A árvore da vida

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A árvore da vida / 25 – O dom do Génesis e um voto: sonhar de novo Deus

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 03/08/2014

Logo Albero della vita"Assim lhes falou José e todos riram e choraram juntos e estenderam para ele as mãos e tocaram-no, e José também, estendendo as suas, os acariciou. E assim termina a linda história inventada por Deus de José e os seus irmãos.” (Thomas Mann, José e seus irmãos)

 “Em que é que se ocupam?”, perguntou o faraó aos irmãos de José. “Nós somos pastores de ovelhas”, responderam (47,3). A pergunta sobre a profissão é a primeira na vida de um adulto. Quando não se sabe responder a essa primeira pergunta, quem sofre é o nosso lugar no mundo e não apenas o posto de trabalho. A profissão é a sintaxe com que se compõe o nosso discurso social. 

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Por isso, quando a um jovem não se oferece uma profissão (que, antes de ser talento e trabalho, é um dom: a profissão aprende-se de alguém), ficam a faltar-lhe palavras para falar de si, aos outros e a si mesmo. A grave indigência de postos de trabalho da nossa época é também consequência de uma profunda crise de profissões. Os que foram criados pela cultura artesanal, marinheira e agrícola, de profissões, da fábrica e dos escritórios, estão a contrair-se rapidamente; muitos desapareceram. E, na presente carestia de promessas e de sonhos, nós não conseguimos criar quantos bastem.

Jacob viveu dezassete anos no Egito e chegou aos cento e quarenta e sete anos de idade” (47,28). Sentindo que a morte estava próxima, relê e recapitula a sua longa vida: “O Deus supremo apareceu-me em Luz, na terra de Canaã, e abençoou-me, dizendo: ‘Eu vou fazer com que a tua família cresça e se torne muito numerosa, …’. Quando eu voltava da Mesopotâmia, morreu a minha esposa Raquel, já na terra de Canaã … . Eu sepultei-a ali mesmo, junto ao caminho para Efrata, isto é, Belém” (48,3-7). A vocação, a voz e Raquel. A Aliança, a promessa, as lutas, os abraços, a fidelidade. Os habitantes desta história são as pessoas amadas, os lugares, Deus; todos sempre presentes, todos sempre protagonistas. Quando se tem a graça de estar consciente nos últimos preciosos momentos da vida (é uma graça autêntica), revivem em nós os rostos e os lugares dos amores e das dores, das boas escolhas que fizemos e dos encontros a que faltámos nas encruzilhadas decisivas; e não é raro que o último olhar para um rosto ou lugar seja o da plena reconciliação com a vida, com o qual se arranca a última bênção ao anjo da morte. Somos tempo e somos espaço, que no fim se dissolvem um no outro: Raquel e Belém, El Shaddày e Luz, Paola e o liceu G. Leopardi onde nos encontrámos: todos voltam a estar vivos e dizem connosco as nossas últimas-primeiras palavras.

Depois Jacob pôs as mãos na cabeça dos netos Manassés e Efraim e abençoou-os com palavras de céu (48,15-16). Chamou então os filhos e disse: “Venham ouvir, ó filhos de Jacob” (49,1-2). Pronuncia então para cada filho palavras últimas, “ao dar a cada um delas uma bênção particular” (49,28), sem esconder os erros e culpas (de Rúben, Levi e Simeão). Uma vez mais a bênção mais bela é a dada a José, como num salmo: “José é um potro selvagem, um potro junto de uma nascente; …. Os arqueiros irritam-no, atacam-no e apoquentam-no. Mas os seus arcos ficam hirtos …: bênçãos que descem dos céus, bênçãos que nascem das profundezas da terra, bênçãos dos seios e do ventre …” (49,22-26). Como última vontade pede aos filhos para ser sepultado na gruta de Macpela (49,31), que Abraão tinha comprado “como propriedade” aos hititas (49,30), com contrato formal (50,13), para dar sepultura a Sara. Quando acabou de falar aos filhos, “Jacob deitou-se de novo e expirou, indo juntar-se aos seus antepassados” (49,33). Morre no Egito, mas irá repousar na terra de Canaã.

A esplêndida morte de Jacob – nesta nossa época de inimizade com a morte, e por isso com o limite, precisamos de reler muitas vezes as belas mortes dos patriarcas para nos fazermos amar por elas - deu origem a uma nova crise na fraternidade: “Como o pai tinha morrido, os irmãos de José diziam entre si: ‘Quem sabe se José não está ressentido connosco e se vai vingar do mal que lhe fizemos?’” (50,15). Levados por este receio, fizeram chegar a José uma mensagem que continha (provavelmente) uma mentira: “O teu pai antes de morrer ordenou-nos que te disséssemos da sua parte: ‘Peço-te, por favor, que perdoes aos teus irmãos o seu crime e o seu pecado, pois eles trataram-te muito mal’” (50,16-17). Mas “ao ouvir estas palavras, José pôs-se a chorar”, e disse uma vez mais: “Pensaram em fazer-me mal e Deus permitiu, por saber que isso ia salvar a vida de muita gente”. “Não tenham medo” (50,19-21). Tal como no primeiro perdão, José usa as melhores palavras para qualquer reconciliação: “Não foram vocês; foi Deus”.
Na cura da fraternidade ferida e quando, como no caso de José e seus irmãos, o perdão não é esquecer o passado mas investir num novo relacionamento ‘ressuscitado’, não basta o perdão da vítima: é necessário que quem cometeu o delito acredite verdadeiramente no perdão recebido. Perante o primeiro perdão, os irmãos poderiam ter pensado: “Ele está a fazer isto por nós, ou pelo nosso pai?”. A morte de Jacob faz emergir a dúvida, que evolve para nova crise: mais uma mentira, novo pranto, novo perdão.

Não é raro que a morte de um dos pais provoque uma crise no relacionamento entre irmãos ou irmãs. E não apenas nem principalmente por razões de herança ou interesses. A morte do último dos pais, mesmo quando acontece em avançada idade sua e dos filhos e filhas, é sempre uma passagem decisiva no relacionamento entre irmãos ou irmãs. Regressa-se, realmente, de novo a uma situação de orfandade e experimenta-se que uma profunda raiz seca dentro de nós. O princípio de unidade da família – que era também um ‘lugar’, a casa mãe onde se reuniam, faziam festa, se reconciliavam – deixou de existir, ou existe de modo diferente; é necessário encontrar um novo e renovado. Se o relacionamento tinha anteriormente passado por feridas profundas, por vezes é necessário re-perdoar para dar a quem é perdoado o espaço e o tempo necessários para acolher o nosso perdão: “E assim José tranquilizou os seus irmãos, falando-lhes com toda a delicadeza” (50,21). O perdão não é um ato, é um processo: perdoa-se e volta-se a perdoar, duas vezes, sete, setenta vezes sete. “José morreu aos cento e dez anos de idade. O seu corpo foi embalsamado e colocado numa urna que ficou no Egito”. 

E assim, após vinte e cinco semanas, termina o comentário ao livro do Génesis. A partir do próximo Domingo espera-nos o Êxodo, para seguirmos a mesma voz, a mesma promessa.

Iniciámos esta aventura da alma – dificílima e estupenda – à procura de novas palavras para a economia. Encontrámos muito mais que isso: viajando até ao ‘término da noite’ entrevimos a árvore da vida. Acordámos do sono, fomos chamados à existência no jardim da criação; maravilhados com o ser, falámos com Deus na brisa da tarde, e assistimos ao primeiro cruzar de olhares humanos, ‘olhos nos olhos’. Nos campos, fomos testemunhas do primeiro fratricídio-homicídio; chegou até nós o odor do sangue do primeiro homem-irmão assassinado. Vimos Lamec assassinar uma criança. O tempo parou, morremos também nós com todos os Abel e crianças mortos em todas as guerras do mundo e continuamos ainda hoje a morrer (foi doloroso comentar estes últimos capítulos, enquanto caíam mísseis sobre a ‘terra de Canaã’). Subimos a uma arca construída pelo único justo e fomos salvos: homens, mulheres, animais. Depois do dilúvio detivemo-nos em Babel: ali sentimos a tentação do comunitarismo; ultrapassámo-la e pusemo-nos a caminho, dispersando e salvando-nos ao longo da história. Assim chegámos a Ur dos Caldeus, onde encontrámos um arameu errante, cuja fé numa voz diversa e mais verdadeira o fez partir da terra dos deuses de madeira. Estimámo-lo e agradecemos-lhe por ter acreditado também por nós; e desejámos ser como ele.

Sorrimos por um filho que chegou na velhice; e depois fugimos, expulsos por Sara, para o deserto, juntamente com Agar e Ismael. Com Abraão e Isaac subimos ao monte Moria. Sobre esse monte, e em tantos outros lugares, perdemos e reencontrámos um filho; sobretudo, reencontrámos e escutámos de novo a primeira voz, e acreditámos de novo na sua promessa. Enamorámo-nos por Raquel junto ao poço; e com ela morremos, quando deu à luz Benomi. Atravessamos a vau uma torrente, quando regressávamos para ir ter com o irmão enganado, e ali fomos atacados, combatidos, feridos, abençoados; e com Jacob tornámo-nos Israel. Vimos o paraíso, sonhámos anjos e sonhámos Deus, o sonho dos sonhos. Por fim, com José, encontrámo-nos dentro de um poço-sepultura, de onde ressuscitámos para chegar ao Egito e nos tornarmos intérpretes de sonhos. Lá, na companhia de Thomas Mann, reaprendemos a fraternidade, compreendemos que a terra prometida é a terra de todos, descobrimos a importância dos sonhos. Antes e acima de tudo, fomos inundados, submersos, arrastados, amados por bênçãos, que foram bem mais numerosas que a muita ambiguidade e maldade que encontrámos também, sentindo-as vivas na carne. Bênçãos que, mil vezes e de mil modos, nos disseram que a última palavra sobre o mundo e sobre o homem não é a de Caim, ainda que seja a que mais se faz ouvir em toda a terra, ontem, hoje, talvez amanhã.

O Génesis deu-nos ouvidos para ouvir outras vozes, menos barulhentas mas mais verdadeiras; procurar captá-las na balbúrdia da história é a nossa primeira tarefa, se quisermos permanecer humanos, seres espirituais capazes de infinito. Mas, mais que qualquer outra coisa, deixou dentro de nós uma pergunta, que é também compromisso, grito, desejo: quando recomeçaremos a sonhar Deus?

 

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A árvore da vida / 25 – O dom do Génesis e um voto: sonhar de novo Deus

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 03/08/2014

Logo Albero della vita"Assim lhes falou José e todos riram e choraram juntos e estenderam para ele as mãos e tocaram-no, e José também, estendendo as suas, os acariciou. E assim termina a linda história inventada por Deus de José e os seus irmãos.” (Thomas Mann, José e seus irmãos)

 “Em que é que se ocupam?”, perguntou o faraó aos irmãos de José. “Nós somos pastores de ovelhas”, responderam (47,3). A pergunta sobre a profissão é a primeira na vida de um adulto. Quando não se sabe responder a essa primeira pergunta, quem sofre é o nosso lugar no mundo e não apenas o posto de trabalho. A profissão é a sintaxe com que se compõe o nosso discurso social. 

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No final da noite e para além dela

A árvore da vida / 25 – O dom do Génesis e um voto: sonhar de novo Deus por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 03/08/2014 "Assim lhes falou José e todos riram e choraram juntos e estenderam para ele as mãos e tocaram-no, e José também, estendendo as suas, os acariciou. E assim t...
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A árvore da vida / 24 - Para encontrar de novo o filho, todo o pai volta a ser filho

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 27/07/2014

Logo Albero della vita"'Quem é aquele homem … ataviado com todo o esplendor deste mundo…? ’, perguntou Jacob. (…) ‘É o teu filho José, meu pai’ – tornou Judá. (Jacob) … examinou detidamente e com atenção aquele rosto egípcio com um olhar em que se misturavam o amor e a tristeza, tristeza, sim, de não reconhecer a seu filho. Sob o olhar do ancião, os olhos de José foram-se enchendo lentamente de lágrimas. O seu negror inundou-se de pranto que caiu sobre as suas faces e então, sim, Jacob viu neles os olhos de Raquel, ...” (Thomas Mann).

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Para observar uma existência, o melhor ponto de vista é o último. O sentido pleno e mais verdadeiro de uma vida, na sua totalidade, revela-se no final, quando a vocação se cumpre, e o desígnio se manifesta. Assim sendo, para quem tem a graça de lá chegar, a velhice é uma fase decisiva da vida; é então que, à luminosa luz do pôr do sol, se pode colher a trama da nossa história.

Quando a vida natural parece chegar ao fim, poderá acontecer que, no outono da existência, a vida espiritual experimente uma nova primavera, decisiva (existem muitas primaveras nos outonos da vida, mas nem sempre se tem a capacidade de as reconhecer, mesmo em quem vive debaixo do mesmo teto). Recomeça, então, a caminhada, a aventura da alma retoma o entusiasmo da juventude. Foi assim a vida dos patriarcas, a vida de Jacob: já velho, põe-se de novo a caminho em direção ao Egito, seguindo a mesma voz que, quando era jovem, o tinha chamado em Betel.
Após a reconciliação com os irmãos, José envia-os irmãos a Canaã para que tragam para o Egito Jacob e todo o clã familiar, “mesmo que ainda venham mais cinco anos de fome” (45,11). “A cada um deles deu roupas novas”. A Benjamim, como ele filho de Raquel, “deu trezentas moedas de prata e cinco mudas de roupa” (45,22).

A veste real multicolor de mangas compridas que o pai Jacob lhe tinha dado (37,3), estivera no centro do conflito entre o jovem José e seus irmãos. A veste que lhe fora tirada antes de o lançarem na cisterna do deserto (37,23) e entregue ao pai manchada com o sangue de um cabrito degolado (37,31), torna-se agora um dom de José aos irmãos. Todos recebem uma veste nova; onze vestes imaculadas assumem o lugar da vesta manchada pela inveja. Onde um dia abundou a culpa sobreabunda agora a charis.

José ainda está vivo” (46,26): comunicam os filhos a Jacob-Israel. Ao contrário deles, Jacob (e talvez também Benjamim e as mulheres) estava convencido de que o sangue da capa era de José, morto por um animal feroz. Tinha vivido muitos anos com esta dor no coração. Perante a notícia da ‘ressurreição’ do filho, ao princípio, Jacob-Israel (“nem reagiu, pois não podia acreditar no que diziam”, 45,26); mas quando o convenceram “ganhou nova vida e então exclamou: “Basta-me que o meu filho esteja ainda vivo. Quero ir vê-lo antes de morrer!” (45,28). Deseja ir, mas antes de partir precisa de realizar algo importante: “Jacob pôs-se a caminho do Egito com tudo o que era seu. Chegou a Bercheba e ofereceu sacrifícios ao Deus de Isaac, seu pai” (46,1). Deixa Hebron, a terra da promessa, e dirige-se à casa onde tinham vivido como imigrantes seu pai Isaac e sua mãe Rebeca, no mesmo deserto de Bercheba para onde tinha fugido Agar, a escrava mãe de Ismael. Fora ali que, durante um período de muita fome, Isaac tinha encontrado o YHWH num momento decisivo da sua vida. Falara-lhe, anunciara a promessa, e dissera-lhe: “Não vás para o Egito, mas fica na terra que eu te indicar” (26,2). Agora, por causa de outro período de fome, ao contrário de seu pai, Jacob está para deixar a terra de Canaã, precisamente em direção ao Egito que o Senhor tinha vedado a Isaac. O Egito fora negado a seu pai porque era outra a terra prometida pelo YHWH: a terra de Canaã, que Jacob habitava agora. A primeira voz que tinha falado a Isaac, prometendo-lhe uma terra que não era o Egito, não podia ter a mesma força da voz do seu coração de pai que deseja voltar a ver um filho que durante décadas pensou estar morto. No humanismo bíblico as vozes não são todas iguais; e a salvação está em identificar e seguir a voz mais verdadeira; não será a mais cómoda nem a dos falsos profetas ou dos deuses de madeira, nem mesmo a simples voz do coração. Aqui temos, pois, Jacob que regressa à terra de Isaac – no mundo da Bíblia também os lugares têm vocação – para compreender, para rezar, para escutar, para discernir as vozes, para escolher. E também desta vez “Deus apareceu-lhe durante a noite e chamou por ele: ‘Jacob! Jacob!. Ele respondeu: ‘Estou aqui’. Deus acrescentou: ‘Eu sou o Deus do teu pai. Não tenhas medo em ir para o Egito … José é que há de fechar-te os olhos, quando morreres” (46,2-4). Só então Jacob sabe que a voz que fala e o chama duas vezes (que o re-clama: “Jacob, Jacob”) é a voz do Deus de seu pai, a voz do YHWH; e se é a mesma voz que tinha negado o Egito a Isaac que agora o manda ir para lá, então já pode, deve mesmo partir.

Para de novo ouvir a voz e compreender, Jacob não foi a Betel, o lugar onde tinha recebido a sua primeira vocação, onde tinha visto os anjos, o paraíso (28,13-22). Mas volta à terra dos seus pais, quer escutar novamente o mesmo Deus de Isaac, no lugar do pai, da mãe. Pretende ouvir de novo chamar pelo nome a mesma voz verdadeira, a voz que nunca o enganou, a voz da Aliança e da promessa.
É frequente – e para quem se esforça por viver na verdade é mesmo muito frequente – que antes de uma escolha, de uma decisão importante, se regresse aos ‘pais’, à terra deles, aos seus lugares; principalmente quando se está para fazer uma escolha que vai na direção oposta à que constituia a primeira aliança, a promessa, a vocação. Volta-se à casa mãe à procura de sinais, esperando ouvir de novo uma voz mais profunda, em busca de certezas mais verdadeiras, para reencontrar o sentido da vida, da vocação, da promessa. Para de novo ouvir chamar o nosso nome.

