. O salmo quer dizer-nos que a arte bíblica de contar os dias não é uma conta natural e espontânea dos nossos dias que, sozinha, não é suficiente para adquirir esta sabedoria. O relógio e o calendário, aqui, não são suficientes. É preciso um outro ensino, uma pedagogia, alguém que nos revele algo que não sabemos fazer sozinhos.
Porque a história humana mostra, sobretudo, erros na contagem dos dias. Contam-se mal, como jovens, quando nos aparecem infinitos e a morte diz respeito apenas aos outros; contam-se mal, como velhos, quando a tristeza pelo fim próximo não nos deixa ver o dia que estamos a viver; e, contam-se ainda pior quando, encantados pela riqueza e pela força, nos julgamos invencíveis e imortais e repetimos a nós mesmos: «Minha alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te» (Lc 12, 19).
A arte de contar os dias é tarefa espiritual tão rara quanto essencial. A primeira lição desta aprendizagem é a evidência de um grande desperdício, quando nos envolve a impressão forte e verdadeira de ter investido a vida nos lugares errados e chega a certeza que o tempo da vida voou e a nossa vida permaneceu amarrada ao poste. O salmista terá recebido e apreendido esta primeira lição. Porque, se rezou para ter a sabedoria de contar os dias, já tinha alcançado esse dom – o primeiro (e, talvez, o único) dom da oração é a consciência de ter necessidade de quanto estamos a pedir; por isso, a oração obtém quanto pede no momento em que começa a rezar: começar uma oração é já graça recebida.
Mas o salmista não parou na primeira lição. Lemo-lo no versículo imediatamente a seguir: «Sacia-nos pela manhã com os teus favores, para podermos cantar e exultar todos os dias» (90, 14). Eis a segunda lição da sabedoria dada: enquanto compreendemos que contamos mal os nossos dias, que nem os vimos enquanto os vivíamos, floresce uma nova oração diferente. Dilui-se a tristeza pela perca dos dias passados, desaparece a dor pela contagem errada de ontem e nasce uma nova fome: “Sacia-me, agora, com a tua graça-amor-fidelidade (hesed). Sacia-me de manhã e, a partir de hoje, será apenas manhã: a manhã de Deus”. Nasce algo de parecido à alegria paradoxal que Qohélet encontra para lá da ilusão combatida com a desilusão: «É belo e bom comer e beber, e sentir-se feliz em todo o esforço que se tem de fazer debaixo do Sol, nos breves dias de vida que Deus concede ao homem. Esta é a sua sorte» (Ecl 5, 17).
É então muito belo e cheio de esperança ler o último versículo do Salmo: «Confirma em nosso favor a obra das nossas mãos; faz prosperar a obra das nossas mãos» (90, 17). Uma frase repetida duas vezes, como num jogo litúrgico de coros – “a nossa obra, a nossa obra, consolida, consolida”. É espetacular que, no termo de um cântico de profunda meditação sobre a condição humana, como conclusão de um salmo que revelou a caducidade da nossa vida e rezou pela sabedoria do coração, encontremos a obra das nossas mãos: encontramos o trabalho. Talvez porque esta nova manhã chega, quase sempre, dentro dos dias de sempre, dentro do mesmo trabalho, a mesma família, a mesma comunidade de sempre. É uma nova manhã que encontra Sísifo no mesmo exercício de empurrar o mesmo penedo para a mesma montanha. Quando aquele herói trágico, que somos nós, toma, finalmente, consciência do seu destino, e agradece a sua pedra porque compreende que foi aquela pedra a impeli-lo, em cada manhã, para o cume da montanha. Aprende-se a contar bem os dias quando, numa manhã, voltamos ao escritório e, mergulhados nos mesmos papéis de sempre, rodeados pelos mesmos colegas, sentimos na nossa secretária a própria vibração do universo, revemos no movimento da nossa chave de fendas o próprio reflexo do gesto ordenador de Eloim, na primeira manhã da criação.
O Salmo 90 é o único que o Saltério atribui a Moisés: «Oração de Moisés, o homem de Deus» (90, 1). Não sabemos em que momento da vida de Moisés o redator o imaginava a compor este cântico. Para alguns, no Monte Nebo, no termo da sua vida, fora da terra prometida, à espera do beijo de Deus na boca. Talvez; não o sabemos. A mim, agrada-me imaginar Moisés a cantar os últimos versículos deste hino à vida enquanto abençoava e louvava o trabalho dos artesãos que construíam a Arca (Êxodo 35). Olhava-os e rezava: «Consolida a obra das nossas mãos”, e o povo respondia: “Consolida-a”.