A empresa familiar atravessava um longo período de dificuldade. Chegou a proposta de uma multinacional para a comprar por um valor alto. ‘Deverei eu vender a empresa fundada pelo avô, que foi a vida dos meus pais, a grande história da família, a mais bela história que nos contámos? Deverei ser eu a escrever a última palavra desta história?’. Está a chegar a data limite, as noites estão a tornar-se difíceis e compridas. Luís sente-se impelido a entrar no primeiro barracão, já sem uso, mas onde estão ainda vivos e verdadeiros inteiros fragmentos de história, de relacionamentos, palavras, sofrimentos; coração e carne. Foi naquele armazém que o pai lhe ensinou o ofício. Dalí segue até à velha casa de aldeia do avô onde, na sua oficina, tinha aprendido a trabalhar a madeira; tinha ouvido contar os gloriosos primeiros tempos da fundação da empresa, depois do regresso da América; os tempos da guerra, a carestia, a fome, a ida para a frente da guerra, as mortes tremendas e sempre vivas dos filhos. E naquele silêncio ‘habitado’ procura captar as antigas vozes; tenta identificar a voz da juventude, quando tudo era claro e transparente, a voz que o levou a renunciar a um lugar seguro para continuar aquela história. Para compreender se a voz que agora parece dizer ‘vende’ é a mesma voz boa que um dia lhe disse ‘fica’. São autênticas peregrinações, nas quais, inconscientemente talvez, se procura a bênção dos pais para as difíceis escolhas de hoje. Será necessário fazer mais alguma coisa, não devemos deixar de mendigar bênçãos, sobretudo quando as vozes boas já não nos falam nas nossas casas, quando há que reformar pactos sociais, nos sete anos de vacas magras (2008-2015).

Na casa dos pais, Jacob voltou a ouvir a mesma voz, entendeu que deveria partir, e partiu. Será no Egito e não na terra de Canaã que irá fechar os olhos. Já velho – “Vivo neste mundo há cento e trinta anos”, dirá ao Faraó (47,9) – foi chamado a deixar a terra da promessa, a pôr-se novamente a caminho para uma terra estranha (47,4) e a lá morrer, exilado. Aquele ‘sim’ da velhice foi o decisivo; não menos decisivo que o primeiro, pois foi a realização plena da sua vocação.

Era preciso chegar ao termo da história de Jacob para termos aberto diante de nós um dos tesouros mais preciosos de toda a Bíblia: a terra prometida não é um território para ocupar: é seguir uma voz. Então, todas as terras, mesmo a terra prometida, é terra estrangeira, porque a terra é dom, habita-se provisoriamente, não se possui. Todo o homem que segue uma ‘voz’ é estrangeiro na terra inteira e por toda a vida. A boa casa do humano é a tenda do nómada.
Quando eles chegaram a Góchen, José mandou que preparassem o seu carro para ir lá receber o seu pai, Israel. Quando se apresentou diante do seu pai, abraçou-o e ficou a chorar muito tempo abraçado a ele. Jacob disse a José: ‘Agora já posso morrer, depois de saber que estás vivo e de eu próprio te ter visto’” (46,29-30).

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A árvore da vida / 24 - Para encontrar de novo o filho, todo o pai volta a ser filho

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 27/07/2014

Logo Albero della vita"'Quem é aquele homem … ataviado com todo o esplendor deste mundo…? ’, perguntou Jacob. (…) ‘É o teu filho José, meu pai’ – tornou Judá. (Jacob) … examinou detidamente e com atenção aquele rosto egípcio com um olhar em que se misturavam o amor e a tristeza, tristeza, sim, de não reconhecer a seu filho. Sob o olhar do ancião, os olhos de José foram-se enchendo lentamente de lágrimas. O seu negror inundou-se de pranto que caiu sobre as suas faces e então, sim, Jacob viu neles os olhos de Raquel, ...” (Thomas Mann).

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Mendigos de bênçãos

A árvore da vida / 24 - Para encontrar de novo o filho, todo o pai volta a ser filho por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 27/07/2014 "'Quem é aquele homem … ataviado com todo o esplendor deste mundo…? ’, perguntou Jacob. (…) ‘É o teu filho José, meu pai’ – tornou Judá. ...
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A árvore da vida / 23 – José e o milagre da reconciliação - ressurreição

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 20/07/2014

Logo Albero della vita

“'Sou eu. Eu sou o vosso irmão José'. 'Certamente é ele, certamente é ele!' – gritou Benjamim, sufocando quase de alegria. E precipitando-se para José, subiu os degraus e caiu de joelhos, abraçando-se nos do irmão recém-achado. Jashup, José-el, Jeosif, soluçou com a cabeça lançada para trás, para contemplar o rosto do seu irmão. 'És tu, és tu, certamente! Não morreste'”. (Thomas Mann) 

Acompanhar uma vocação que se desenvolve e realiza é uma das experiências humanas mais assombrosas. É um dom especialmente precioso em períodos de carestia de ‘vozes’ e sonhos, quando mais fortes se tornam o desejo de gratuidade e a nostalgia de histórias de pura charis que só quem recebe uma vocação pode viver e fazer viver.

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Qualquer vocação autêntica – seja ela artística, religiosa ou civil – é, portanto, um bem público; tanto ou mais ainda que uma fonte, uma floresta ou um oceano, porque a presença de vocações que chegam à maturidade torna a terra de todos um lugar melhor para viver, para morrer; para criar e educar crianças. A Bíblia é também um cofre onde – desde há milénios – estão guardadas muitas grandes histórias de vocações. Conservadas para nós, apenas. Para que possamos revivê-las, encarná-las, fazer com que sejam a nossa história; para assim tornarmos melhor a nossa vida e a vida de todos.

Em Canaã, ainda moço, José tivera, em sonho, o anúncio da sua vocação: viu o seu feixe direito no meio do campo e os outros onze feixes (os irmãos) prostrando-se diante dele (37,7). Tal como José, também nós agora, só passados muitos anos e muito sofrimento conseguimos interpretar verdadeiramente os sonhos da juventude. Por vezes é precisa a vida inteira e montanhas de sofrimento para decifrar os sonhos – nossos e de outros; para compreender que talentos que inicialmente pareciam até uma ameaça – de um irmão (colega, ou membro da comunidade em que vivemos …) – eram afinal a salvação para todos.

Eu sou José. Meu pai ainda está vivo? … sou José, o vosso irmão que vocês venderam para o Egito” (45,3-5). O ponto culminante do ciclo de José concentra-se em poucos, humaníssimos e estupendos versículos. Antes deste pranto-grito José era irmão por ser filho do mesmo pai; agora volta a ser irmão porque gerou na dor-amor um novo laço de fraternidade. A fraternidade do ‘sangue e basta’ não salvou nunca ninguém; é mesmo frequente causa de injustiça, privilégio, discriminação ou violência. A primeira fraternidade natural de José morreu ao memo tempo que o cabrito com cujo sangue os irmãos mancharam a sua veste real para fazer crer a Jacob que ele morrera (37,31). Agora, depois dos anos passados no Egito, José e os seus irmãos renascem para uma nova fraternidade, ressucitada da morte da fraternidade de sangue.

No pranto de José, junto com a palavra irmão está também a palavra pai: ‘Meu pai ainda está vivo’? Fraternidade e paternidade. Ao longo de todo o ciclo de José, que é uma grande narrativa sobre a fraternidade, o pai Jacob e a mãe Raquel de modo algum estão ausentes. São uma presença constante, co-protagonistas essenciais da história, mesmo se afastados do centro da cena para deixar espaço ao desenrolar da metamorfose da fraternidade entre os filhos.

Diferentemente da fraternidade da revolução francesa, a fraternidade bíblica, não é fraternidade sem ou contra a paternidade. A paternidade-maternidade dizem história e destino comum, são raiz e corda (fides) que nos liga uns aos outros através do tempo. Diferentemente dos grandes mitos gregos sobre a paternidade (negada em Édipo, ou esperada do mar em Telémaco), a paternidade bíblica está ao serviço da fraternidade; é memória da Aliança e garantia da confirmação da Promessa. A paternidade-maternidade é também lugar de recomposição da fraternidade: Isaac e Ismael reencontram-se à cabeceira de Abraão, Esaú e Jacob à cabeceira de Isaac. O Génesis diz-nos que a reconciliação verdadeira apenas é possível no âmbito de um pacto, voltando a acreditar, juntos, na mesma promessa, num caminho comum. À sombra (tutelar) de um pai – mesmo se afastado e não intrometido – a reconciliação dá-se no Egito, longe de casa.
...abraçou-se a Benjamim a chorar e Benjamim chorava igualmente abraçado a José. A seguir José beijou todos os seus irmãos a chorar e só depois é que os irmãos conseguiram falar com ele” (45,14-15). Quando estavam em Canaã os irmãos “nem sequer o saudavam” (37,4). Agora falam com serenidade nova e mais bela. O sinal mais eloquente de relacionamentos quebrados é o deixar de se falar. Poucas são as experiências mais feias que as vividas por colegas de trabalho ou vizinhos de casa que não se falam, não por se não conhecerem, mas porque deixaram de falar-se devido a conflitos. Desaparece a palavra, que é pão quotidiano dos nossos relacionamentos e, com ela, termina a vida boa, a alegria, e muitas vezes até a empresa acaba. Quando não se fala com os colegas, ou quando não se fala ‘serenamente’, é difícil acordar de manhã, as horas de trabalho nunca mais acabam, e por vezes chega-se a ficar doente. Os silêncios relacionais são sempre muito tristes; são tristíssimos e desumanos quando acontecem entre irmãos e irmãs, dentro da mesma casa. Então a palavra que se apaga não se limita a tirar a alegria: faz-nos ‘morrer’, retira a bênção às obras das nossas mãos, faz com que os filhos cresçam mal (o primeiro ato de amor para com um filho é esforçar-se por lhe proporcionar relações primárias recompostas). Quando se recomeça a ‘falar serenamente’ depois de anos de silêncio errado e tremendo (o que, graças a Deus, acontece – pois o mundo é amado por Ele, apesar de o ter esquecido), quase sempre as primeiras palavras são lágrimas e beijos mudos de paz (‘beijou todos os seus irmãos a chorar’). São estas as primeiras palavras que conseguimos dizer uns aos outros, principalmente quando somos nós que estamos na condição de precisar de perdão: “Mas eles nem conseguiam responder” (45,3).

Lendo bem nas entrelinhas desta reconciliação, descobre-se ainda uma nova dimensão da vocação de José, fundamental para a fraternidade nova. Até ao momento em que revela ser quem é, José tinha primeiro sonhado, depois contado os seus sonhos e, por fim, tornara-se intérprete de sonhos dos outros. Para reconstruir o relacionamento com os irmãos já não interpreta sonhos; passa a interpretar uma história, a história da fraternidade negada e reconstruída. O seu talento consiste agora em oferecer uma interpretação salvífica de factos realmente vividos. Não acusa ninguém, não exige nada, não condena; pronuncia as únicas palavras que poderiam levar à reconciliação: “Não se aflijam nem tenham remorsos por me terem vendido para aqui, porque foi Deus que me enviou à vossa frente para podermos sobreviver”. E conclui, afirmando de novo: “Não foram, portanto, vocês que me mandaram para aqui; foi Deus que me enviou” (45,5-8).

É uma obra-prima da arte da reconciliação depois de feridas profundas. A vítima – José – toma sobre si o mal que os irmãos tinham provocado, a ele e ao pai e faz a sua interpretação mais bela, a única que poderia sanar e reconciliar: ‘Não foram vocês; foi Deus’. Para curar a fraternidade traída não existem outras palavras. São precisas palavras que olhem para o passado de um modo diverso; que o amem e salvem. Para curar em profundidade uma grande traição, é imperioso descobrir uma leitura dos factos que evidencie o bem que nasceu do mal. Estas leituras (só as vítimas as podem fazer) não são nem simples nem indolores; é preciso que sejam verdadeiras e não inventadas; é necessário muito esforço-amor para descobrir uma verdade de bem mais verdadeira que a que vemos diante dos olhos. Sem tal interpretação transformante, que tem a força de ressuscitar relações mortas, a reconciliação é frágil; à primeira crise regressam a revindicação, a acusação recíproca, o sentimento de culpa; e a antiga ferida sangra de novo. ‘O teu egoísmo provocou imensas perdas à empresa, enorme sofrimento à família. Mas durante estes anos todos nós crescemos, e graças àquela dor, podemos agora recomeçar uma vida nova e ainda mais bela’. O mal que se fez é sempre mal (‘… vosso irmão, que vocês venderam para o Egito’), mas a efetiva possibilidade de recomeçar depende da interpretação dos frutos de vida que nasceram também do mal feito e suportado. Também na história dos povos os momentos mais altos no plano moral são fruto de leitura diversa de fratricídios passados que os faz ressurgir hoje na fraternidade. Já o fizemos; podemos e sabemos fazê-lo, portanto. Estas interpretações difíceis do passado são experiências coletivas, mas não acontecem sem a presença de pelo menos um “José”, de uma ou mais pessoas-vítima, concretas e grandes; capazes de palavras diversas.

A palavra cria e é eficaz; é um dos grandes dons do livro do Génesis. A história de José diz-nos algo de novo: a palavra é capaz de recriar até as nossas relações quebradas, fazê-las ressurgir dos sepulcros-poço em que a nossa maldade insiste em lançá-las. É possível curar com a palavra a nossa fraternidade ferida, doando interpretações de história que a ressuscitam. É possível uma fraternidade diferente, mais profunda e universal que a do sangue; é o dom maior que José continua a oferecer-nos. Se a Bíblia pôs no centro da história da Aliança e da Promessa uma fraternidade que morreu e ressuscitou, é porque o milagre de um fratricídio que se transforma em nova fraternidade é possível, faz parte do repertório das coisas humanas. Pode repetir-se sempre e em toda a parte; aqui e hoje também.

 

 


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A árvore da vida / 23 – José e o milagre da reconciliação - ressurreição

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 20/07/2014

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“'Sou eu. Eu sou o vosso irmão José'. 'Certamente é ele, certamente é ele!' – gritou Benjamim, sufocando quase de alegria. E precipitando-se para José, subiu os degraus e caiu de joelhos, abraçando-se nos do irmão recém-achado. Jashup, José-el, Jeosif, soluçou com a cabeça lançada para trás, para contemplar o rosto do seu irmão. 'És tu, és tu, certamente! Não morreste'”. (Thomas Mann) 

Acompanhar uma vocação que se desenvolve e realiza é uma das experiências humanas mais assombrosas. É um dom especialmente precioso em períodos de carestia de ‘vozes’ e sonhos, quando mais fortes se tornam o desejo de gratuidade e a nostalgia de histórias de pura charis que só quem recebe uma vocação pode viver e fazer viver.

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Irmãos, mas sempre com o Pai

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A árvore da vida / 22 - José e o perdão: não é apenas esquecer

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 13/07/2014

Logo Albero della vitaAceita o meu oferecimento! Guarda-me como refém em lugar do menor … Eu expiarei por todos nós. Aqui, diante de ti, estrangeiro, tomo o tremendo juramento que nós, os irmãos fizemos, tomo-o com as mãos ambas e parto-o em dois sobre os meus joelhos. Ao nosso undécimo irmão, o cordeiro do pai, o primeiro filho da esposa verdadeira, não o devorou nenhuma besta-fera: nós, os irmãos, o vendemos ao mundo” (Thomas Mann, José e seus irmãos) .

Para curar feridas profundas das relações primárias da nossa vida (a fraternidade) é preciso tempo, é vital. Ninguém consegue reconciliar-se verdadeiramente se não permitir que a dor-amor entre até à medula da relação doente, seja absorvida e, lentamente, a cure. São sobretudo necessárias ações que, com a linguagem do comportamento que desejamos, digam com verdade ‘recomeçar’.

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A segunda parte do ciclo de José é uma esplêndida lição sobre o processo de reconstrução da fraternidade negada, sobretudo quando há uma vítima inocente que, depois de longo e doloroso caminho, consegue chegar ao perdão e à reconciliação. Após os primeiros sete anos de abundância ("de vacas gordas"), houve uma duríssima carestia, "mas no Egito havia comida" (Génesis 41,54). A carestia atingiu também Caanã. Jacob-Israel "soube que no Egito se distribuiam rações de trigo" (42,1), e enviou os filhos à terra do Nilo. Eles partiram; ficou apenas Benjamim, o mais novo, filho seu e de Raquel. Jacob quis que ficasse consigo "porque receava que lhe acontecesse alguma desgraça" (42,4), como a que anos atrás acontecera a José, agora “vizir”, que iriam encontrar no Egito (41,40). Não raramente são as “carestias” que nos fazem chegar à reconciliação depois de anos de conflito. Jovem ainda, José fora vendido como escravo pelos mesmos irmãos que agora, adulto, nutre com o seu trigo, salvando-os.

É uma obra prima a narrativa da Bíblia que tem início com a chegada ao Egito dos irmãos. José reconhece-os imediatamente, mas "eles não o reconheceram" (42,8). Não se diz muito das emoções de José naquele encontro; apenas que se dirigiu a eles "como se não os conhecesse"; "dirigiu-se a eles com maneiras duras" (42,7); "estava a lembrar-se dos sonhos que tinha tido a respeito deles" (42,9). Acusou-os de serem espiões, mandou pô-los na prisão. Para os libertar, exigiu que voltassem a casa e trouxessem com eles o "irmão mais novo" (42,15), Benjamim. Como garantia de que regressariam, reteve um deles (Simeão) que mandou prender (42,24). Os nove irmãos voltaram a Caanã e José encena uma primeira prova para verificar a efetiva transformação do coração dos irmãos. Sem que eles soubessem, mandou pôr dentro dos sacos de trigo o dinheiro com que tinham pago (42,25). Quando abrirem os sacos – pensava – ficarão com o dinheiro e não voltarão para libertar Simeão (vendê-lo-ão por dinheiro, como fizeram com ele) ou, pelo contrário, virão resgatá-lo? “Qual terá sido o verdadeiro motivo por que me venderam aos comerciantes?’, ter-se-á perguntado José durante os anos que passou no Egito. Terá sido apenas pelas vinte moedas de prata?. E agora, irão fazer o mesmo com outro dos irmãos? Ou estarão diferentes?”

Com frequência, nos conflitos importantes entre “irmãos”, mais tarde ou mais cedo a questão aparece: foi por dinheiro? Por causa da herança? Para ficar com a casa? Foi mesmo por assim tão pouco que nos ferimos, que quebramos os laços de fraternidade, que fizemos “morrer” os pais? Este sofrimento todo por míseros vinte dinheiros?
Os irmãos encontram o dinheiro nos sacos (42,28), mas não quiseram ficar com ele: com dificuldade convenceram o pai Jacob (43,6-12), e regressaram ao Egito levando com eles Benjamim, o dinheiro encontrado nos sacos para o devolver e muitos presentes. José assume uma atitude diferente: convida-os para almoçar (43,41); à vista de Benjamim "ficou tão profundamente emocionado com o seu irmão que sentiu necessidade de chorar. Por isso retirou-se rapidamente para o seu quarto e pôs-se a chorar" (43,30).

José não se tinha ainda revelado como irmão; o processo de recomposição da fraternidade não se tinha ainda completado. Surge então novo golpe de cena: José dá ordem ao mordomo para esconder uma taça sagrada na cesta de Benjamim (44,2). Os onze irmãos partem de regresso a casa, mas o mordomo alcança-os e acusa-os do roubo da taça. Eles negam; certos da sua inocência afirmam: "Se algum de nós tiver essa taça seja condenado à morte" (44,9). Mas quando a taça foi encontrada no saco de Benjamim, "rasgaram as vestes". Abatidos, regressam à casa de José; aí se desenrola a segunda prova de arrependimento e conversão que vai ao coração da relação de fraternidade.

Judá – o que tivera a ideia de vender José – diz ao irmão: "Peço-lhe que me deixe ficar a mim como seu escravo, para que este rapaz possa voltar a casa com os seus irmãos" (44,33). Os irmãos tinham já dado prova de não quererem trocar Simeão por dinheiro; agora Judá mostra o seu coração novo, oferecendo-se no lugar de Benjamim.
De facto, após certas feridas, para começar de novo não bastam as palavras; mesmo na cultura bíblica fundada sobre e pela Palavra. José teria podido interrogar os irmãos para verificar se estavam arrependidos. Mas quis verificar, sem que eles soubessem, as suas ações. Depois de uma traição conjugal, de uma grande burla da parte de um irmão ou sócio, por exemplo, não basta dizer “perdoa-me”, “desculpa lá”. É necessário, mas não é suficiente: são precisos factos, comportamentos, expiações, penitências. Não se trata de vingança nem de pagar na mesma moeda, pelo contrário: é por amor. Se intencionalmente atraiçoaste o pacto matrimonial, se verdadeiramente queres reinvestir na família e começar de novo, não bastam palavras; nem uma prenda ou um jantar. É preciso que demonstres com atos “caros” e inequívocos a tua vontade de recomeçar, que queres mesmo acreditar de novo na relação entre nós, que desejas sarar a ferida que provocaste. O perdão bíblico é o per-dão que faz nascer de novo; não é “esquecer” o passado, mas sim recordação dolorosa para reconstruir um novo futuro. É perdão que tende para a reconciliação.

Cada família, fraternidade, ou comunidade sabe que ações concretas são necessárias; mas sem estes atos a reconciliação não se dá, ou é demasiado frágil. Os relacionamentos são coisas “incarnadas”; não são meros sentimentos ou boas intenções. Os nossos relacionamentos são “terceiros” que estão diante de nós, vivos connosco e como nós. Tal como os filhos, são da nossa “carne”. E quando um relacionamento é negado ou traído, é ferida a sua carne; é esta carne que, com tempo e ações, precisa de ser sarada. É esta uma grande lição do humanismo bíblico que nos revela a lógica do sacramento da reconciliação (não se entende nenhum “sacramento” sem uma ideia “incarnada” dos relacionamentos e da vida). Foi por essa lógica que um relacionamento (o Espírito) se pôde chamar Pessoa.

José sugere-nos, além disso, que muitas reconciliações após graves traições não duraram muito porque lhes faltou o tempo necessário para o percurso de reconciliação; estes processos são muito penosos para todos (José chora repetidas vezes ao longo destes capítulos). Requere-se a virtude da fortaleza, sobretudo a quem deve aceitar o arrependimento e perdoar; a tentação maior será a de parar cedo demais (por piedade, talvez), não permitindo então que o tempo cure o relacionamento, indo até ao fundo da ferida. Quando se sabe resistir, purificam-se os sentimentos de todos (também os de José). O perdão dos inocentes conta-se entre as poucas ações que comovem o Céu. Só na história podemos viver e para todos os eventos marcantes da vida o tempo é essencial: regressar a Caanã, nove meses no seio da mãe, três dias no sepulcro.

Por fim, neste fresco de reconciliação o dinheiro ocupa um lugar especial. O dinheiro metido nos sacos e mais tarde restituido não é apenas prova de arrependimento e conversão. Na verdade, José volta a pôr o dinheiro nos sacos na segunda viagem, também (44,1), depois de os irmãos ultrapassarem a primeira prova “económica”. Quer isso então dizer que na restituição do dinheiro pode esconder-se um tesouro. Quando os namorados se deixam (assim era antigamente) restituem os presentes porque quando não existe amor os objetos deixam de ser “bens” e passam a ser “males”. A história de José mostra-nos que quando se nega a fraternidade se deve restituir também o dinheiro dos contratos. O preço que se paga a advogados em litígios por heranças ou conflitos em empresas familiares não produz qualquer bem. O dinheiro é sempre uma má moeda para sanar relacionamentos; é péssima, então, quando está em jogo a fraternidade. Sem um novo pacto de reconciliação, a nossa fome de trigo nas carestias de fraternidade não pode ser saciada por nenhum contrato: "Voltarão a habitar debaixo da minha proteção: reviverão como o trigo, florescerão como a videira, serão famosos como o vinho do Líbano" (Oseias, 14,8).

 

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A árvore da vida / 22 - José e o perdão: não é apenas esquecer

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 13/07/2014

Logo Albero della vitaAceita o meu oferecimento! Guarda-me como refém em lugar do menor … Eu expiarei por todos nós. Aqui, diante de ti, estrangeiro, tomo o tremendo juramento que nós, os irmãos fizemos, tomo-o com as mãos ambas e parto-o em dois sobre os meus joelhos. Ao nosso undécimo irmão, o cordeiro do pai, o primeiro filho da esposa verdadeira, não o devorou nenhuma besta-fera: nós, os irmãos, o vendemos ao mundo” (Thomas Mann, José e seus irmãos) .

Para curar feridas profundas das relações primárias da nossa vida (a fraternidade) é preciso tempo, é vital. Ninguém consegue reconciliar-se verdadeiramente se não permitir que a dor-amor entre até à medula da relação doente, seja absorvida e, lentamente, a cure. São sobretudo necessárias ações que, com a linguagem do comportamento que desejamos, digam com verdade ‘recomeçar’.

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A fraternidade não se compra

A árvore da vida / 22 - José e o perdão: não é apenas esquecer por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 13/07/2014 “Aceita o meu oferecimento! Guarda-me como refém em lugar do menor … Eu expiarei por todos nós. Aqui, diante de ti, estrangeiro, tomo o tremendo juramento que nós, os irmãos...
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A árvore da vida / 21 - José, verdadeiro "intérprete" de sonhos, diz (e doa) realidade

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 06/07/2014

Logo Albero della vita

"Deus responderá favoravelmente a Faraó. 

Falas de Deus – indagou Amenhotep –, já o fizeste mais de uma vez. A que Deus te referes? Como és de Zahi e di Amu, presumo que te refiras ao boi arador a que no Oriente dão o nome de Baal, o Senhor, não é verdade? 

O sorriso de José feneceu-lhe nos lábios. Ele apenas abanou a cabeça. 

Meus pais, os sonhadores de Deus – disse ele – fizeram o seu pacto com outro Senhor. 

Então só pode ser Adonai, o noivo – acudiu veloz o soberano, por quem a flauta geme nos algares e que torna a erguer-se”. (Thomas Mann, José e seus irmãos)

Há muitas formas de carestia, muito diversas entre si. O nosso tempo atravessa a maior carestia de sonhos que a história da humanidade conheceu.

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Produzida pelo atual capitalismo individualista e solitário, a carestia de sonhos é uma forma muito grave de indigência: a quem falta pão não desaparece a fome, mas quem se priva de sonhos acaba por não notar sequer a sua ausência; cada vez mais sufocados por objetos de consumo, habituamo-nos a um mundo pobre de desejos; rapidamente ficamos tão pobres que nem nos damos conta da pobreza. Não é possível sonhar com anjos, com o paraíso, com os grandes rios do Egito, quando se adormece à frente da televisão! Para sonhos grandes é preciso adormecer com uma oração nos lábios; ou acordar com um livro de poesia – que velou o nosso sono – aberto sobre o peito.

O jovem José achou-se de novo, inocente, lançado numa masmorra; uma vez mais rejeitado, de novo no fundo de um ‘poço’ (40,15). No entanto, a prisão veio a ser, também, o lugar onde desabrochou completamente a sua vocação que fora anunciada pelos sonhos proféticos quando era ainda menino. Os primeiros sonhos tinham provocado a sua ida como escravo para o Egito; os sonhos que irá interpretar na terra do Nilo hão-de ser o caminho para que os seus grandes sonhos de jovem se realizem; e para reencontrar os seus irmãos-vendedores e o seu pai. Foi numa prisão que teve início uma nova fase da vida de José, decisiva para ele e para o seu povo (não é raro que uma ‘prisão’ seja lugar de início de uma vida nova). No ‘poço’, José passou de contador de sonhos a intérprete dos sonhos de outros. Nos seus tempos de rapaz narrava os sonhos que tivera mas não os interpretava. A dor de ter sido odiado e vendido pelos irmãos, a condição de escravo e depois a prisão tinham-no amadurecido revelado a si mesmo. No cadinho do sofrimento e da injustiça descobriu a sua vocação, passou a ser servidor dos sonhos dos outros.

Na prisão encontravam-se também dois altos funcionários da corte: o encarregado das bebidas e o padeiro do faraó (40,1). “...tiveram um sonho cada um, e cada sonho com significado diferente” (40,5). Na manhã seguinte “José foi ter com eles e achou-os muito preocupados”, e perguntou: “Porque é que estão hoje com o ar tão carregado?”. Responderam: “Cada um de nós teve um sonho e não há ninguém capaz de nos dar a devida interpretação” (40,7-8). Contaram ambos os seus sonhos a José que os interpretou. Apenas quem já sonhou e teve coragem para contar os seus sonhos pode tornar-se hermeneuta dos sonhos dos outros. Parece haver uma lei paradoxal no que regula muitas coisas sublimes da vida: o melhor intérprete de sonhos dos outros é quem mais sofreu por causa dos próprios sonhos.

Apesar da carestia de que falámos, continua a haver quem sonhe, principalmente em países pobres de PIB mas que são os mais ricos de sonhos; e esses sonhos irão em breve produzir também riqueza. Mas ter sonhos e não encontrar alguém que os interprete é causa de grande infelicidade. Os sonhos são sempre coisa séria; decisivos, no entanto, são os ‘sonhos de olhos abertos’: projetos, anseios, vontade de dar a volta a situações difíceis, desejo de justiça, de felicidade, de um futuro melhor; os sonhos que nos deixam entrever o nosso lugar no mundo. Tal como ontem, também hoje, porém, os sonhos precisam de intérpretes, de alguém que saiba decifrar o seu conteúdo - sem tais intérpretes os sonhos apagam-se. Sempre importantes, os intérpretes são mesmo fundamentais quando se trata de jovens na idade dos sonhos grandes.

José começa a interpretar sonhos para fazer um dom a dois companheiros de prisão: “José disse-lhes: «Só Deus é que pode dar-nos a interpretação dos sonhos. Contem-me lá aquilo com que sonharam»” (40,8). A interpretação ‘boa’ dos sonhos é a que nasce da gratuidade, não a que é feita para obter lucro (“Só Deus é que pode dar-nos a interpretação dos sonhos”). A escassez de bons hermeneutas para os nossos sonhos explica-se por esta gratuidade essencial. São um dom raro, mas não raríssimo. Os ‘guias espirituais’ pertencem a esta preciosa categoria de pessoas: gente que escuta e interpreta os nossos sonhos e sinais. A boa interpretação de sonhos é gratuidade pedida e oferecida. Não é profissão, e quando se torna profissão deixa de ser boa.

José dá interpretações muito diversas aos dois sonhos: prevê a libertação do encarregado das bebidas, anuncia a execução do chefe dos padeiros – o que virá a acontecer dias mais tarde. O valor moral de um intérprete de sonhos mede-se pela sua honestidade, pela capacidade e coragem de comunicar as interpretações que não gostaríamos de ouvir. Ontem como hoje, são muitos os intérpretes aldrabões que dizem só as interpretações agradáveis de ouvir. Interpretações erradas podem vir também de intérpretes honestos mas sem coragem e amor bastantes (enquanto o seu carisma de interpretação de sonhos se não extingue, que ele desaparece quando não é protegido pelo sofrimento de interpretações difíceis). Conheci jovens cuja vida se tornou muito difícil, estragada, até, devido a maus intérpretes dos seus sonhos: perante sinais evidentes de uma vocação diferente da que o jovem pensava ter, não tiveram nem honestidade nem coragem para dar a interpretação correta; em vez de assumirem a dor que a verdade implicava, manipularam os sonhos e alimentaram nos jovens a ilusão e consequente desilusão, frustração, infelicidade. Confiar em quem manipula sonhos é pior que a morte do sonho por falta de intérprete.

Passaram-se dois anos. Certo dia também o faraó teve um sonho. Sonhou que estava junto ao rio Nilo e que do rio subiam sete vacas de belo aspeto e gordas, que se puseram a pastar por entre os juncos. Logo atrás delas, outras sete vacas subiram do rio, magras e de mau aspeto … E então as vacas magras e de mau aspeto devoraram as sete vacas de belo aspeto e bem nutridas” (41,1-4). O faraó acordou, perturbado; voltou a adormecer e logo teve outro sonho: “Sete espigas de trigo bem gradas e belas cresciam num único pé. Mas logo a seguir nasceram outras sete espigas, vazias e secas por causa do vento de leste. E estas sete espigas vazias engoliram as sete espigas gradas e belas” (41,5-7). “Na manhã seguinte estava muito preocupado e mandou chamar todos os adivinhos e sábios do Egito e contou-lhes os sonhos. Mas ninguém conseguia dar-lhe a interpretação” (41,8).

A narrativa tem então um ponto de viragem. O encarregado das bebidas a quem, dois anos antes, José tinha interpretado o sonho lembrou-se dele. Falou ao faraó, que o mandou chamar. José revelou-lhe imediatamente a chave para compreender o que estava para acontecer, bem como a natureza do seu modo de operar: “...não depende de mim. Deus é que há-de dar a resposta para bem [shalom] do Faraó” (41,16). Trata-se de um momento crucial, que assinala uma nova era: o fim da idade dos adivinhos, dos arúspices , dos magos e o início do tempo da profecia. José é assim o primeiro profeta de Israel. Na verdade, a narração do sonho do faraó contém os traços essenciais que distinguem a autêntica interpretação profética da obra de adivinhos e falsos profetas de todos os tempos. A interpretação profética é dom-gratuidade, pois é já exercício de um carisma que o ‘profeta’ recebe; não é coisa que ele fabrique nem técnica aprendida numa qualquer escola. É um dom que para operar precisa de ser acolhido pelo seu destinatário, que nele deve acreditar. Impele sempre à ação e à mudança.

Na sociedade atual não faltam consultores for-profit; proliferam magos e horóscopos, mas sente-se muito a falta de bons intérpretes de sonhos; os poucos que há não são procurados nem escutados; correm o risco de desaparecer por falta de procura. O Faraó acreditou na interpretação-profecia de José e atuou. “Hão-de vir sete anos de grande fartura em todo o Egito. Mas depois virão sete anos de fome. Toda a gente se esquecerá da fartura que havia antes no Egito e a fome levará o país à ruína [as vacas-espigas magras que devoram as gordas]” (41,29-30). Seguidamente continuou José: “... Vossa Majestade deveria procurar um homem inteligente e sábio para o encarregar de dirigir o país … e estabelecer governadores pelo país a fim de recolherem um quinto da produção do Egito, durante os sete anos de fartura” (41,33-34).

Os tempos ‘de vacas magras’ passam. As carestias, mais tarde ou mais cedo, terminam naturalmente, ainda que por vezes com elevados custos. As carestias de sonhos, pelo contrário, não terminam por si. Só acabam se, em certo preciso momento, decidirmos reaprender a sonhar. Não é impossível. Fizémo-lo já depois de misérias enormes e indescritíveis: guerras, ditaduras, depois de lutas fratricidas, após a morte de crianças. Juntos, quisemos de novo sonhar. Pusemo-nos então a escutar poetas, santos, artistas, os quais souberam interpretar os nossos sonhos novos. Juntos, rezámos e chorámos, recitámos as poesias suas-e-nossas, cantámos as suas-e-nossas canções. Pessoas e povos podem renascer e apenas deste modo ressuscitam verdadeiramente.

O faraó tirou da sua mão o anel com o selo real e colocou-o na mão de José. Mandou-lhe vestir roupas de linho fino e colocar ao pescoço um colar de ouro” (41,42).

 

 


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A árvore da vida / 21 - José, verdadeiro "intérprete" de sonhos, diz (e doa) realidade

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 06/07/2014

Logo Albero della vita

"Deus responderá favoravelmente a Faraó. 

Falas de Deus – indagou Amenhotep –, já o fizeste mais de uma vez. A que Deus te referes? Como és de Zahi e di Amu, presumo que te refiras ao boi arador a que no Oriente dão o nome de Baal, o Senhor, não é verdade? 

O sorriso de José feneceu-lhe nos lábios. Ele apenas abanou a cabeça. 

Meus pais, os sonhadores de Deus – disse ele – fizeram o seu pacto com outro Senhor. 

Então só pode ser Adonai, o noivo – acudiu veloz o soberano, por quem a flauta geme nos algares e que torna a erguer-se”. (Thomas Mann, José e seus irmãos)

Há muitas formas de carestia, muito diversas entre si. O nosso tempo atravessa a maior carestia de sonhos que a história da humanidade conheceu.

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Olhos honestos de profeta

A árvore da vida / 21 - José, verdadeiro "intérprete" de sonhos, diz (e doa) realidade por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 06/07/2014 "Deus responderá favoravelmente a Faraó.  Falas de Deus – indagou Amenhotep –, já o fizeste mais de uma vez. A que Deus te referes? Como é...
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A árvore da vida / 20 – Várias vezes José é posto à prova, mas vive com lealdade

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 29/06/2014

Logo Albero della vita"Quando (Nekliudov) acordou na manhã seguinte, o seu primeiro sentimento foi o de ter cometido na véspera uma má acção. Começou a reunir as suas recordações: não havia nenhuma má acção. A sua conduta fora irrepreensível [...] mas tivera maus pensamentos, o que era ainda pior. Podemos arrepender-nos e não repetir uma má acção, mas os maus pensamentos engendram toda a espécie de más acções.” (Leão Tolstoi, Ressurreição ).

A história de José na casa de Potifar, alto funcionário egípcio, é uma grande lição sobre a gramática da lealdade. Mas não é virtude do tempo que vivemos, a lealdade.