Quem sabe, então, se quem compôs este Salmo não tenha começado pelo fim? Enquanto concluía uma sua obra, sente tristeza pela vaidade das coisas, que teria engolido também aquele seu trabalho e experimentou a típica tristeza de quem se encontra diante do efémero da vida. e, ali, nasce uma oração nova: “Dá subsistência a esta obra, que não passe, também esta, como o vento: salva-a, mesmo que não me possas salvar”. Dali, daquele SOS para proteger a obra do mar do nada, o poeta do efémero atingiu o Absoluto e pediu-lhe para aprender a contar os seus dias. E, enquanto fazia essa oração, descobriu que estava já a contar bem um dia, aquele em que estava a terminar o seu trabalho. Trabalhando, manhã após manhã, realizamos a nossa obra e terminamos o nosso voo. Efémero, brevíssimo e estupendo.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 9/08/2020.
«No tempo em que Deus criou as coisas, criou o sol. O sol nasce, morre e regressa. E criou a lua. A lua nasce, morre e regressa… Também criou o homem. O homem nasce, morre e não mais regressa».
Canto sudanês dos Denka
O salmo 90 recorda-nos que se pode vencer a fugacidade da existência afinando o nosso coração com o do universo. E, depois, em cada manhã, continuar o nosso trabalho.
Na origem da vida espiritual há uma experiência de absoluto. Uma experiência rara que acontece, em qualquer idade, quando intuímos que somos apenas um grão de areia neste mar infinito, que o mar e nós temos um sentido e é o mesmo sentido. Se a vida filosófica começa com a maravilha do estar-ao-mundo, a vida espiritual começa com o espanto deste duplo-único sentido; quando compreendemos que somos borboleta efémera, nascemos para voar apenas um dia, mas a exaltação daquele “louco voo” é a própria exaltação do universo. A fotografia que fixa um único momento pode ser belíssima, como o filme mais belo e até mais luminosa. O nosso tempo é um momento, mas tem a mesma qualidade do tempo de Deus. Porque o absoluto entrou no nosso tempo, nós no seu, e tornaram-se o mesmo tempo. E quando conseguimos afinar o nosso coração com o do universo, sentimos o mesmo batimento, descobrimos que os dois pulsam em uníssono – a oração, por vezes, é apenas isso.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 02/08/2020
«Só a palavra do homem, em resposta à palavra de Deus que, substancialmente, é um “não”, atesta a liberdade humana. Por isso, a liberdade de negar é o fundamento da história».
Jacob Taubes, Escatologia ocidental
O exílio é o tempo em que, sentados nas ruínas da “primeira promessa”, podemos pedir a Deus e a nós mesmos para nos tornarmos maiores que a reciprocidade.
A reciprocidade é a bênção e a maldição dos nossos pactos e das nossas promessas. Estamos empapados de reciprocidade, desejamo-la e esperamo-la depois das nossas ofertas, esperamo-la sob a forma de estima, depois de ter entregado a obra do nosso trabalho e nenhum amor consegue florir plenamente se, num dado momento, não se torna amor recíproco. Quando o cristianismo quer sintetizar a mensagem de Cristo numa única lei, não encontrou nada melhor que um mandamento de reciprocidade – “amai-vos uns aos outros”. No humanismo cristão, o amor é ainda imperfeito enquanto não produz outro amor de volta. O ágape, no seu dever-ser, é amar e ser amados. Esta marca de mutualidade, inscrita, indelével, no coração da pessoa e da comunidade, gera uma indigência radical de gratidão e de reconhecimento e, por isso, de esperas e espectativas de reciprocidade que, não raramente, atingem a fronteira da reivindicação. Não controlamos a estima dos outros nem a sua gratidão, mas, sem ela, sentimo-nos parciais, insatisfeitos e incompletos.