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Ao longo de séculos empresas e instituições viveram de um património de lealdade que era produzido pelos valores, pelo esforço e pelo modo de fazer de famílias, igrejas e comunidades; e era alimentado pelas grandes narrativas, da arte e da literatura. Nas últimas décadas deixámos de produzir intencionalmente estes valores e modos de fazer; mas a necessidade de lealdade continua a existir e aumenta. Há alguns decénios, então, pensou-se ser possível substituir a lealdade por incentivos, pagando e controlando trabalhadores e dirigentes; esperava-se com isso torná-los ‘leais’ quando “não há ninguém em casa” (39,11) a ver e a controlar. Pena é que – estamos a verificá-lo – esta substituição só funciona para as coisas simples; mas é nociva quando se trata de gerir situações importantes e críticas. Uma fragilidade radical do nosso sistema económico-social deriva de uma grave carência da virtude da lealdade; seria já um grande passo se tomássemos coletivamente consciência desse facto.

José foi levado para o Egito e vendido como escravo a Potifar, funcionário do faraó. O Génesis faz logo ver José como pessoa de grande valor: não já o rapaz ingénuo que contava sonhos proféticos aos irmãos invejosos; mas um administrador perfeito que fazia tudo bem feito: “O SENHOR estava com José e fazia com que tudo lhe corresse pelo melhor, enquanto esteve ao serviço daquele egípcio” (39,2). Conquistou a estima e a incondicional confiança de Potifar que “deixou tranquilamente tudo o que lhe pertencia aos cuidados de José, de modo que não precisava de se preocupar com nada, a não ser com aquilo que tinha de comer” (39,6). “O SENHOR abençoou a casa daquele egípcio, em atenção a José. Em tudo se notava que o SENHOR o abençoava, tanto em casa como nos campos” (39,5). A bênção de José, herdeiro da primeira grande bênção de Abraão, estende-se a toda a casa onde vivia e para a qual trabalhava. O bem vai além da bondade da pessoa que o faz. Quando numa comunidade ou empresa trabalha uma pessoa justa e boa, a sua bondade-bênção contagia tudo aquilo que ela toca, torna-se um bem comum. A primeira bênção de qualquer realidade humana são as pessoas, por vezes uma só: “Através de ti [Abraão] serão abençoados todos os povos do mundo” (12,2).

A lealdade de José, que é o centro desta narrativa, emerge com toda a sua força na gestão do conflito com a mulher do seu patrão (cujo nome o Génesis não refere). José é apresentado como jovem “bem parecido e de boas maneiras” (39,6), como sua mãe Raquel (29,17), revestido também daquela beleza moral típica das pessoas justas e retas, que não é menos atraente que a beleza física. “Atraiu os olhares” da mulher de Potifar que ‘pediu-lhe para dormir com ela’” (39,7). José respondeu: “Repare que, comigo aqui, o meu amo nem sequer se preocupa com os assuntos da casa; colocou tudo ao meu cuidado … está tudo sobre o meu poder, exceto a senhora […]; como é que eu posso agora fazer uma coisa dessas, cometendo um pecado contra Deus?” (39,9). De facto, Potifar apenas lhe pedia contas “daquilo que tinha de comer”; naquela cultura ‘o que tinha de comer’ era também imagem ou eufemismo da intimidade conjugal. E portanto, apesar de “todos os dias ela repetia a José o mesmo convite” (39,10), ele não aceitou.

Esta ‘prova’ de José é paradigma de todas aquelas situações em que se tem a possibilidade de ser leal. Efetivamente, na lealdade vê-se na sua pureza uma dimensão típica de todas as virtudes: elas não são questão de preferência ou de valores, mas de ações. São por isso bens de experiência: tornamo-nos leais (justos, prudentes, fortes …) apenas quando os princípios que temos se traduzem em ação concreta. Pode-se acreditar sinceramente no valor da lealdade; mas para ser leal é preciso demonstrá-lo no terreno. Não bastam boas intenções ou pensamentos bonitos – mesmo se quem consegue ser leal, antes e durante a ação, tenha cultivado bons pensamentos e tenha afastado os maus. Como para todos os bens de experiência, não é possível saber se este ‘bem’ se encontra mesmo no nosso ‘cestinho’ enquanto não estivermos dentro de uma experiência concreta; é então que se descobre se pensávamos ser leais ou se realmente o somos. De modo que é possível alguém tornar-se leal depois um desvio em que se foi desleal. Como poderá suceder que, perante uma experiência inédita, com surpresa e comoção se descobre que se possui em si uma força moral que se pensava não ter. O martírio deve ser uma coisa assim; por isso, mais que um dom que se faz é um dom que se recebe. José, que já era justo, não sabia que era também leal até àquele olhar da mulher do patrão. Nem sequer no instante anterior.

Aqui se revela, além disso, uma caraterística essencial da lealdade. A sua existência e valor medem-se na base de um custo concreto que quem quer ser leal deverá suportar, dizendo não a uma ação desleal (ou mais que uma) que lhe pouparia esse custo. A lealdade, então, tem sempre um custo e traduz-se frequentemente em ‘não fazer’; o que é também motivo para que seja difícil de ver. Sem essa alternativa custosa, que surge em “certo dia” quando “nenhuma das outras pessoas da casa se encontrava lá”, a lealdade não vem em evidência. O custo que José teve que pagar por ser leal para com Potifar não foi tanto a renúncia ao prazer sexual, quanto as previsíveis consequências associadas à sua recusa, dada a radical assimetria de poder que existia entre ele e a mulher do patrão. Um custo que bem cedo se manifestou.

Na continuação deste episódio do grande ciclo de José, encontramos seguidamente uma lição sobre uma outra dimensão da lealdade; não é uma característica necessária, mas é muito frequente. Para ser leal, José teve que dizer não a uma oferta proveniente da parte da pessoa-instituição para com a qual quis ser leal. “Certo dia entrou em casa para fazer o seu trabalho e nenhuma das outras pessoas da casa se encontrava lá … Ela agarrou-o pela roupa e disse-lhe: ‘Dorme comigo!’. Mas ele fugiu para fora de casa, deixando-lhe nas mãos a peça de roupa que ela tinha agarrado”. Então a mulher “chamou pelos outros criados da casa e disse-lhes: ‘Vejam bem! Trouxeram-me cá para casa este hebreu e agora ele faz pouco de nós. Dirigiu-se a mim com intenção de dormir comigo, mas eu gritei bem alto” (39,13-14). Essa mesma versão mentirosa e virada ao contrário contou-a depois também ao marido (39,17), o qual “mandou meter José numa prisão” (39,19). Pela segunda vez sem “veste”, de novo lançado violentamente numa “masmorra” (40,15).

José ficou calado, como ‘ovelha muda’; não se defende. A Bíblia nada diz sobre os motivos deste silêncio. Essa não-palavra, no entanto, poderá revelar uma outra dimensão fundamental da lealdade, a mais típica, talvez. A lealdade vive-se, não se conta; sobretudo quando, para permanecer leal é preciso dizer um grande ‘não’ a uma pessoa íntima, alguém da própria ‘casa’. Esses silêncios podem ser expressão de lealdade, também; mas é preciso que quem cala assuma as consequências – que custam – do silêncio leal (também pode acontecer, por vezes, que a lealdade entre em conflito com outras virtudes, a justiça, por exemplo; é nos conflitos entre virtudes que se exerce a responsabilidade moral).

Sendo a lealdade virtude silenciosa e invisível na sua parte mais profunda e verdadeira, não pode então contar com os típicos prémios e aplausos que sustentam e reforçam muitas virtudes ‘públicas’. A recompensa pelos custos enfrentados para ser e permanecer leal é totalmente intrínseca; por isso quem não tiver vida interior de onde brota a única recompensa não poderá tornar-se ou continuar a ser leal. Para que o mundo e as instituições de amanhã sejam mais leais, é necessário suscitar uma nova corrente de vida interior e de espiritualidade. Sem lealdade ninguém pode manter-se fiel: a pactos e promessas primários da vida, antes de mais; mas tampouco a contratos, logo a seguir.

Por fim, como a lealdade, por sua natureza, é dificilmente observável, então no mundo em geral e nas pessoas que nos querem bem existe muito mais lealdade de quanta somos capazes de ver. Se pudéssemos olhar mais em profundidade, os nossos amigos, esposas, maridos haveríamos de descobrir como por detrás do seu amor fiel e dos seus olhos bons se escondem, invisíveis e silenciosos, muitos atos de lealdade que deram fundamento sólido a estes relacionamentos fortes. Esta lealdade-fidelidade decisiva oferecemo-la reciprocamente nos últimos instantes da vida, como a herança mais preciosa que deixamos; outras formas, talvez ainda mais belas e certamente mais dolorosas, não podem ou não conseguem ser contadas e morrem connosco; mas todas dão muito fruto e tornam mais belo e digno o mundo em que vivemos. “O amo de José mandou-o prender e meter numa prisão… Mas mesmo lá na prisão o SENHOR estava com José...” (39,21).

 

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A árvore da vida / 20 – Várias vezes José é posto à prova, mas vive com lealdade

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 29/06/2014

Logo Albero della vita"Quando (Nekliudov) acordou na manhã seguinte, o seu primeiro sentimento foi o de ter cometido na véspera uma má acção. Começou a reunir as suas recordações: não havia nenhuma má acção. A sua conduta fora irrepreensível [...] mas tivera maus pensamentos, o que era ainda pior. Podemos arrepender-nos e não repetir uma má acção, mas os maus pensamentos engendram toda a espécie de más acções.” (Leão Tolstoi, Ressurreição ).

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Sem preço nem alarido

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A árvore da vida / 19 - O valor do homem, a dignidade de cada mulher

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 22/06/2014

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"Prosseguiram viagem até Efrat, onde está sepultada Raquel. José correu para a sepultura da mãe e lançou-se em cima dela, abatido, mais de quanto se possa descrever: ‘Mãe, mãe, tu que me geraste, levanta-te, vá! Volta à vida para ver o teu infeliz filho vendido como escravo e abandonado … Acorda, mãe, vela pelo meu pai que neste dia está comigo com toda a alma e com todo o coração; fica a seu lado e conforta-o’” (Louis Ginzberg, As lendas dos hebreus).

A palavra lucro (bèça) aparece pela primeira vez na Bíblia aquando da venda de um irmão: “Que lucro temos nós em matar o nosso irmão?” (37,26). Depois de terem lançado José na cisterna, os irmãos concordaram com Judá e “venderam-no por vinte moedas de prata” (37, 28) a uma caravana de mercadores.

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Era o preço de um escravo ou de um par de sandálias, vinte vezes menos do que Abraão pagou aos Hititas pela sepultura de Sara. Foi assim que José, o irmão mais novo, foi vendido como escravo aos Ismaelitas, descendentes do filho de Abraão e Agar, o rapaz que Sara recusou e foi, ele também, exilado para o deserto. O dinheiro e o lucro apresentam-se estreitamente ligados à morte. Entram em cena como meio para evitá-la; mas na realidade continuam a estar muito perto dela. As grandes civilizações sabiam muito bem que o território do lucro, de um lado confina com o do amor e da vida, mas do outro confina com o território da morte e do pecado; e que as marcas de fronteira são móveis e os atravessamentos de um para outro lado muito fáceis e frequentes. A nossa civilização é que, pela primeira vez, no seu conjunto se esqueceu de que existe a fronteira sinistra da terra do lucro; esqueceu, então, que “a recompensa do justo é a vida; a paga do homem mau é o pecado” (Provérbios, 10,16). Ontem, como hoje, existiram mercadores que compram e vendem apenas “resinas, bálsamos e unguentos” (37,25); mas outros há, muitas vezes misturados nas mesmas praças, que para além de mercadorias compram e vendem ‘irmãos’, por vinte moedas ou menos.

Quando a caravana de comerciantes de mercadorias e meninos se voltou a pôr em marcha para o Egito, “os irmãos pegaram na capa de José, mataram um cabrito, mancharam-na com o sangue desse cabrito e enviaram-na ao pai. … Jacob reconheceu-a e exclamou: ‘é realmente a capa do meu filho! Foi uma fera que destroçou e devorou José!” (37,31-33). É uma das mais intensas passagens do Génesis: “Jacob rasgou as suas roupas, cobriu-se de tecido grosseiro em sinal de tristeza e guardou o luto durante muito tempo pelo filho. … E disse: ‘Quero continuar de luto até descer ao sepulcro [shèol] para ir ter com o meu filho’” (37,31-35). São versículos de imensa beleza e humanidade que tornam eterno e sagrado este tipo especial de dor; a dor de um pai que perde um filho. Diferentemente da orfandade e da viuvez, não existe uma palavra específica para definir essa situação, talvez por ela ser indizível. Que mais não seja para fazer justiça a estas dores sem nome, para de novo tornar imaculadas as vestes longas e multicolores dos filhos, o paraíso deve existir.

Seguidamente, “Judá separou-se dos seus irmãos” (38,1), e – talvez para estar longe da capa e do sangue – aventurou-se até à terra dos Cananeus onde, com a sua nora Tamar, se tornou protagonista de uma das mais belas histórias do Génesis. Tamar, cananeia, ficou viúva depois de ter casado com Er, o filho mais velho de Judá. Pela chamada lei do levirato, Judá pede ao seu segundo filho Onan para dar descendência a Tamar. Mas também Onan morreu, depois de se ter recusado a cumprir o seu dever para com Tamar (38,6-9). Insinua-se então em Judá o pensamento de que possa ser Tamar a causa da morte dos seus dois filhos (38,11). Em muitas culturas antigas – e ainda hoje em algumas regiões da Índia e da África assim é – era comum acreditar-se que as viúvas trazem má sorte e maldição; eram por isso discriminadas e maltratadas. Disse-lhe, então: “Volta para casa de teu pai como viúva, até que o meu filho Chela cresça” (38,11).

Passou o tempo, Chela cresceu, mas Judá não manteve a sua palavra e não respeitou a lei do levirato; Tamar continuou só e sem filhos. É então que se dá o golpe de cena. Tamar veio a saber que Judá, cuja tribo vivia longe, iria passar pela sua região. Tirou o traje de viúva (38,14), cobriu o rosto com um véu para não ser reconhecida pelo sogro, e ficou à espera dele numa encruzilhada do caminho. “Judá viu-a e pensou que se tratava de uma prostituta” (38,15); como preço prometeu a Tamar mandar-lhe um cabrito. Mas a nora para dar-se a Judá pediu uma garantia: “O teu anel de selar mais o cordão e o cajado que trazes na mão” (38,18), o ‘bilhete de identidade’ dos senhores daquela região. Tamar fica grávida. E quando Judá três meses mais tarde veio a saber que sua nora esperava uma criança (que na verdade viriam a ser dois gémeos, Peres e Zera: 38,29-30), condenou-a à morte. Enquanto a levavam à fogueira, Tamar leva a cabo o seu plano: “Eu estou grávida do homem a quem pertencem estas coisas [anel de selar, o cordão e o cajado]” (38,25). “Judá reconheceu que eram seus e disse: ‘Ela é que tem razão e não eu, pois eu devia ter-lhe dado o meu filho Chela em casamento e não o fiz’” (38,26). Com este último ato de responsabilidade Judá resgatou-se também a si mesmo: teria podido exercitar o poder de homem e chefe de clã para desmentir Tamar, uma mulher indefesa. Não o fez; pelo menos neste ato foi homem justo.

Termina assim a história de Tamar. A sua conclusão permite-nos compreender bem de que lado está o Génesis: da parte de Tamar, que nos é apresentada como figura positiva e justa (“Ela é que tem razão e não eu”), com traços semelhantes às grandes figuras femininas da Bíblia (Judite, Rute). Se suspendermos a leitura moralista destes episódios (e precisamos de o fazer sempre, se é que queremos ter alguma ‘inteligência das escrituras’), na história de Tamar podemos descobrir muitas mensagens de vida. Para começar, criticando Judá e aplaudindo Tamar, o Génesis recorda-nos que existem uma prudência errada e transgressões salvíficas. Por medo de que pudesse morrer também o terceiro filho (“o que Judá na realidade pensava era evitar que ele morresse também como os irmãos”: 38,11), Judá não serve a vida e nega a descendência à sua nora e à sua família. Esta prudência que não corre riscos é muitas vezes inimiga da vida e do futuro; não é virtude, mas sim vício e pecado. Na história de Judá e Tamar reaparece assim com força um contraponto que acompanha todo o concerto bíblico: a predileção e o resgate dos últimos e dos mais pequenos. Apenas pondo junto à ‘voz’ dos patriarcas, dos reis e da Lei, a ‘voz’ dos humildes, a bíblia pode ressoar em toda a sua beleza e salvação. A leitura mais profícua e verdadeira da Palavra de Deus, então, é a que nos leva a desmontar as ordens e hierarquias do nosso tempo humano; é a que exalta os humildes e humilha os poderosos, a que nos sacode e faz saltar até mesmo as nossas mais entranhadas convicções éticas sobre moralidade, pecado, culpa e inocência. Sem a presença da humanidade ferida e até pecadora, a Bíblia seria um livro que nenhuma utilidade teria para homens e mulheres reais. Mas neste episódio do Génesis podemos encontrar, escondida mas não invisível, ainda uma outra mensagem, esta dirigida sobretudo a homens e poderosos: ‘as mulheres que são procuradas nas ‘encruzilhadas dos caminhos’ e que, como aconteceu com Judá, ‘são vistas como prostitutas’ podem ser pessoas da vossa casa. E são-no realmente. Não as reconheceis, considerai-las estranhas e sem rosto, mas Elohim vê para além do véu; e há de chegar o dia de justiça no qual tereis que prestar contas dos ‘anéis de selar’ que lhes entregastes como garantia’.

É preciso estar grato ao autor destas narrativas e a quem, pagando caro preço, as conservou ao longo de milénios por terem tido a coragem de nos contar toda a humanidade nua e ferida, sem censuras e pudores. E se toda a humanidade é oferecida, então todo o ser humano poderá encontrar nestes textos uma via de resgate e de salvação; ontem, hoje e sempre.

Só assumindo esta lógica ‘virada do avesso’ não se fica estupefacto ao ler na genealogia de Jesus de Nazaré: “Abraão foi pai de Isaac, Isaac foi pai de Jacob, Jacob foi pai de Judá e seus irmãos. Judá foi pai de Peres e de Zera, sendo a mãe Tamar” (Mat. 1,2). É verdade: entre Abraão e Jesus está Tamar e está Judá. Na encruzilhada junto à fonte, então, Tamar não encontrou apenas o sogro; ela não sabia, mas o verdadeiro encontro era outro; e que para sempre a engastou, como pérola rara, na grande história da salvação.

Não se vende um irmão por vinte moedas; não se manda ao pai a capa comprida e multicolor do filho manchada com o sangue de um cabrito; não se humilha e abandona a nora-viúva. Mas enquanto houver alguém que continua a praticar estes delitos e a gerar vítimas, existirá no mundo pelo menos um ‘lugar’ (a Bíblia) onde podemos reconhecer-nos, sentir-nos acompanhados, amados, consolados, seguros pela mão, levantados do chão; mesmo nas situações mais dramáticas e escuras da existência, nossa e dos outros. E encontrar, depois, a força para recomeçar o caminho, para não morrer e não fazer morrer, para esperar verdadeiramente numa terra prometida, numa ressurreição, no paraíso de Abel, Ismael, Agar, Dina, José, e Tamar.
José tinha sido levado para o Egito. Potifar … tinha-o comprado aos ismaelitas” (39,1).

 

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A árvore da vida / 19 - O valor do homem, a dignidade de cada mulher

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 22/06/2014

Logo Albero della vita

"Prosseguiram viagem até Efrat, onde está sepultada Raquel. José correu para a sepultura da mãe e lançou-se em cima dela, abatido, mais de quanto se possa descrever: ‘Mãe, mãe, tu que me geraste, levanta-te, vá! Volta à vida para ver o teu infeliz filho vendido como escravo e abandonado … Acorda, mãe, vela pelo meu pai que neste dia está comigo com toda a alma e com todo o coração; fica a seu lado e conforta-o’” (Louis Ginzberg, As lendas dos hebreus).

A palavra lucro (bèça) aparece pela primeira vez na Bíblia aquando da venda de um irmão: “Que lucro temos nós em matar o nosso irmão?” (37,26). Depois de terem lançado José na cisterna, os irmãos concordaram com Judá e “venderam-no por vinte moedas de prata” (37, 28) a uma caravana de mercadores.

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A Palavra transforma o mundo

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A árvore da vida / 18 - José, predileto e não amado, portador de salvação

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 15/06/2014

Logo Albero della vitaMeu muito amado! [...] Eleito e preferido pelo coração ousado em atenção à única amada, que viveu em ti e com cujos olhos me estás mirando como ela me olhou uma vez junto ao poço, quando surgiu entre as ovelhas de Labão e eu arredei a pedra do poço para ela. Ela deixou que eu a beijasse e os pastores gritaram exultando: ‘Lu, lu, lu!’. Em ti, querido, a conservei quando o Todo Poderoso a afastou do meu lado; ela sobreviveu na tua beleza e que coisa é mais doce do que é duplo e duvidoso?” (Thomas Mann, José e seus irmãos).

As personagens bíblicas não são máscaras de uma peça de teatro. Não interpretam um papel ou figura (bom-mau, traidor-traído, etc.). São seres humanos, com as mais várias tonalidades e fisionomias que a humanidade apresenta.

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Algumas destas personagens receberam um chamamento especial em vista de uma missão e de uma salvação coletiva, mas nunca deixaram de ser inteiramente homens e mulheres. Bondade, pureza, aldrabices, furtos, bênçãos, abraços, fraternidade, fratricídios, entrelaçam-se e dão vida a uma história verdadeira de salvação para todos. Os protagonistas do Génesis estão perto de nós e dizem-nos alguma coisa porque se mostram na nudez das suas emoções e ambivalências sem receio, até, de mergulhar na mesquinhez e nas contradições da condição humana. Compõem assim uma salvação possível para todos e uma cura eficaz para qualquer ideologia, incluindo as muitas ideologias da fraternidade.

José – protagonista do último (grandioso) ciclo do Génesis – não é recordado como o quarto patriarca (sempre se dirá “O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”). É filho de Jacob e Raquel, mas, sobretudo, José é irmão e a sua história é um grande ensinamento sobre a gramática da fraternidade bíblica (e nossa).

José era filho de Raquel, a mulher de quem Jacob-Israel se tinha enamorado junto ao poço. O seu pai tinha por José um amor especial, uma explícita e conhecida predileção. O texto afirma-o, sem medo: “Israel gostava mais de José do que de qualquer outro filho” (37,3). Por isso “ofereceu-lhe uma capa muito vistosa” (37,3). Era uma túnica (ketônet passîm) especial, diferente da que usavam os irmãos: longa, com as mangas a cobrir a palma da mão, talvez multicolor e com bordados; no dizer de Thomas Mann tinha sido a veste que Labão, o pai de Raquel, comprara a mercadores para a festa de casamento; tinha anteriormente pertencido à filha de um rei. Era certamente uma veste de luxo, não muito própria para quem tem que trabalhar. Uma forte mensagem de predileção e de status no interior do clã que os irmãos entenderam claramente: “Ao verem os seus irmãos que o pai gostava mais dele do que de qualquer um dos outros, começaram a detestá-lo e nem sequer o saudavam” (37,4). A esta já complexa situação familiar – filhos de mulheres que Jacob amava diversamente, filhos de escravas, um predileto – acrescenta-se um outro elemento para complicar ainda mais a narrativa: José é um sonhador; pior que isso, conta os seus sonhos em público. Diferentemente de seu pai, não sonha com o paraíso nem ouve as palavras de JHWH (ao longo de todo o ciclo de José, Deus permanece muito nos bastidores; toda a cena é preenchida com os relacionamentos inter-humanos). O protagonista dos seus sonhos é ele mesmo: “Ouçam lá o sonho que eu tive: Estávamos nós a atar os feixes no campo e, nisto, o meu feixe levantou-se e ficou de pé, enquanto os vossos feixes que estavam à sua volta se inclinavam diante dele” (37,7). 

Por isso os irmãos “ainda mais o detestaram por causa dos sonhos e da explicação que ele deu” (37,8). Teve depois outro sonho: “Era o sol, a lua e onze estrelas que se inclinavam diante de mim” (37,9). Depois do segundo sonho, Jacob (que se reconheceu no “sol” do sonho) repreendeu-o (37,10); e os irmãos (‘as onze estrelas’) “tinham ainda mais inveja dele” (37,11). De modo imprudente e ingénuo, com a impetuosidade e a bela imaturidade da juventude, mas também pelo seu temperamento-missão (os sonhos são parte da sua vocação), José – o filho que usava o manto real e que seus irmãos já não amavam por causa da predileção do pai por ele – começa a contar os sonhos; o sentimento de inveja-ciúme dos irmãos transforma-se em verdadeiro ódio e num plano de ação para o eliminar. E assim, quando José encontra os irmãos que acompanhavam os rebanhos na região de Siquém – enviado (imprudentemente) pelo pai a ver se estavam bem (shalom) – logo que o avistam ao longe esclamam: “Lá vem aquele sonhador [o patrão dos sonhos]” (37,19). Decidiram matá-lo (“Aproveitemos agora! Matamo-lo e atiramo-lo a um poço...” (37,20)). Graças à intervenção de Rúben, o mais velho, mudaram de ideia e decidiram lançá-lo numa cisterna do deserto (“Não lhe tirem a vida. Atirem-no para aquele poço que está no deserto” (37,22). Acabaram por seguir uma sugestão de Judá: venderam-no a uma caravana de mercadores que passava (“Vamos mas é vendê-lo àqueles ismaelitas” (37,27)).

Este fim trágico de José – descobriremos mais tarde que foi também salvífico, mas de momento não o sabemos, e não temos que o saber – depende de um elemento decisivo: os irmãos acreditam nos sonhos de José. São eles que os interpretam e lêem o conteúdo desses sonhos como verdadeira revelação ou profecia. É a força de verdade dos seus sonhos e da sua palavra que condena José. Se os irmãos não tivessem visto em José potencialidade para vir a ser o ‘primeiro feixe’ da família, ter-se-iam limitado a ridicularizar a vaidade do rapaz. Mas reconhecem que a predileção do pai pode estar ao serviço de um plano divino e de um talento natural que colocam José acima deles.

Surge então, com José, um novo tipo de conflito intra-familiar. Até então, os conflitos na casa de Abraão tinham sido duais: Caim/Abel, Sara/Agar, Jacob/Esaú, Lia/Raquel. Agora é o conflito entre um irmão e os outros irmãos. Estamos perante uma discriminação comunitária, uma inveja-ciúme coletiva que se traduz em perseguição violenta seguida de expulsão, muito próxima do fratricídio.

A inveja coletiva para com uma só pessoa é grave e difusa doença social, organizativa e comunitária. Encontramo-la sempre que num grupo se cria certa perversa solidariedade através do processo de inveja-ciúme por uma pessoa, até se tornar ostracismo e perseguição da parte de todos. E sucede (quase) sempre que, para se justificarem, os perseguidores descobrem razões de culpa do perseguido, mascarando a si mesmos e aos olhos dos outros a verdadeira razão: o ciúme-inveja (no texto bíblico podemos encontrar também algumas passagens em que o narrador, com base em antigas tradições, deixa aberta a possibilidade de uma parcial corresponsabilidade de José (37,2;10)).

Também não é raro que a primeira razão da perseguição esteja nos ‘sonhos’ de quem é perseguido. O membro de um grupo que por algum motivo estava a evidenciar-se comunica – a colegas, a membros da comunidade… – um projeto de vida, um plano de reforma, uma visão mais ampla. Quem o escuta interpreta o ‘sonho’ e, conhecendo as qualidades do sonhador, acredita que tais projetos maiores que os seus podem mesmo vir a realizar-se. É então que surge a inveja-ciúme (são irmãs gémeas) e não raramente o plano para eliminar o ‘dono dos sonhos’. Este tipo de inveja especial – inveja pelos sonhos dos outros – particularmente tortuosa e perniciosa, é ativada pela presença de um talento de um membro do mesmo grupo (as invejas desenvolvem-se sempre entre pares): é a sua capacidade de sonhar coisas grandes e de poder realizá-las. Essa inveja-ciúme pelo outro nasce da não existência em nós de sonhos igualmente grandes e belos. Nos processos relacionais deste género, a presença do privilégio (veste e sonhos) é real; não é uma invenção dos invejosos; apenas é interpretada como ameaça em vez de ser vista como um bem comum. Por isso, esta inveja (sobretudo quando se desenvolve no interior de comunidades primárias) só pode ser curada pela reconciliação com o talento do outro, até senti-lo como próprio, de todos – é emblemático que antes de lançar José na cisterna os irmãos “tiraram-lhe aquela capa vistosa que trazia” (37,23).

Em dinâmicas comunitárias semelhantes, a grande tentação do sonhador é renunciar a sonhar e deixar de contar os sonhos aos amigos. Mas se não contarmos a ninguém os sonhos mais belos e vocacionais que temos, depressa chegará o dia em que não conseguiremos mais sonhar: fechamos os olhos para ver mais e nada acontece. Enquanto tivermos alguém a quem contar os nossos sonhos, ainda temos amigos (a amizade é também o ‘lugar’ onde se podem, reciprocamente, contar os sonhos maiores). José contava os seus sonhos aos irmãos porque os considerava amigos; era jovem e fiava-se deles (que irmão mais novo não confia nos irmãos mais velhos?). Trair ou perverter um sonho narrado por um amigo-irmão é o primeiro delito da amizade e da fraternidade (que então se limita a uma questão de sangue). Quando a inveja dos outros nos arranca a túnica colorida e faz morrer dentro de nós os sonhos, as comunidades iniciam um inexorável declínio moral e espiritual. E o sonhador apaga-se, fica triste, perde-se.

José não deixou de contar os seus sonhos e os seus sonhos-contados salvaram também os seus irmãos.

 


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A árvore da vida / 18 - José, predileto e não amado, portador de salvação

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 15/06/2014

Logo Albero della vitaMeu muito amado! [...] Eleito e preferido pelo coração ousado em atenção à única amada, que viveu em ti e com cujos olhos me estás mirando como ela me olhou uma vez junto ao poço, quando surgiu entre as ovelhas de Labão e eu arredei a pedra do poço para ela. Ela deixou que eu a beijasse e os pastores gritaram exultando: ‘Lu, lu, lu!’. Em ti, querido, a conservei quando o Todo Poderoso a afastou do meu lado; ela sobreviveu na tua beleza e que coisa é mais doce do que é duplo e duvidoso?” (Thomas Mann, José e seus irmãos).

As personagens bíblicas não são máscaras de uma peça de teatro. Não interpretam um papel ou figura (bom-mau, traidor-traído, etc.). São seres humanos, com as mais várias tonalidades e fisionomias que a humanidade apresenta.

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O dom do irmão sonhador

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A árvore da vida /17 - As mortes bonitas dos Patriarcas, as pobres solidões

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 08/06/2014

Logo Albero della vita"Uma coisa só o magoava: começava a ficar velho e tinha que deixar a terra lá onde ela estava. É uma injustiça de Deus: depois de ter gasto a vida a comprar os seus bens, quando se consegue possuí-los – e bem se gostaria de ter ainda mais – é preciso deixá-los! E assim, quando lhe disseram que era tempo de deixar as suas coisas e pensar na alma, saiu para o pátio como louco, cambaleando; pôs-se a matar à bengalada os seus patos e os seus perus e gritava: - ‘Coisas minhas, venham comigo!’ "                       
(Giovanni Verga, La roba [As coisas]).

O progresso não é um conjunto de vetores orientados todos na mesma direção. Em muitas dimensões da vida, a modernidade trouxe grandes melhoramentos e desenvolvimento; não foi assim com a arte de envelhecer e de morrer que está a passar por rápida e forte marcha atrás. A fase final do ‘ciclo de Jacob/Jacó’ está tingida pela dor e pela morte, principalmente, de mulheres.

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Depois da triste história de Dina, surge a morte de Débora, “ama de Rebeca” (35,8), sepultada debaixo do “Carvalho do Pranto”. E depois a morte de Raquel, a mulher que Jacob/Jacó amava. Morreu de parto, ao dar à luz o seu segundo filho: “... teve um parto bastante difícil. Ao vê-la assim em dificuldades, a parteira disse-lhe: “Não tenhas medo! Tens aqui outro rapaz!”. “Antes de dar o último suspiro Raquel deu ao seu filho o nome de ‘Benoni’ [filho da minha dor]; mas o pai mudou-lhe o nome para ‘Benjamim’ [filho da prosperidade]” (35,18). Jacob/Jacó continua a mudar de terra, peregrino e exilado, através da terra prometida. É ainda como caminhante que dá sepultura a Raquel junto de Belém (a ‘casa do pão’), ao longo do caminho que o levava de novo à terra do seu pai Isaac (Hebron). Sobre a sepultura de Raquel erigiu, também ele, uma estela, marcando deste modo para sempre a sua vida e aquela terra.

As mulheres continuam a gerar-nos nas dores de parto; e por maiores que sejam os progressos da medicina, o parto é sempre um momento crucial da vida das mães: confere-lhes valor e dignidade únicos no universo. Ainda demasiadas são as mulheres que morrem no parto (cerca de mil por dia), mesmo em países tecnologicamente mais avançados. Por vezes, nestes encontros de morte e vida repete-se a alquimia de Raquel: o menino ‘filho da dor’ e da morte recebe um nome novo e transforma-se em ‘filho da prosperidade” e da vida. Nestas transformações e autênticas ressurreições é geralmente o pai que dá ao filho o nome novo; e depois revê para sempre nele, como em cada outro filho (e mais ainda), a figura da mãe-esposa.

Por fim, morre Isaac também: “Jacob/Jacó foi ver depois o seu pai Isaac, em Mambré. Antes de Isaac, já Abraão ali tinha vivido também. Isaac tinha cento e oitenta anos quando morreu. Viveu feliz até essa idade avançada (velho e saciado de dias). Os seus filhos Esaú e Jacob/Jacó deram-lhe sepultura” (35,27-29). A morte de Isaac imita quase literalmente a de seu pai Abraão: “... viveu cento e setenta e cinco anos. Morreu feliz numa idade já bastante avançada (velho e saciado de dias), e foi juntar-se aos seus antepassados. Os seus filhos Isaac e Ismael deram-lhe sepultura na gruta de Macpela” (25,7-9). Abraão e Isaac morrem depois de uma longuíssima vida, ‘saciados de dias’, ‘com bonitos cabelos brancos’; e a morte do pai é ocasião de encontro entre filhos que tinham estado em conflito – esplêndida cena que de vez em quando se repete também nas nossas histórias quotidianas. Em ambas estas belas mortes encontramos o verbo ‘expirar’: morrendo restituímos aquele ‘sopro vital’ que o Adam tinha recebido no momento da criação e que cada homem recebe ao vir ao mundo. A vida não é produto que se possa manufaturar; é aquele grande mistério que está entre um primeiro respiro doado e um último respiro redoado.

A contemplação da bela morte dos Patriarcas não deve fazer-nos esquecer que nem todas as mortes – dantes como agora – são boas. No caso de crianças e jovens a morte chega como um ladrão, um inimigo que vem buscar o que não é seu. Mas tantas outras mortes existem – a maior parte – que poderiam ser boas; bastaria que tivéssemos recursos espirituais e morais para as viver bem. As religiões, a piedade popular, a ética e a espiritualidade da família, muitas civilizações tradicionais não ocidentais e até mesmo as grandes ideologias do séc. XX, deram origem a uma boa gestão da dor e da morte, porque elaboraram uma cultura do envelhecimento e do fim-da-vida muito mais sustentável que a que se está afirmando na nossa civilização dos consumos. Muitos dos velhos de ontem (mesmo se nem todos) morreram ‘saciados de dias’ e com ‘bonitos cabelos brancos’; como o meu avô Domenico, por exemplo. Hoje, porém, compreendendo-se cada vez menos – e por isso não se aceitando – a idade do declínio do corpo e da vida, criam-se como sucedâneos ‘mercados da juventude’ cada vez mais na moda; esquece-se então que, por mais que a adiemos com dispendiosos tratamentos de estética, ginásio e percursos de manutenção exigentes, a idade do pôr-do-sol há de inexoravelmente chegar. O encontro não preparado com a decadência física é devastador, porque a morte é percebida como o morrer de tudo: nós mesmos, os amores, ‘as coisas’, o passado, o mundo. Não dando valor e não amando a velhice nossa e dos outros, não damos valor e não amamos os velhos que se tornaram assim uma grande ‘periferia’ do nosso tempo. E com isso a sociedade e a economia delapidam um património de grande valor e valores.