[fulltext] =>Eis, portanto, porque muita infelicidade, frustração e até mesmo violência se joga no limite entre desejo e espera, esperar e pretender, liberdade e obrigação. Aprende bem o modo de viver quem, depois de ter aprendido, durante toda a vida, a gramática das muitas reciprocidades, depois de a ter infinitamente amado e compreendido como o pão e a água das relações importantes, consegue, um dia, aprender a ir além da reciprocidade, a viver também sem aquele pão e aquela água. E, ali, começa a idade de uma nova pobreza e de uma mansidão adulta, começa o tempo da mansidão feliz. Porque compreendemos que a nossa dignidade é maior que a reciprocidade e que nenhuma reciprocidade pode saciar a nossa sede e fome de infinito, que nos acompanharão, num crescendo, toda a vida. E a acolher as poucas reciprocidades como puro dom e admiração.
«Hei-de cantar para sempre o amor do Senhor; a todas as gerações anunciarei a sua fidelidade. Proclamarei que o teu amor é para sempre, e que a tua fidelidade é eterna como o céu. “Fiz uma aliança com o meu eleito, jurei a David, meu servo: ‘Estabelecerei a tua descendência para sempre’”» (Salmo 89, 2-5).
O início do Salmo recorda um rito nupcial ou uma aliança entre dois povos onde cada um diz a sua promessa e edifica o pacto como encontro de dois “para sempre”. Depois, em nome do povo, eleva-se o hino de amor: «Os céus celebram as tuas maravilhas, ó YHWH, e a assembleia dos santos, a tua fidelidade… Feliz da nação que sabe louvar-te» (89, 6-16). Por isso, o salmo recorda a Deus a sua promessa: «Outrora declaraste, em visão, aos teus fiéis: “Impus o meu diadema a um herói; escolhi um eleito de entre o povo. Encontrei David, meu servo, e ungi-o com óleo santo… Estenderei o seu poder sobre os mares, e sobre os rios, o seu domínio… Estabelecerei para sempre a sua descendência e o seu trono terá a duração dos céus… Não lhes retirarei o meu favor nem faltarei à minha promessa. Não quebrarei a minha aliança nem mudarei a palavra dos meus lábios”» (89, 20-36). Palavras parecidas às que encontramos na boca do profeta Natã, no Segundo Libro de Samuel (cap. 7), nas quais o salmista se inspira, juntamente aos poemas babilónicos (entre os quais o Enuma Elish).
E é aqui, justamente no versículo 39, onde se encontra o centro dramático do salmo. Quando, depois de ter repetido o seu amor e recordado a Deus o dele, a preposição adversativa “mas tu” imprime uma viragem no cântico e revela o seu sentido: «No entanto, ó Deus, Tu rejeitaste e abandonaste o teu ungido e te aborreceste com ele. Renegaste a aliança com o teu servo, deitaste por terra a sua coroa… Fizeste cessar o seu esplendor, deitaste por terra o seu trono. Abreviaste os dias da sua juventude» (89, 39-46). Eis o exílio, a rocha onde se quebrou a história da salvação, o fumo-vaidade que envolveu a promessa, a espada que cortou o pacto de reciprocidade. Um Salmo composto na Babilónia, quando a grande provação de Israel foi a (quase) certeza que o seu Deus se tivesse esquecido da aliança. Os profetas leram o exílio como consequência necessária da infidelidade do povo – a recordar-nos que é sempre muito difícil atravessar os nossos exílios e sair deles inocentes na alma. Mas por entre as ruínas religiosas, nasce também a oração mais sublime da Bíblia; Israel aprendeu a rezar de modo diferente.
As palavras que formam o esqueleto do salmo são hesed e emét. Hesed é uma dimensão do amor que recorda, sobretudo, a lealdade nas relações duradouras. É o amor leal que, por isso, confina com fidelidade e fiabilidade, isto é, com emét. Emét remete para a verdade e fidelidade e tem a mesma raiz que ’aman (acreditar), emunah (fé) e ámen (é verdade, creio), a palavra com que se conclui este salmo. Na base de emét está a ideia de solidez, de verdade enquanto evidência, de “escorar” (que é o primeiro significado do verbo ’aman). Um sentido escondido também no alfabeto hebraico: emét é composto por três letras que se apoiam firmemente, cada uma, sobre duas “pernas”, enquanto a palavra “falso”, seqer, se apoia apenas num ponto, cambaleia, é instável. É esta a fé bíblica que, diferentemente da grega e da iluminista, não é um ato cognitivo da razão levado a acreditar em princípios ou entes, mas um tomar nota de uma realidade que tem a sua evidência-verdade intrínseca e concreta. São as mãos e os pés os primeiros instrumentos desta fé.