Temos vital necessidade de novos carismas que nos ensinem de novo a arte da saciedade dos dias e dos bonitos cabelos brancos, que tenham olhos para ver diversamente esta grande pobreza do nosso tempo, que a amem. Sem uma dócil reconciliação com a velhice, paradoxalmente ela acaba por dominar até os anos da juventude que escorre veloz com a obsessão de que vai acabar. Pelo contrário, se soubermos amar e acolher a velhice, ela põe em evidência até as suas delicadas, escondidas mas não pequenas belezas. A beleza sempre foi algo de espiritual, muito mais ética do que estética. Conheci Rita Levi Montalcini, Madre Teresa, Nelson Mandela quando estavam já na idade avançada e sempre me pareceram belíssimos, não menos belos que os meus sobrinhos ou que os jovens da minha universidade.

É assim uma enorme injustiça o facto de hoje demasiados idosos passarem os últimos anos de suas vidas sem, à sua volta, netos e crianças essenciais para tornar alegre cada velhice e belas as brancas dos nossos cabelos. Uma cultura que sempre mais obriga os seus idosos a morrerem sós ou em ‘companhia’ de outros velhos sós é uma cultura oca e profundamente ingrata. Hoje em dia, na Itália, 62.5% das mulheres idosas vivem sozinhas (face a 30% dos homens); um dado muito grave, sobretudo quando se pensa que estas mulheres despenderam os melhores anos da sua vida cuidando dos seus velhos, renunciando (mais ou menos livremente) a diversões e, em muitos casos, a bem sucedidas carreiras profissionais. Uma geração inteira de mulheres está a morrer com um enorme ‘crédito de cuidados’: os que recebem na sua velhice são infinitamente menores que os que doaram quando eram jovens. No futuro haveremos de encontrar um novo equilíbrio entre gerações e entre os dois sexos (melhor que o de hoje, esperemos), e os créditos serão reduzidos; mas isso nada tira da dor-injusta de uma geração inteira de verdadeiras ‘exiladas do cuidado’.

A felicidade e a sabedoria de uma civilização medem-se sobretudo por como ela sabe envelhecer e sabe morrer. Quando um jovem vê um dos pais ou a avó morrer mal, é a sua própria vida que fica triste, ainda que disso se não aperceba. Um velho que consegue envelhecer e morre com ‘bonitos cabelos brancos’ realiza grande ato de esperança e amor pelos jovens, pelos seus filhos, por toda a gente, afinal. Poderá também suceder que um justo envelheça e morra mal e desesperado; e que continue a ser justo. Faz parte da vida boa lutar ‘a noite inteira’ e arrancar, por fim, a bênção ao anjo da morte.

Os ‘belos cabelos brancos’ e a ‘saciedade de dias’ de Abraão e Isaac (e depois Jacob/Jacó: 49,33) são impressionantes e  comovedores, tanto mais se pensarmos que naquela fase histórica para o povo de Israel a vida para além da morte era um conceito muito diluído, vago e escuro (o Sheol). O Deus da Aliança e da Promessa era o “Deus dos vivos”, não o deus dos mortos. Para eles JHWH agia e falava na terra. Para muitos personagens bíblicos a dor pela morte próxima é sobretudo a que nasce do pensamento de não mais poder ver o Senhor, que conheciam como o Senhor da vida, que encontravam, ouviam e seguiam vivendo no mundo. A fé bíblica é encontro, aliança, seguimento, história. A experiência religiosa é um facto histórico, dá-se no tempo e no espaço, é uma dimensão fundamental da vida. Foi esta, e não outra, a fé que nos transmitiram Abraão, Isaac e Jacob/Jacó. Neles se encontra a raiz profunda da verdadeira laicidade: o lugar da fé é a história, a terra prometida é a nossa terra. Enquanto houver história e terra, aquela mesma voz que os encontrou poderá encontrar-nos a nós, surpreendendo-nos: “Na verdade JHWH está neste lugar e eu não sabia” (28,16). É esta a maior herança que nos legaram.

Depois de sepultar seu pai Isaac com o irmão Esaú, “Jacob/Jacó instalou-se na terra de Canaã, onde seu pai tinha habitado algum tempo (como estrangeiro)” (37,1).

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A árvore da vida /17 - As mortes bonitas dos Patriarcas, as pobres solidões

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 08/06/2014

Logo Albero della vita"Uma coisa só o magoava: começava a ficar velho e tinha que deixar a terra lá onde ela estava. É uma injustiça de Deus: depois de ter gasto a vida a comprar os seus bens, quando se consegue possuí-los – e bem se gostaria de ter ainda mais – é preciso deixá-los! E assim, quando lhe disseram que era tempo de deixar as suas coisas e pensar na alma, saiu para o pátio como louco, cambaleando; pôs-se a matar à bengalada os seus patos e os seus perus e gritava: - ‘Coisas minhas, venham comigo!’ "                       
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O progresso não é um conjunto de vetores orientados todos na mesma direção. Em muitas dimensões da vida, a modernidade trouxe grandes melhoramentos e desenvolvimento; não foi assim com a arte de envelhecer e de morrer que está a passar por rápida e forte marcha atrás. A fase final do ‘ciclo de Jacob/Jacó’ está tingida pela dor e pela morte, principalmente, de mulheres.

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Os muitos dias que já não nos saciam

A árvore da vida /17 - As mortes bonitas dos Patriarcas, as pobres solidões por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 08/06/2014 "Uma coisa só o magoava: começava a ficar velho e tinha que deixar a terra lá onde ela estava. É uma injustiça de Deus: depois de ter gasto a vida a compra...
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A árvore da vida /16 - A violação de Dina. A vingança leva ao desastre, o agradecimento pacifica.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 01/06/2014

Logo Albero della vita"Um deles, quando viu que estava curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta. Ajoelhou-se aos pés de Jesus, curvando-se até ao chão em agradecimento. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: «Não eram dez os que foram curados? Onde estão os outros nove?»"

(Evangelho de Lucas, 17,15-17)

Perante a história de Dina há só que ficar em silêncio: “Dina, filha de Jacob/Jacó e Lia, saiu um dia do acampamento para ir visitar as mulheres daquela terra. Siquém, descendente de Hamor, o hiveu, chefe daquela terra, viu-a e levou-a consigo para dormir com ela, violentando-a” (34,1).

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Ao reviver os tristes acontecimentos deste capítulo do Génesis dá vontade de passar à frente o capítulo inteiro e procurar outras histórias. Mas iremos atravessar também estas desoladoras páginas da condição humana. Também elas são frequentes e ordinárias na história; e, nas entrelinhas, podem esconder mensagens de vida. Grande parte do trabalho para descobrir algumas verdades da condição humana – qualquer que seja a perspetiva que se tenha – está em tentar conciliar Adam e Caim, Noé e Lameque, Sara e Agar; o abraço entre Esaú e Jacob/Jacó; Dina, os raptores e a vingança dos seus irmãos. Ao ler a Bíblia é frequente a tentação de olhar apenas para as páginas luminosas, deixando de lado as negras - tentação fatal! Quando se cai neste erro acaba-se por fazer leituras ideológicas; uma parte torna-se o todo, perdendo-se então de vista a mestiça realidade do humano, que é a mais verdadeira. O autêntico humanismo bíblico não é uma recolha de ‘best practices’; é um olhar de amor e salvação sobre a humanidade inteira. Para afirmar o primado do Adam sobre Caim e a vitória da bênção sobre o mal, não esconde a parte escura da condição humana. Afirma-o olhando bem de frente para a nossa alma e para o nosso corpo; mostra assim que o mal, apresentado na sua força devastadora, não é nem a última nem a primeira palavra nossa.

Dina, a única filha de Jacob/Jacó, deixou um dia o acampamento e as tendas da mãe “para ir visitar as meninas daquela terra”. Segundo a tradição, era muito jovem, talvez ainda menina (Génesis 30,21 e 31,41; o Livro dos Jubileus [30,2] indica 12 anos): foi à procura de amigas. Hoje também, em lugares de guerra e conflito, as crianças passam barricadas e fronteiras visíveis e invisíveis traçadas pelos adultos; ultrapassam-nas, imprudentes e curiosas da vida, à procura de companheiros, de brincadeiras e aventuras. Mas – ontem como hoje – a pureza dos meninos e meninas pode deparar-se com a maldade e os delitos dos adultos; e isso acontece com frequência. Sobretudo as meninas, as jovens, como Dina, são sempre vulneráveis e correm riscos nas suas brincadeiras ou quando a curiosidade as faz sair de casa. Há milénios que nos esforçamos, mas ainda não conseguimos que as brincadeiras e as saídas da tenda das meninas sejam como as dos seus irmãos rapazes: basta que haja um só Siquém na cidade, ou que essa possibilidade exista, para que uma menina não possa sair quando quiser “a procurar amigas” e para que as suas liberdades e oportunidades sejam menores que as dos irmãos. A civilização de um povo é também medida pela sua capacidade de criar condições culturais e institucionais que tornem as ‘caminhadas de Dina’ cada vez mais possíveis e seguras.

Depois do rapto e da violação, a comunidade dos hiveus (cananeus) pede a Jacob/Jacó e seus filhos que o violador Siquém possa casar com Dina (um “matrimónio reparador”) com a oferta de abundante dote e prenda de casamento: “podem pedir até uma quantia mais elevada do que é costume dar-se e presentes especiais” (34,12). Mas Simeão e Levi, dois dos irmãos de Dina, quando a negociação parecia já chegar a bom porto, “agarraram cada um uma espada, entraram tranquilamente na cidade e mataram todos os homens” (34,25). É frequente na literatura antiga encontrar a imagem da guerra desencadeada pelo rapto de uma mulher (Helena, as Sabinas, …). Mas neste caso a guerra e a violência substituem as alianças pacíficas e boas com os povos cananeus que por várias vezes encontrámos nos ciclos de Abraão e de Isaac. Jacob/Jacó, ele também homem da Aliança, das alianças e dos pactos – e que de forma misteriosa e ambígua permanece muito em segundo plano neste episódio de Dina –  diz aos filhos: “Vocês arruinaram-me. Fizeram com que os habitantes deste país passem a odiar-me” (35,30). Ele não pode aprovar aquela conclusão homicida que inesperadamente fez voltar o povo da promessa às violências anteriores ao arco-íris de Noé.

Com o regresso de Dina à sua família, o Génesis retoma a história de Jacob/Jacó, das suas epifanias e do seu caminho. De facto, Eloim voltou a falar-lhe: “Sai daqui, vai viver para Betel e constrói lá um altar ao Deus que te apareceu quando ias a fugir do teu irmão Esaú” (35,1). Em Betel, na fuga para casa de Labão, tinha recebido em sonho uma vocação pessoal (28,13), tinha visto a escada do céu; iniciara-se alí a sua verdadeira história. Jacob/Jacó-Israel regressa a Betel certamente mais rico do que quando lá tinha passado pela primeira vez: tem agora uma descendência numerosa, muitos bens, está reconciliado com Esaú; sobretudo tem um nome novo e a grande bênção do Jaboque. Surge então o seu reconhecimento pelas bênçãos recebidas ao longo de mais de vinte anos em que seguiu aquela primeira voz: “vamos sair daqui e dirigir-nos para Betel. Quero construir lá um altar ao Deus que me ajudou, quando eu estava em aflição, e que sempre me acompanhou por onde tenho andado” (35,3). A gratidão, qualquer verdadeira gratidão, é expressão de gratuidade  (têm a mesma raíz grega, charis). A mais preciosa é mesmo a gratidão que ‘se vira para trás’, não a que ‘olha para a frente’. Em muitos sentimentos e paixões humanos não é bom olhar para trás (como no caso da mulher de Lot que tê-lo feito foi transformada numa coluna de sal: 19,26). A gratidão é a exceção desta regra; é mais genuina e eficaz quando nasce de olhar de novo para trás, sem preocupação pelo futuro. Pode-se agradecer com ofertas e ‘altares’, um cliente ou fornecedor; como bons empresários, olhando para a frente, sabemos bem que agradecer é um ótimo investimento para o bom andamento das relações comerciais. Não há mal nenhum nisso, pelo contrário. Mas é diferente – mais elevado e mais puro – o agradecimento de quem o pronuncia como se o mundo terminasse com aquele ‘obrigado’. Esta gratidão que olha para trás é toda graça-gratuidade; por isso vale muitíssimo: a sua única razão de ser está toda ela no próprio relacionamento. Vivem-na, por exemplo, os que praticam a arte de ‘fechar os círculos dos relacionamentos’: após um encontro ou um evento (que não terá seguimento) escrevem às pessoas simplesmente para agradecer. Pela mesma razão a gratidão maior é a que se exprime para com os pobres e os pequenos, não para com os poderosos (que acham que nunca recebem agradecimentos bastantes). Pensando bem, é esta gratidão, sobretudo, que exprimimos quando vamos ao funeral de um amigo ou às bodas de ouro dos nossos pais. É a gratidão que exprimimos aos colegas nas festas de despedida quando se reformam (bastaria esta dimensão para as valorizar, nas empresas); mas também para com artistas e filósofos de outros tempos, ou os santos (a santidade pode também ser lida como grande expressão de gratidão coletiva: olhando para o que foi a vida de uma pessoa, todos são ajudados a olhar para a frente e para o alto). É esta a gratidão que declaramos – e reciprocamente nos declaramos – à nossa esposa no leito de morte, quando num instante e num ponto se concentram as dores e a beleza do universo. Esta ‘gratidão que olha para trás’ não informa todos os agradecimentos importantes da nossa vida; mas quando ela falta também os outros agradecimentos perdem profundidade e valor.

O regresso a Betel recorda ainda que, ao longo do caminho de uma vocação individual ou coletiva autêntica, é preciso de vez em quando repetir a ‘peregrinação de Jacob/Jacó’; pôr-se de novo a caminho para o lugar da primeira vocação. Tais peregrinações são sempre úteis, mas são indispensáveis para pessoas e comunidades nascidas da escuta de uma ‘voz’ e que acreditaram numa ‘promessa’; incluindo aquele especial tipo de comunidade que são as empresas. Repetir a ‘peregrinação’ de Jacob/Jacó é preciosíssimo em momentos de crise, quando se viveu um conflito ou uma ‘guerra’ recente. Partir em direção a um ‘altar’ torna-se um bom e eficaz meio para recomeçar, para reencontrar os fundamentos éticos e espirituais de um relacionamento, de uma comunidade, de nós mesmos. Partir juntos, recolhendo antes ou pelo caminho os motivos para agradecer e nos agradecermos. Depois da sua triste história Dina desaparece da Bíblia. Mas Dina está ainda viva em tantas mulheres, jovens e meninas (e meninos) raptadas e violentadas, ontem, hoje, amanhã, na Itália, na Índia, por todo o lado. Se a Bíblia quis apresentar-nos a única filha dos três patriarcas como uma menina raptada e abusada, é porque também esta dor absurda é vista por Deus, que continua a sofrer sempre que alguma das irmãs de Dina verte as mesmas lágrimas que para sempre recolhe no seu “odre” (Salmo 51). “Jacob/Jacó chegou com todos os seus ... a Betel. Lá edificou um altar” (35,6).

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A árvore da vida /16 - A violação de Dina. A vingança leva ao desastre, o agradecimento pacifica.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 01/06/2014

Logo Albero della vita"Um deles, quando viu que estava curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta. Ajoelhou-se aos pés de Jesus, curvando-se até ao chão em agradecimento. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: «Não eram dez os que foram curados? Onde estão os outros nove?»"

(Evangelho de Lucas, 17,15-17)

Perante a história de Dina há só que ficar em silêncio: “Dina, filha de Jacob/Jacó e Lia, saiu um dia do acampamento para ir visitar as mulheres daquela terra. Siquém, descendente de Hamor, o hiveu, chefe daquela terra, viu-a e levou-a consigo para dormir com ela, violentando-a” (34,1).

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Porque não acaba o mundo

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A árvore da vida /15 - Jacob/Jacó descobre um novo nome e descobre-se como irmão

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 25/05/2014

Logo Albero della vita"Naquele dia a alvorada foi mais breve que o normal: o sol surgiu duas horas antes do tempo … E aquele sol prematuramente nascido apresentava uma força admirável: brilhou com o mesmo esplendor que tivera nos seis dias da criação e que voltará a exibir no fim dos tempos".

(Midrash maior do Génesis, LXVIII).

Na Bíblia – diferentemente do que acontece na civilização do consumo – os nomes de pessoas (e lugares) são uma coisa séria. São sempre escolhidos para indicar, simbolicamente, uma vocação ou um destino. E quando, num evento ou encontro extraordinário, o primeiro nome é substituído, o nome passa a ser também um chamamento para uma missão especial e universal. É assim com Sarai e Abrão: depois da Aliança tornam-se Sara e Abraão; e, após a sua luta noturna, Jacob/Jacó passará a ser Israel.

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Reconciliado já com Labão, Jacob/Jacó sabe que irá ter o encontro mais difícil: o que o espera com Esaú, o irmão que tinha enganado. Mas ele não sabia que antes de poder reencontrar Esaú, um outro encontro extraordinário o esperava na ribeira de Jaboque  (afluente do Jordão). Depois de vinte anos de exílio, Jacob/Jacó tem medo de voltar à terra do irmão. A benção roubada vinte anos atrás acompanhou-o durante o exílio; teme que Esaú não tenha esquecido o engano. Começa por anunciar a sua chegada: “Jacob/Jacó enviou mensageiros a Esaú” (32,4). Veio a saber, porém, que o irmão avançava para ele com quatrocentos homens e “Jacob/Jacó ficou cheio de medo e muito preocupado” (32,8). Teme Esaú; procurando a reconciliação, envia abundantes presentes ao irmão, para o precederem e prepararem o grande encontro: “duzentas cabras, vinte bodes … dez bois, vinte burras …” (32,15). Esperando: “Se eu mandar à minha frente os presentes para acalmar a sua irritação, quando eu próprio me encontrar com ele talvez ele me faça bom acolhimento” (32,21). São práticas antiquíssimas: as comunidades encontraram-se e reencontraram-se usando presentes como primeiras palavras. A preparação do encontro entre Jacob/Jacó e Esaú é uma das mais antigas histórias que mostram o laço profundo que existe entre o dom e o per-dom. Jacob/Jacó envia dons a Esaú para lhe pedir o dom do perdão. Todo o verdadeiro perdão não é nunca um ato unilateral mas encontro de dons.