A sobreposição destas duas palavras, que se movem dentro dum perímetro semântico de verdade-fé-fidelidade-lealdade, é a chave para entrar no segredo deste salmo. O salmista pede ao seu Deus, que é o Deus da aliança e, por isso, o Deus do pacto recíproco, que seja maior que a reciprocidade. E a possibilidade desta operação paradoxal está, sobretudo, na semântica da belíssima palavra emét, que significa, ao mesmo tempo, verdade e fidelidade. Regressa, de novo, aquele “recorda-te de ti”, tão comum nos salmos. Quando, sentados nos escombros do passado, no tempo do fracasso e da desventura, a primeira oração nunca é a dos primeiros tempos normais: «Deus, lembra-te de mim». Nos tempos tremendos, o exercício da memória torna-se radical e estupendo. O homem faz uso do recurso de última instância e ousa dizer a Deus: “lembra-te de ti”, recorda-te de quem és. E nasce a oração mais bela, a que dizemos a Deus, mas também a que dizemos entre nós quando, sentados no monte de esterco, do que resta dos nossos pactos, encontramos ainda as forças para um último pedido: “recorda-te de quem eras, recorda-te de quem és”.
A fidelidade a um pacto tem, portanto, a sua raiz e razão na verdade. Uma expressão semelhante, que se lê noutros salmos, é: “por amor do teu nome”. Como a dizer: “Tu, YHWH, não és como nós, que estamos ligados e presos por leis de reciprocidade e de condicionalismos nos nossos pactos. Tu és maior porque és capaz de continuar a ser fiel a um pacto, mesmo quando nós o traímos; tu és Deus porque estás livre também da reciprocidade. Por isso, deves ser fiel ao teu nome, deves ser leal ao teu “para sempre” próprio e porque nós já o não somos. Sê maior que a liberdade que nos destes”. E foi assim que, repetindo estas orações, também nós aprendemos a pronunciar os nossos “para sempre”. Recordando a Deus os seus “para sempre” também nós nos tornámos capazes de os dizer. E, assim, aprendemos o perdão; também nós aprendemos uma fidelidade maior, por amor do “nosso nome”, por uma misteriosa fidelidade verdadeira a nós próprios que nos tornou, por vezes, melhores que as nossas reciprocidades.
Durante séculos, este salmo foi rezado por muitos homens e mulheres que, diante dos escombros da vida adulta, recordaram a Deus a verdade da primeira aliança a da primeira vocação; e, enquanto a recordavam a Deus, recordaram-na também a si próprios, numa experiência de reciprocidade – como adultos, a verdade-fidelidade ao nosso “nome” só pode ressurgir se alguém no-la recorda. Sabemos que, no princípio, houve uma voz verdadeira, um chamamento e uma aliança. Respondemos com generosidade, acreditámos que aquela verdade era mais verdadeira. E começámos o caminho, empoeirámo-nos ao longo do caminho e, um dia, encontrámo-nos exilados, em terra estrangeira, mesmo sem termos saído duma casa ou de um convento. Torna-se adulto, numa vocação, quando se consegue compreender que a vida que estamos a viver não é a que queríamos e nasce uma profunda sensação de infidelidade, uma infidelidade que não é traição, mas revelação da verdade da primeira voz. Por vezes, ao longo destes rios, também nós conseguimos gritar a Deus: “Lembra-te de ti”, para lhe dizer: “eu não consegui conservar a fidelidade ao primeiro pacto, mas tu tens de permanecer fiel. E, se tu és fiel ao pacto comigo, nada me falta, é um bom modo de envelhecer e de morrer”. Se a fé é também corda (fides), então continua-se a escalada e não se cai no precipício enquanto um dos dois não a solte.
Muito bonita e misteriosa é a conclusão do salmo, o seu último “lembra-te”: «Lembra-te, Senhor, das ofensas contra o teu servo; levo no peito os ultrajes de todas as nações» (89, 51). Como não ler aqui um eco do canto do servo de Isaías?! («Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores»: 53, 4). O poeta torna-se, nas suas vísceras (in sinu), imagem do povo sofredor, exilado, humilhado. É muito bonito o comentário de Guido Ceronetti a este versículo: «Se há um princípio unificador, não de invenção teológica, é esta desonra que se compartilha. Mas, neste texto, é também a própria Escritura que fala, e fala de si, com implacável descaramento sagrado, aquele que levou do mundo e no mundo» (Il libro dei salmi, p. 274).