Porém, entre a preparação e o encontro com Esaú o escritor sagrado introduz uma nítida descontinuidade narrativa: conduz-nos ao atravessamento noturno de uma ribeira para nos fazer viver um dos episódios mais extraordinários da Bíblia: Jacob/Jacó, o ‘abençoado por engano’, torna-se o ‘abençoado pela luta’. Jacob/Jacó chega a este encontro noturno com uma grande, complexa, dolorosa bagagem humano-divina. Naquele vau, além dos rebanhos, dos bens, da família, Jacob/Jacó leva também a primogenitura, o prato de lentilhas, o furto da benção, as mentiras que disse ao velho pai Isaac (e a JHWH), os enganos que fez e recebeu de Labão; dores que nele coexistem com o sonho da ‘escada’ e do paraíso, os anjos, a promessa, o chamamento, a Aliança renovada. Acompanhemos então Jacob/Jacó até ao Jaboque, sigamo-lo naquela noite como se fosse a primeira vez que lemos este episódio (só a primeira leitura da Bíblia é fecunda) e combatamos a seu lado.

Durante essa noite, Jacob/Jacó levantou-se para atravessar a ribeira de Jaboque, levando consigo as suas duas mulheres, as duas escravas e os seus onze filhos. … Jacob/Jacó ficou para trás sozinho e um desconhecido pôs-se a lutar com ele até de madrugada” (32,23-25). Um homem (“ish”) enfrentou-o enquanto atravessava a vau. Desconhecemos o motivo deste facto que é apresentado como uma verdadeira emboscada. O homem parece ser um habitante da noite que deve terminar a luta “ao nascer da aurora”. O combate é longo e o misterioso homem não consegue levar a melhor sobre Jacob/Jacó – várias vezes o Génesis mostra Jacob/Jacó dotado de força extraordinária (cf. 29,10) – e, para o enfraquecer, feriu-o ‘abaixo da cintura’, na “cavidade da anca”, fazendo-a deslocar; mas não o venceu (32,26). O adversário pede a Jacob/Jacó: “Deixa-me ir embora que já é de manhã” (32,27). É nesta altura do diálogo-luta que Jacob/Jacó volta a ser mendigo de bençãos: “Não te deixo ir embora sem primeiro me abençoares” (32,27). O combatente pergunta: “Como te chamas?”. “Jacob/Jacó”. “Desde agora em diante o teu nome não será Jacob/Jacó, mas sim Israel, porque lutaste contra Deus e contra os homens e saíste vencedor” (32,29). Também Jacob/Jacó pergunta o nome ao lutador; como resposta obtém a benção que pedira: "‘Que interesse tens tu em saber qual é o meu nome? E abençoou-o” (32,30). Na verdade o nome do lutador misterioso já lhe fora revelado: “porque lutaste contra Deus e contra os homens”. O seu adversário era um homem, e era Elohim. Jacob/Jacó foi abençoado e ferido pela mesma (P)pessoa. Estamos perante uma grande metáfora da fé (a fé bíblica, não a dos vendedores de consumos emocionais e psíquicos): a fé é experiência que só ferindo nos abençoa. Ícone notável dos relacionamentos humanos verdadeiros, esta luta (o adversário era também um homem); nela a benção da alteridade é-nos dada quando nos expomos à possibilidade da ferida. Esta luta é ainda uma poderosa imagem das relações humanas na atual sociedade de mercado, nas empresas e organizações, onde se está a perder a benção do outro porque se tem medo da ferida que ele pode provocar. Entrou-se, assim, numa carestia de bençãos, de felicidade. 

Coxeando, “Jacob/Jacó levantou os olhos e viu que Esaú estava a aproximar-se. … inclinou-se até ao chão sete vezes”. Mas “Esaú correu ao seu encontro e, atirando-se-lhe ao pescoço, abraçou-o e beijou-o e ambos choravam de alegria” (33,1;3-4). Pode recorrer-se a processos intermináveis, podem vencer-se inúmeras causas mas a verdadeira reconciliação apenas se obtém quando se consegue ‘chorar juntos’. Quem tenha sofrido uma ofensa grave, sobretudo se da parte de familiares ou pessoas amadas, sabe que aquela dor não poderá ser compensada por qualquer pena ou indemnização a receber: a única cura eficaz para tal ferida é a reconciliação, o abraço. Quando não se chega a ‘chorar juntos’, a desproporção entre o sofrimento e a compensação é grande demais; e as feridas mantêm-se abertas, não param de sangrar. As lágrimas derramadas por terem assassinado os nossos caros, pelas injustiças profundas de que se foi vítima, pelas calúnias, porque nos roubaram a benção, apenas poderão ser enxugadas se se misturarem num abraço com as lágrimas de quem as provocou. Bem sabemos, também, que tudo isto é muito difícil; mas sobretudo sabemos que não há outra alternativa para curar as feridas de relações primárias da nossa vida - os processos penais e civis deveriam favorecer a possibilidade destes abraços.

Uma pergunta – entre muitas mais – fica em aberto: porque é que Deus enfrentou e lutou com Jacob/Jacó se ele se encaminhava para recompor a fraternidade? Porque se intro-meteu entre Jacob/Jacó e a Sua promessa? Nesta luta podemos descobrir uma das leis mais profundas e menos exploradas da natureza humana. Num momento decisivo da vida, quem luta com o justo é a sua justiça; com o fundador é a sua obra; com o carismático é o seu carisma; com o poeta é a sua poesia; com o empresário é a sua empresa. E não por perversão ou por maldade intrínseca da vida ou quiçá de Deus, mas porque, quando alguém que recebeu uma vocação e a ela respondeu atinge o ápice moral da sua existência, inevitavelmente se depara com a ‘etapa do nome novo’. Tem que lutar com o que tinha sido a sua primeira missão e a sua benção para, depois da ferida da luta, poder receber outras mais verdadeiras. Jaboque e Jacob/Jacó são nomes que em hebraico têm pronúncia idêntica, quase anagrama um do outro. Durante tais combates, o principal adversário-lutador é precisamente o que de mais belo e maior a vida tem, aquilo que dentro não quer ‘morrer’; e luta e fere: deus contra deum. Mas só quando se passa este ‘vau’ se levanta verdadeiramente voo para o infinito: Raimundo Maximiliano Kolbe torna-se o Padre Kolb e o é para sempre.

No fim da luta, ‘Israel’ recebe a benção de ‘Jacob/Jacó’; - compreende-se e sente-se que a vida-missão de ontem não era um inimigo a combater, mas um amigo que nos abraça e abençoa; e que com aquela ferida nos abriu acesso à parte mais profunda e melhor de nós. Até àquele atravessamento noturno, a benção de Jacob/Jacó era a que tinha roubado ao irmão. Agora que recebeu uma nova benção que é só dele, que para sempre ficará inscrita na sua carne – de acordo com uma tradição rabínica Jacob/Jacó ficou coxo para o resto da vida – agora, pode também ele abençoar Esaú: “aceita, peço-te, a minha benção” (33,11). Fecha-se o círculo. Nós também, como Jacob/Jacó, somos mendigos de bençãos. Mas hoje corremos o risco de perder a capacidade espiritual de compreender que as grandes bençãos se escondem dentro das feridas feitas na carne das nossas relações. “Jacob/Jacó chegou são e salvo à cidade de Siquém, na terra de Canaã” (33,18).

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A árvore da vida /15 - Jacob/Jacó descobre um novo nome e descobre-se como irmão

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 25/05/2014

Logo Albero della vita"Naquele dia a alvorada foi mais breve que o normal: o sol surgiu duas horas antes do tempo … E aquele sol prematuramente nascido apresentava uma força admirável: brilhou com o mesmo esplendor que tivera nos seis dias da criação e que voltará a exibir no fim dos tempos".

(Midrash maior do Génesis, LXVIII).

Na Bíblia – diferentemente do que acontece na civilização do consumo – os nomes de pessoas (e lugares) são uma coisa séria. São sempre escolhidos para indicar, simbolicamente, uma vocação ou um destino. E quando, num evento ou encontro extraordinário, o primeiro nome é substituído, o nome passa a ser também um chamamento para uma missão especial e universal. É assim com Sarai e Abrão: depois da Aliança tornam-se Sara e Abraão; e, após a sua luta noturna, Jacob/Jacó passará a ser Israel.

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O perdão é luta abençoada

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A árvore da vida /14 – O homem ficou sabendo que os contratos nunca são suficientes

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 18/05/2014

Logo Albero della vita"Vendo Labão que Jacob/Jacó não tinha bagagens, deduziu que deveria trazer na sacola grande quantidade de dinheiro; e abraçou-o na cintura para verificar …. Foi o próprio Jacob/Jacó que lhe disse: ‘Enganas-te se pensas que venho cheio de dinheiro. Nada mais trago que palavras".

Antigamente o homem acedia com maior facilidade ao mistério da vida. Homens, mulheres e seres “visíveis” eram apenas uma parte pequena dos falantes, no mundo que ele habitava. A terra estava cheia de fortes mensagens e símbolos que ele interpretava com clareza. Muitas dessas “palavras” eram vivas e verdadeiras; nós esquecemo-nos delas, como acontece quando, crescidos, usamos uma nova maneira de falar, deixando de usar a que aprendemos em criança. E isso torna-nos mais pobres.

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Chegado à terra do tio Labão, Jacob/Jacó "um dia encontrou no campo um poço" (Gén. 29,2). O poço é um símbolo grande nas culturas nómadas. Era e é ainda sinal de vida, de regeneração da natureza, salvação de rebanhos e pessoas, lugar de relacionamentos, comunidades, oásis, encontros. É junto a poços que a Bíblia situa muitos encontros entre homens e mulheres (os casos de Isaac, Moisés, Jesus com a Samaritana). É difusa e remonta a tempos antiquíssimos a familiaridade entre a mulher e a água (as sereias, as ninfas...). Jacob/Jacó encontra a sua prima Raquel junto de um poço, estava ela com o rebanho de ovelhas ("pois ela era pastora": 29,9); e ficou imediatamente fascinado: "Jacob/Jacó saudou Raquel com um beijo e não pôde conter as lágrimas" (29,11).

Foi durante o longo e complexo período que Jacob/Jacó passou na casa de Labão que pela primeira vez surgiu na Bíblia a palavra “salário”: "Diz-me que salário queres" (29,15). O primeiro salário é uma mulher: "Aceito trabalhar para ti, durante sete anos, para casar com Raquel, a tua filha mais nova" (29, 18). Certamente, neste salário especial existem traços (para nós desagradáveis) de um mundo antigo no qual as filhas eram “mercadoria” (31,14); mas nele está também, escondida como pérola, uma das mais belas definições do amor humano: "Para obter Raquel, Jacob/Jacó trabalhou durante sete anos e, pelo amor que lhe tinha, aqueles sete anos pareceram-lhe apenas alguns dias" (29,20).

Ao longo destes complexos e cativantes capítulos, Jacob/Jacó, o assalariado, não era um homem livre: estrangeiro, não tinha propriedades; era trabalhador por conta de outrem, numa condição social e jurídica semelhante à de um servo (no mundo pré-moderno apenas a propriedade da terra criava riqueza e status). Mas no final dos sete anos combinados o contrato-salário não funcionou: com um engano (arte bem conhecida de Jacob/Jacó) Labão deu-lhe por mulher não Raquel "bonita e elegante" mas Lia, a filha mais velha, que "tinha os olhos muito ternos" (29,17), e pediu a Jacob/Jacó para continuar ao seu serviço por mais sete anos para ter também Raquel como mulher. Jacob/Jacó ficou, porque Raquel "era a sua preferida" (29,30). Passados outros sete anos, Jacob/Jacó quis regressar a Canaã. Labão tem que liquidar a compensação do seu trabalho: "Diz-me então que salário pretendes, que eu to pagarei" (30,28). Fixam um outro acordo para determinar a parte dos rebanhos que cabe a Jacob/Jacó; é um contrato cheio de truques (30,31-43) que acabará por comprometer a relação entre eles (31,1-2). De modo que também este segundo contrato-salário entre Labão e Jacob/Jacó produziu conflitos e injustiças.

Hoje como ontem, os contratos podem produzir e produzem desigualdades crescentes e conflitos, porque são usados para empobrecer a parte mais frágil. Os fortes e os frágeis existem e como tais permanecem, mesmo quando “livremente” assinam contratos. Também por isso, ao humanismo bíblico não bastam os contratos (ainda que necessários e muitas vezes indispensáveis); são precisos pactos.

É esta, também, a mensagem do epílogo do diálogo-conflito entre Labão e Jacob/Jacó. Labão alcança Jacob/Jacó em fuga; o sobrinho exprime toda a sua frustração por causa das injustiças infligidas pelo tio, que lhe alterou "o salário dez vezes" (31,41). Mas no auge daquele difícil diálogo, Labão diz: “façamos ambos um pacto” (31,44). Depois da Aliança com JHWH e das que celebrara com povos estrangeiros, esta é a primeira aliança entre homens da mesma comunidade, um pacto entre duas pessoas que finalmente descobrem estar ao mesmo nível. O contrato-salário não fora para eles bom instrumento de paz e de justiça: sê-lo-á o pacto. Nos pactos os símbolos são essenciais: "Jacob/Jacó pegou numa pedra e colocou-a ao alto para servir de monumento" (31,45). Tinha erguido a primeira estela em Bétel (28,18) como altar, depois do sonho da “escada” para o céu; ergue agora uma segunda estela por um pacto com um outro homem. Os pactos inter-humanos não merecem estelas mais pequenas, pois também elas celebram a Aliança, a vida, o amor; por esta razão, talvez, ao lado da eucaristia, a Igreja católica inseriu entre os sacramentos o matrimónio celebrado pelos esposos.

Mas não ficam por aqui os símbolos deste pacto: "Jacob/Jacó disse aos seus parentes: “Juntem mais pedras”, e eles assim fizeram. Juntaram um monte de pedras e comeram junto daquele monte de pedras". E Labão disse: "Que este monte de pedras e este monumento... sejam testemunhas entre mim e ti". (31,52). Também Isaac tinha comido com Abimeleque (26,30) depois de celebrarem a aliança. Comer juntos depois do pacto era e é muito mais que um “almoço de trabalho” (embora nos almoços de trabalho exista um antigo eco daqueles remotos pactos). Partilhar a refeição é partilhar a vida; é a comunhão que se faz também alimento. A boda de casamento é um elemento importante do pacto porque diz comunitariamente outras importantes palavras de vida. Uma reconciliação ou uma declaração de amor assumem maior força se forem acompanhadas por um jantar, por uma festa de convívio, talvez preparada em conjunto, na sobriedade. Não creio que possam celebrar-se estes bons pactos em clubes privados ou secretos (aí, pelo contrário, celebram-se muitos pactos errados; todos os dias o constatamos). Em muitas culturas, também depois dos funerais era costume comer com os familiares do defunto; o alimento partilhado tornava-se dor partilhada e renovação de um pacto comunitário; os nossos funerais são tristes, mas ainda mais tristes são os tempos depois do funeral: cada vez mais consumidos nas solidões.

A nossa época será recordada por muitas coisas esplêndidas; mas também pela invenção do fast-food e da sanduíche solitária das pausas de almoço. Sabemos bem a grande diferença que existe – em termos de alegria e de qualidade de vida – entre um almoço partilhado com colegas-amigos e outro tomado sem companhia. Quando se come com um bom amigo-colega, para além de calorias, “comemosbens relacionais que nutrem pelo menos tanto quanto o alimento e tornam melhor o trabalho, a vida e a saúde (basta ver as estatísticas). Sinal da insustentabilidade do nosso modelo económico são as demasiadas sanduíches que se comem sem companhia.

Em atos verdadeiramente importantes, as palavras humanas são essenciais, mas não chegam: queremos ouvir falar a natureza, o céu, os antepassados, os anjos, a terra toda. Quando por detrás de um contrato existem coisas verdadeiramente importantes (uma empresa nova, uma escola, um hospital…), não basta um brinde. Conheci empresários de economia civil e cooperadores que quando admitiam um novo trabalhador o convidavam para jantar. Durante a refeição apresentavam ao recém-chegado a história da empresa, os seus valores originais; deste modo revivia-se e alargava-se o pacto fundador. Não se pode ser companheiros de viagem sem cum-panis, sem o pão partilhado.

Os contratos que produzem vida boa e resistem ao tempo são precedidos ou seguidos de pactos. Uma empresa nascida apenas de contratos ou se torna também um pacto – muitas vezes depois de passar por uma crise – ou morre. Na sociedade tradicional os pactos estavam implícitos nas comunidades que exprimiam os contratos de empresas e cooperativas; não era por acaso que nasciam de famílias ou de grupos que partilhavam ideais políticos ou espirituais. Também a nossa democracia e instituições nasceram de pactos que brotaram das lágrimas e do sangue de guerras e ditaduras. É por isso que os contratos nascidos desses pactos foram fortes e bons; e ainda hoje nos ajudam a viver.

Mas sobre quê fundamos hoje os novos contratos, bancos, partidos, empresas? Onde estão os pactos, os símbolos, as estelas, os nossos cum-panis? Até quando nos contentaremos de ter como “testemunhas” as hipotecas e os advogados? É esta “carestia de fundamento” a razão mais profunda das tantas crises do nosso tempo. A nossa geração está ainda apoiando os seus pactos sobre um património ético, espiritual e simbólico construído ao longo de séculos de civilização. Mas ele está a esgotar-se. Se quisermos começar a regenerá-lo, teremos de novo que fundar simbolicamente os relacionamentos entre nós, reaprendendo a partilhar o pão bom.

Depois daquele pacto e daquela refeição de paz Jacob/Jacó continuou a sua viagem  "e foram ao seu encontro uns mensageiros de Deus" (32,2).

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A árvore da vida /14 – O homem ficou sabendo que os contratos nunca são suficientes

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 18/05/2014

Logo Albero della vita"Vendo Labão que Jacob/Jacó não tinha bagagens, deduziu que deveria trazer na sacola grande quantidade de dinheiro; e abraçou-o na cintura para verificar …. Foi o próprio Jacob/Jacó que lhe disse: ‘Enganas-te se pensas que venho cheio de dinheiro. Nada mais trago que palavras".

Antigamente o homem acedia com maior facilidade ao mistério da vida. Homens, mulheres e seres “visíveis” eram apenas uma parte pequena dos falantes, no mundo que ele habitava. A terra estava cheia de fortes mensagens e símbolos que ele interpretava com clareza. Muitas dessas “palavras” eram vivas e verdadeiras; nós esquecemo-nos delas, como acontece quando, crescidos, usamos uma nova maneira de falar, deixando de usar a que aprendemos em criança. E isso torna-nos mais pobres.

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O caminho: dizer e nutrir aliança

A árvore da vida /14 – O homem ficou sabendo que os contratos nunca são suficientes por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 18/05/2014 "Vendo Labão que Jacob/Jacó não tinha bagagens, deduziu que deveria trazer na sacola grande quantidade de dinheiro; e abraçou-o na cintura para verificar …. ...
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A árvore da vida /13 – Jacob/Jacó encontrou a sua “escada” num sonho. E nós?