Todos os ventres dos servos e das servas sofredoras da história, foram lugares onde amadureceu uma semente diferente que, um dia, se recolheu no seio de uma virgem. O “Salve, ó cheia de graça” “alegra-te, ó Maria” é a resposta a muitos “Lembra-te, ó Deus”.
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Jacob Taubes, Escatologia ocidental
O exílio é o tempo em que, sentados nas ruínas da “primeira promessa”, podemos pedir a Deus e a nós mesmos para nos tornarmos maiores que a reciprocidade.
A reciprocidade é a bênção e a maldição dos nossos pactos e das nossas promessas. Estamos empapados de reciprocidade, desejamo-la e esperamo-la depois das nossas ofertas, esperamo-la sob a forma de estima, depois de ter entregado a obra do nosso trabalho e nenhum amor consegue florir plenamente se, num dado momento, não se torna amor recíproco. Quando o cristianismo quer sintetizar a mensagem de Cristo numa única lei, não encontrou nada melhor que um mandamento de reciprocidade – “amai-vos uns aos outros”. No humanismo cristão, o amor é ainda imperfeito enquanto não produz outro amor de volta. O ágape, no seu dever-ser, é amar e ser amados. Esta marca de mutualidade, inscrita, indelével, no coração da pessoa e da comunidade, gera uma indigência radical de gratidão e de reconhecimento e, por isso, de esperas e espectativas de reciprocidade que, não raramente, atingem a fronteira da reivindicação. Não controlamos a estima dos outros nem a sua gratidão, mas, sem ela, sentimo-nos parciais, insatisfeitos e incompletos.
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Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 26/07/2020
«A secura que se torna nascente, a muralha que se rompe para que Deus apareça sem aparecer, é a lição maravilhosa do salmo 84».
Guido Ceronetti, Il libro dei salmi.
Uma grande inovação religiosa da Bíblia – e o salmo 84 recorda-no-lo – foi aprender que Deus não está ligado ao seu templo e ao lugar sagrado
Homo viator. Durante dezenas de milénios, o homo sapiens foi nómada e viajante. Seguíamos o ritmo das estações e dos florescimentos, seguíamos a pista do gamo e do bisonte, voltávamos sedentos ao oásis da nascente, especialistas em transumância. Fizemo-lo para sobreviver, corríamos para fugir à morte. Depois, num dado momento, naquele território sulcado e marcado pelos tempos naturais da vida, começámos a descobrir espaços diferentes, a reconhecer lugares especiais; e começámos a marcar as rochas, e erguer estelas, a construir altares. Nasceu o sagrado. Ao longo das antigas pistas, começámos, assim, a parar, não só para recolher, caçar, descansar, beber; começámos a parar noutros lugares porque atraídos por uma presença espiritual que ali se manifestava e mudava a paisagem. O espaço tornou-se qualidade. Já não nos bastava comer, repousar, beber, reproduzir-nos. Já não nos bastava caminhar no trilho do veado. Queríamos conhecer o mistério da corsa e dos seus percursos, descobrir onde terminavam, depois da morte, os que amávamos, saber quem movia o sol e as outras estrelas. Começámos a fazer perguntas novas às coisas e, assim, começámos e ver os deuses. O mundo mudou para sempre, encheu-se de palavras mudas, de linguagens novas, de símbolos. Entre nós, falávamos línguas elementares; eram suficientes para coordenar a caça e ensinar as crianças. Mas aprendemos línguas novas para falar com a natureza, com os demónios e com os anjos – muitas; esquecemo-las quase todas enquanto tornávamos poderosa a linguagem inter-humana, porque as outras línguas podiam viver apenas com a debilidade da nossa.
[fulltext] =>Passaram-se milénios, mudámos muito, mas nunca deixámos de caminhar. Por causa das guerras, dos comércios; mas continuámos também a caminhar para ver Deus nos seus lugares. Quando se chegava ao limiar do templo, entrava-se num outro tempo, sentíamos vivos os nossos mortos, sentíamo-nos familiares dos santos, eram-nos dadas asas de águia para descolar em loucos voos até tocar o paraíso. Aquela entrada era a porta do céu; só o tocá-la significava vencer a morte: só por aquela hora, mas vencê-la verdadeiramente. Esquecíamos as dores da vida, esquecíamo-nos de ser pobres e, nesses dias, o nosso coração experimentava a emoção de se encontrar à mesma altura da dos anjos. Juntamente a novos medos, apreendemos novas gratidões. A experiência do sagrado era a experiência do sublime; por isso, transitória, pontual, incarnada no espaço e no tempo; acontecia apenas ali e, por isso, rapidamente terminava. E era maravilhoso, por vezes assustador, sempre tremendo. Era maravilhosa porque excecional e extraordinária. Tão excecional e extraordinária que pessoas e comunidades, não raramente, naufragavam e afundavam neste mar.
Por isso, não havia viagem mais amada que a peregrinação; agradavam-nos as casas elegantes e imaginadas dos senhores mas, sobretudo, agradava-nos a casa de Deus: «Como são amáveis as tuas moradas, YHWH, Sabaot! A minha alma suspira e tem saudades dos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne cantam de alegria ao Deus vivo!» (Salmo 84, 2-3). Quanto amo, como é amável, que delícia é a tua morada: palavras diferentes para dizer a belíssima palavra hebraica que encontramos também no nome de David, no cântico de amor de Isaías (5, 1), no Cântico dos Cânticos, nos salmos nupciais (45). Não há na Bíblia palavra mais intensa para exprimir amor de desejo, o movimento do coração – o salmo 84 é o cântico de um enamorado.
Mas, chegado junto do templo de Jerusalém, o salmista dá-nos, antes de mais, um pormenor: «Até os pássaros encontram abrigo e as andorinhas um ninho, para os seus filhos» (84, 4). Esta é uma das belezas mais delicadas e surpreendentes da Bíblia. Um homem que chama ao seu Deus «YHWH Sabaot», isto é, Deus dos exércitos e das multidões, que, chegado ao templo nos mostra um pardal e uma andorinha. O infinitamente grande retrai-se para dar lugar ao infinitamente pequeno, a morada imensa de Deus que se encolhe dentro do ninho de um pardal. O Omnipotente que se enrola para entrar no espaço de uma manjedoira.
A primeira bem-aventurança deste salmo é para o passarinho: «Felizes os que habitam na tua casa e te louvam sem cessar» (84, 5). Quase confundindo os louvores cantados pelos sacerdotes do templo com o chilrear do pardal e da andorinha. Ambos habitantes permanentes do lugar mais bonito do mundo, cantores da sua glória, ambos elogiados e um pouco invejados pelo peregrino, habitante temporário desse mesmo eterno.
Mas há uma segunda bem-aventurança no coração do Salmo: «Felizes os que em ti encontram a sua força, e os que desejam peregrinar até ao monte Sião» (84, 6). A bem-aventurança do peregrino torna-se, de imediato, bem-aventurança do caminho: «Ao atravessarem o Bakkà [Vale do Pranto] farão dele um oásis, que as primeiras chuvas cobrirão de dádivas. Eles avançam com entusiasmo crescente» (84, 7-8). É o peregrino que transforma o vale do pranto em oásis; é o seu movimento a fazer florir a terra árida. É o seu pé que fecunda o deserto. Esplêndida reciprocidade Adão-adamah (homem-terra). Continua a guarda do Éden: somos guardiães da terra fazendo-a florir com as nossas mãos trabalhadoras; somos seus guardas deixando nela a nossa marca enquanto a pisamos, nómadas para a casa de Deus. Estes caminhos são feridas da terra donde ressaltam raios de eternidade. Não são ainda o templo, mas o seu desejo já os faz templo. O caminhar é alimento (“avançam com entusiasmo crescente”).
Estes dois versículos estão carregados de símbolos e ambivalências linguísticas, algumas das quais ainda nos escapam. O Corão (Sura III, Al-’Imran: 96) vê no vale de Bakkà o outro nome de Mekka, e a tradição islâmica coloca naquele deserto o peregrinar desesperado da Agar (Gn 21) e o poço (de Zemzem) donde, por intervenção do anjo, Agar consegue água para salvar o filho Ismael. Foram as lágrimas de Agar a primeira “chuva abençoada” sobre aquele vale árido, foi ela a primeira “viajante neste solo árido” (Leopardi). É muito bonita esta ligação profunda entre o salmo 84 e Agar, a escrava de Sara, a quem apareceu o primeiro anjo da Bíblia. Ela, imagem do peregrino pobre, a outra arameia errante, a mostrar-nos que o Deus, no fim da peregrinação, é o mesmo que aparece a uma escrava e a uma criança rejeitada para as salvar.
A viagem termina. Jerusalém é alcançada: «até se apresentarem em Sião diante de Deus» (84, 8). O que via o peregrino no templo? O que via de um Deus invisível e sem imagens? Que teofania num templo vazio, ciosamente guardado no seu vazio? A teologia bíblica cresceu e tornou-se um bem comum universal, graças à capacidade que teve de viver o paradoxo de um Deus invisível que, apesar de tudo, se manifesta, cuja glória habitava verdadeiramente num templo vazio, porque esvaziado de qualquer ídolo. Num mundo antigo do Médio Oriente, povoado por uma infinidade de deuses e ídolos, cada um com o seu rosto visibilíssimo e com os seus santuários cheios de imagens resplandecentes, a Bíblia conseguiu mostrar, aos seus fiéis diferentes, um Deus, sem a necessidade de o ver nem de o tocar. Bastou-lhe um lugar diferente, o templo, para mostrar o invisível-real a quem chegava à sua entrada. Estar num espaço vazio gerou a primeira invocação teológica da antiguidade: não poder ver nem tocar um Deus que se acreditava e sabia verdadeiro, produziu uma ideia de Deus não mais encarcerado na linguagem dos nossos sentidos. O que viam, então, aqueles peregrinos? Já não o sabemos mas, certamente, não viam imagens nem pinturas; viam aquele em que acreditavam pela fé. Talvez a fé nasça quando, peregrinos na entrada de um templo vazio, repetimos: “creio em ti” e, sem o sentir, ouvimos uma voz verdadeira que responde: “Eu sou”.
«Um dia em teus átrios vale por mil; antes quero ficar no limiar da casa do meu Deus, do que habitar nas tendas dos maus» (84, 11). Nos teus átrios, no teu limiar: o peregrino crente é o residente do átrio, acompanhado pelo pardal e pela andorinha, é o habitante do patamar, mulher e homem liminar, que sabe estar à porta da uma moradia vazia, apesar de habitada. Aquele patamar, saboreado um dia em mil, é a melhor posição debaixo do sol. Porque é a posição dos “guardiães do templo”, a da sentinela. O patamar é também o lugar da profecia, de quem caminha, chega e não entra porque, para conservar um espaço vazio, protege-o também da sua própria presença. O espaço do profeta não é o espaço sagrado interior do templo, mas o profano que vai do vale das lágrimas à entrada e, depois, da entrada ao vale de lágrimas, tornado fértil por aquele caminhar e por aquela guarda.
Num outro dia, aqueles peregrinos do absoluto fizeram a experiência mais tremenda e dramática. Aquele templo, a única casa verdadeira do único Deus verdadeiro, foi profanado e destruído por Nabucodonosor. O Salmo 84 e os outos salmos do templo continuaram a ser cantados pelo povo exilado. E eis uma segunda inovação religiosa, talvez a maior: podemos encontrar Deus mesmo sem templo, mesmo sem lugares sagrados. YHWH torna-se peregrino, como nós. E, assim, o desaparecimento do espaço sagrado, já em Israel, todo concentrado no único templo, permite ao povo mutilado libertar-se da necessidade do lugar sagrado para encontrar Deus, intuir que, se há um Deus verdadeiro, este não habita em nenhum lugar porque babita em toda a parte: «Não vi nenhum Templo na cidade; pois o senhor Deus, o Todo-Poderoso, e o Cordeiro são o seu templo» (Ap 21, 22).
As peregrinações continuam e devem continuar, porque quando deixamos de peregrinar à procura de Deus, caminhamos apenas para procurar os ídolos nos seus átrios sem entrada. O Deus que nos espera no fim da viagem, já anda viajante no meio de nós (Mt 18, 20), sem um ninho para descansar. E, uma vez chegados ao patamar, não perguntar: “onde está Deus?”, mas: “onde estamos nós?”.
Se um dia desaparecessem todos os templos, se todo o mundo se tornasse um grande templo vazio (já o é?), dois ou mais peregrinos poderão repetir a mesma experiência maravilhosa do salmo 84, poderão entoar, no mesmo patamar, o seu canto.
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