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 11/05/2014

Logo Albero della vita“Samuel disse a Saúl: «Porque é que tu me perturbaste e me fizeste sair de onde eu estava?». Respondeu-lhe Saúl: «Estou muito preocupado … Deus afastou-se de mim e não me responde, nem pelos profetas, nem pelos sonhos".  
1º livro de Samuel, 28,15

O livro do Génesis não é um tratado de moral nem um manual de ética familiar. É bem mais do que isso. O ciclo de Jacob/Jacó (capítulos 27-37) é uma belíssima pintura a fresco da grandeza e contradições do humano; são usadas todas as cores da vida, todos os possíveis tons dos relacionamentos sociais e familiares: esplendorosos e matinais, em teofanias e bençãos; lúgubres e noturnos em mentiras e enganos.

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Enganado, posto à margem do rio da Aliança na companhia dos outros "vencidos", quando Esaú descobre o segundo engano do irmão (o furto da bênção patriarcal) “ficou com muito ódio a Jacob/Jacó… e pensava para consigo mesmo: ‘O meu pai já deve durar pouco tempo; depois de ele morrer, hei de matar o meu irmão.’” (27,41). Vindo a saber das intenções de Esaú, sua mãe Rebeca, que tinha orquestrado o engano, disse a Jacob/Jacó: “Olha que o teu irmão Esaú quer vingar-se de ti e matar-te … ouve o que te vou dizer. Foge e vai para casa de meu irmão Labão” (27,42-45). A fraternidade negada abre sempre a possibilidade do fratricídio. Uma vez mais Jacob/Jacó obedece à mãe; vai-se embora para não morrer e evita assim que a sua fraternidade tenha o mesmo fim que a de Caim. Na Bíblia a fraternidade não é nunca romântica ou sentimental. Aqui também a salvação chega "por dispersão" (como em Babel, como entre Abraão e Lot). No deserto, em sonho, espera-o o encontro decisivo. Pela primeira vez Jacob/Jacó encontra JHWH que lhe dirige um chamamento pessoal. A partir daquele momento JHWH já não será apenas o Deus dos pais (“JHWH, o teu Deus”, tinha dito Jacob/Jacó a Isaac durante o diálogo do engano (27,20), vai tornar-se também o seu Deus, a Voz que o chama pelo nome. Chegado ao deserto, cai a noite e Jacob/Jacó adormece. Tem um sonho: “Uma escada assente na terra e que chegava até ao céu e os mensageiros de Deus subiam e desciam por ela” (28,12). Durante o sonho JHWH diz-lhe: “Eu sou JHWH, o Deus do teu antepassado Abraão e de Isaac … Os teus descendentes hão de ser tão numerosos como o pó da terra …através de ti e dos teus descendentes todas as famílias do mundo serão abençoadas” (28,13-14). Jacob/Jacó, o terceiro patriarca, o arrivista enganador, tem um encontro pessoal com o Deus da Aliança e dos antepassados; a promessa torna-se sua, também. Ao acordar exclama: “Realmente JHWH está neste lugar e eu não sabia”. “Este lugar é... a porta do céu” (28,16-17).

Na antiguidade os sonhos eram sempre envolvidos por mistério, algo de muito sério e importante. Na Bíblia são, também, lugares de reais teofanias: os homens não conheciam ainda a existência do inconsciente; eram, pois, mais livres de sonhar sonhando, dispunham de mais linguagens para escutar e decifrar as muitas e diversas palavras da vida.

Antes deste sonho, Jacob/Jacó não recebera qualquer vocação. Era apenas o "neto" de Abraão, filho da Aliança e da promessa. Era homem de conduta ética de limitado perfil, nem melhor nem diferente dos homens do seu povo. Estava dentro de uma história de Aliança e de promessa; acompanhara-a através das histórias que se contavam ao serão na sua família, na tenda; nutrira a sua alma de esperanças. Mas a herança da Aliança e da promessa não passa pelo sangue; não é título de nobreza, não se transmite com o nome de família. Toda a aliança diz respeito ao nome próprio, é questão de vocação, de encontro pessoal com a Voz que chama e que cria uma tarefa e um destino. 

Não basta ser filho ou parente do fundador de uma empresa para recolher a sua herança moral. O filho herda o status, o prestígio e os bens dos pais, mas a empresa familiar acabará por morrer (ou será vendida) se, a certa altura, não surgir alguém na família com um chamamento pessoal para levar por diante a aventura humana e moral de quem fundou a empresa, para continuar o sonho e o pacto que a fez nascer. O primeiro pacto morrerá se Joana for apenas a filha de Bruno, o fundador; a menos que chegue um novo sonho. Mesmo no nosso mundo pós-moderno  – um mundo desencantado que parece já não ser capaz de sonhar e escutar as vozes profundas da vida – as vocações existem. Podem ser diferentes as ideias sobre Quem é, ou o que será, a voz que chama; mas é um facto que se experimenta que as vocações abundam, fazem viver e renascer a terra a cada dia que passa. A existência de artistas, cientistas, poetas, missionários – mas também a presença de muitos empresários sociais e civis – não se poderia explicar (ou se explicaria pouco e mal) sem ter em consideração a categoria “vocação”. Dimensões essenciais da vida (como a gratuidade) não seriam conhecidas se não existissem na terra pessoas "movidas por dentro", que não correm atrás de incentivos, mas seguem uma voz interior. 

Noemi tinha sido durante vinte anos funcionária de uma empresa pública; certo dia – um preciso dia – sentiu que deveria deixar o emprego seguro para, juntamente com outros sócios, criar uma empresa no setor das energias alternativas; deste modo, os seus ideais éticos passaram a ser, também, projeto profissional e social. Certo dia – um preciso dia – Marco lê "por acaso" um livro de economia e sente-se impulsionado a escrever ao autor: “Escreveste este livro mesmo para mim”.  Em poucos anos, a vida de Marco transformou-se; é hoje um empresário da economia civil e de comunhão. Paixões, interesses, preferências… certamente; mas para entender e contar bem estas histórias de ontem, de hoje, de sempre, mais forte e mais eficaz é a palavra ‘vocação’ (seria preciso escrever um “dicionário das vocações” que existem nos vários âmbitos do humano). A experiência daqueles que dentro de si ouvem dizer: “És capaz de vir a ser o que não és ainda, e que é a parte melhor de ti” é a mais forte e verdadeira. Qualquer pessoa tem uma vocação, um caminho para a própria excelência e para o bem comum, um "não ainda" que aspira a tornar-se ""; mas nem todas as vocações chegam a florescer; é que, se não se encontrarem pessoas e lugares de gratuidade, estas vozes não chegam a ser ouvidas, são sufocadas pelo rumor quotidiano que na nossa civilização é demasiado forte. Sempre que alguém descobre, segue e, depois, cuida uma vocação, acontece um encontro entre passado, presente e futuro, entre céu e terra; um encontro que transforma e melhora o mundo para sempre. Por vezes, esta voz ouve-se aos 12 anos; outras vezes aos 80. Pouco importa a idade ou a saúde. O que conta é encontrar um dia a "porta" do céu e ver os “anjos" subir e descer pela "escada" que liga o céu à terra e à nossa vida. 

Lourença é escritora; quando cria as suas histórias vê "descer do céu" a avó Ana a qual, nos pouquíssimos anos em que tinha ido à escola aprendera de cor as poesias que nos dias de festa recitava. Franco, empresário, no dia em que finalmente inaugurou a sede da sua empresa, "subiu ao céu’" para agradecer ao seu bisavô João: quando era criança ele tinha-lhe transmitido a beleza e a sabedoria de criar com as mãos e com o coração.

Quando acordou do sonho-encontro, Jacob/Jacó agarrou a pedra (28,11) que lhe tinha servido de cabeceira – tinha "participado" no sonho porque também ela era viva – "ergueu-a ao alto como monumento e derramou óleo sobre ela. Deu àquele lugar o nome de Bétel. Antes, aquela localidade chamava-se Luz" (28,18-19). Nas histórias de vocação a geografia tem o mesmo peso da história: não só factos e documentos; falam também os lugares. Todos os símbolos são um encontro de história e geografia, de palavras e lugares. Sem a Índia não se pode verdadeiramente compreender quem foram Madre Teresa e Gandhi; Etty Illesum não se compreende sem a Holanda sob ocupação nazi; o Padre Oreste Benzi não se entende sem certas ruas escuras de Rimini. Também os lugares têm nome (isto é, chamamento e destino), participam como protagonistas nas nossas histórias e vocações: entre a terra e os homens existe uma misteriosa – mas real – lei de reciprocidade. O homem da Bíblia sabia tudo isto muito bem. Nós é que, com a capacidade simbólica atrofiada, o sabemos muito menos; mas não o esquecemos completamente. Por isso, em momentos de cansaço, regressamos muitas vezes, por instinto, a lugares simbólicos da nossa vida – onde num preciso dia e num preciso lugar ouvimos a Voz decisiva – para nos deixarmos amar por eles, para de novo nos escolhermos, para de novo sonharmos o primeiro sonho, para de novo nos ouvirmos chamar pelo nome.

A terra e o céu continuam a viver e a falar-nos. Como Jacob/Jacó, nós continuamos a sonhá-los; continuamos a vida toda à procura da "porta do céu" e de uma "escada" para lá chegar.

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A árvore da vida /13 – Jacob/Jacó encontrou a sua “escada” num sonho. E nós?

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 11/05/2014

Logo Albero della vita“Samuel disse a Saúl: «Porque é que tu me perturbaste e me fizeste sair de onde eu estava?». Respondeu-lhe Saúl: «Estou muito preocupado … Deus afastou-se de mim e não me responde, nem pelos profetas, nem pelos sonhos".  
1º livro de Samuel, 28,15

O livro do Génesis não é um tratado de moral nem um manual de ética familiar. É bem mais do que isso. O ciclo de Jacob/Jacó (capítulos 27-37) é uma belíssima pintura a fresco da grandeza e contradições do humano; são usadas todas as cores da vida, todos os possíveis tons dos relacionamentos sociais e familiares: esplendorosos e matinais, em teofanias e bençãos; lúgubres e noturnos em mentiras e enganos.

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A porta do céu é uma voz

A árvore da vida /13 – Jacob/Jacó encontrou a sua “escada” num sonho. E nós? por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 11/05/2014 “Samuel disse a Saúl: «Porque é que tu me perturbaste e me fizeste sair de onde eu estava?». Respondeu-lhe Saúl: «Estou muito preocupado … Deus afastou-se de mim e ...
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A árvore da vida /12 - Isaac “enganou-se” no filho, não na benção

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 04/05/2014

Logo Albero della vita

"Não há mãos
que me acariciem o rosto,
(dura é a missão
destas palavras
que não conhecem amores)
não sei o que seja a doçura
dos vossos abandonos:
coube-me ser
guardião
da vossa solidão:
sou
salvador
de horas perdidas" (D.M. Turoldo)

Sem o livro de Job/Jó, o Cântico, os Salmos, o Evangelho de Lucas, o livro do Génesis, a arte, a poesia e a literatura seriam bem diversas; seriam certamente menos belas e mais pobres de palavras. Na base da força da Bíblia – incluindo a força poética – está uma radical, incondicional, absoluta fidelidade à palavra, muito difícil de entender para os leitores do nosso tempo, mas decisiva também para nós.

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No ciclo de Isaac a natureza e a força da palavra emergem de uma tensão entre o plano "subversivo" de Rebeca e a vontade de Isaac. A Aliança entre JHWH e Abraão continua com dois gémeos apresentados como rivais, em conflito já no ventre da mãe ("dois gémeos lutavam um contra o outro no seu ventre", 25,22). Esaú "tornou-se caçador experimentado, gostava da vida do campo. Jacob/Jacó, por seu lado, era uma pessoa tranquila e apreciava a vida no acampamento" (25,27). Paralelamente é-nos revelada uma predileção cruzada dos pais pelos filhos: "Isaac gostava mais de Esaú", ao passo que a mãe "Rebeca gostava mais de Jacob/Jacó" (25,28). Sentindo que a morte se aproximava, Isaac pediu a Esaú para ir apanhar algumas peças de caça "para te dar a minha benção antes de morrer" (27,4). Rebeca "tinha estado a ouvir" a conversa e disse a Jacob/Jacó: "filho, ouve agora bem aquilo que te vou dizer... Vai ao rebanho e traz-me de lá dois cabritos bons, que eu vou preparar com eles um prato saboroso como o teu pai gosta … para que ele te dê a benção a ti antes de morrer" (27,8-10). E Jacob/Jacó: "Repare que o meu irmão, Esaú, tem muito pelo no corpo e eu não. Se o meu pai me tocar … dá-me uma maldição em vez de uma benção" (27,11-12). E Rebeca: "Se ele te amaldiçoar, essa maldição será para mim" (27,13). Rebeca "foi então buscar as melhores roupas de Esaú… e vestiu-as a Jacob/Jacó, seu filho mais novo. Com as peles dos cabritos cobriu as mãos e o pescoço dele" (27,15-17). E Jacob/Jacó foi ter com o pai e disse: "Eu sou Esaú, o teu filho mais velho" (27,19). Isaac toca o filho e diz: "A voz parece a de Jacob/Jacó, mas as mãos são as de Esaú" (27,22). Mas depois de sentir o perfume das suas roupas ("Ó meu filho, tu cheiras bem como um campo", 27,28), pronuncia a sua benção: "Que Deus te conceda a chuva do céu e boas colheitas na terra, com abundância de trigo e de vinho…" (27,28-29). Depois da benção roubada, Esaú regressa da caça, e oferece ao pai as suas iguarias. E Isaac: "Quem és tu?". Ele respondeu: "Sou Esaú, o teu filho mais velho" (27,32). É aqui que surge a viragem.

Um leitor moderno, que não conhecesse a sequência da narrativa, nesta altura esperaria que a justiça de Isaac o fizesse chamar Jacob/Jacó e revogar a benção, transformando-a porventura em maldição. Mas nada disso acontece: "Isaac ficou terrivelmente preocupado e disse: "O teu irmão veio antes e com astúcia conseguiu levar a benção que te era devida”" (27,35). Isaac reconhece o engano, sofre pelo filho predileto, mas não retira a benção: "Já lhe dei a benção, portanto fica abençoado" (27,33). Esaú "chorou em altos gritos" (27,38). E assim Esaú entra no povo invisível dos descartados mas não abandonados, na companhia de Ismael, Caim e seus muitos filhos.

Para entrar neste complexo episódio, precisamos de suspender o juízo "ético", renunciar a análises políticas (Esaú torna-se patriarca de povos rivais de Israel) ou psicológicas sobre as atitudes de Jacob/Jacó e Rebeca, para nos concentrarmos sobretudo em Isaac e na lógica da Aliança e da palavra. Isaac é o filho-dom-redoado de Abraão, continuador da Aliança de seu pai e do arco-íris de Noé, herdeiro do Pacto com aquela Voz que tinha criado o mundo dizendo-o, pronunciando-o: a Palavra que chamara Abraão pelo nome, falara com ele e, depois, também com Isaac (26,2-6). Tinham dialogado com o Deus da Palavra criadora, tinham acreditado na força daquelas palavras. As palavras que tinham dito a promessa, que tinham sido eficazes; palavras ditas para sempre.

Então, guardar e ser fiel à Aliança deveria ser também guardar e ser fiel à palavra. Mas para guardar a palavra e não a fazer degenerar, o "preço" a pagar foi a sua irrevocabilidade: se a palavra cria dizendo, então cria sempre e para sempre, mesmo quando diz fazendo fé num filho que nos está a enganar. Isaac não pôde retirar a benção porque aquelas suas palavras eram palavras criadoras, tinham operado, tinham modificado a realidade; de Jacob/Jacó, o oportunista que não olha a meios, tinham feito um abençoado "e portanto abençoado ficará".

O Génesis – e toda a cultura bíblica – salvou toda a força da Palavra afirmando e salvando também a irreversibilidade das palavras, assumindo todas as suas dolorosas, por vezes dolorosíssimas, consequências – veja-se o caso, extremo, do escandaloso episódio da filha de Jefté (Juízes 11,30-50). Mas foi graças a este guardar a palavra a todo o custo que um dia foi possível escrever: "A palavra fez-se carne" (Jo. 1,14).

Poetas, escritores, jornalistas, todos os que amam e são amigos da palavra, do seu valor e da sua responsabilidade, devem estar gratos a Isaac e ao Humanismo bíblico por ele ter salvo a força criadora da palavra. A nossa cultura deixou que esta força – de ser para sempre – se perdesse. Inundam-nos palavras que já não dizem nada, que se multiplicam; como se a multiplicação de palavras escritas pudesse compensar a morte do poder criador da palavra pronunciada. E assim se enchem os contratos com palavras sem conta, escritas mas jamais pronunciadas, que refletem a desconfiança e a ineficácia das palavras que lhes deveriam dar fundamento.

Mas a força dos contratos escritos só lhes pode vir da força das palavras. Os contratos surgiram como evolução dos pactos que eram – e são ainda – palavras criadoras. Os contratos são papel sem vida, quando por detrás da palavra escrita já nada mais resta de criador e eficaz – quando as civilizações decidiram pôr por escrito pactos, contratos e Lei fizeram-no para dar mais força à palavra dita, não para a substituir.

Hoje podemos encontrar alguma coisa da antiga força das palavras nos  (pouquíssimos)  pactos que não se tornaram ainda apenas contratos. Durante o rito matrimonial, por exemplo, são as palavras dos esposos que criam a nova realidade da "única carne", palavras que depois são reforçadas e ratificadas pelas assinaturas dos esposos e das testemunhas. Se não existissem antes as palavras criadoras, as assinaturas no registo de casamento nada diriam ou o diriam muito mal. O que faz a família é o dizer-se reciprocamente a promessa; é o encontro das vozes que a cria. Quando pretendemos dizer alguma coisa importante a um familiar ou amigo – um sério pedido de perdão, por exemplo – não basta escrever uma carta, muito menos um e-mail. É preciso falar, dizer “perdoa-me”; é preciso ouvir dizer “estás perdoado”, não basta lê-lo. Todos nós sabemos isso e não deveríamos esquecê-lo. Tal como antigamente, para fundar relacionamentos, famílias, amizades, empresas, precisamos hoje de aprender e reaprender a falar; precisamos de dizer e voltar a dizer uns aos outros os pactos, promessas, alianças e dizê-lo "em voz alta". Tudo isto vale também para as empresas e para os mercados; quando perdem o contacto com as palavras das pessoas, degeneram e deixam o território do humano. A força da palavra "amo-te" dita a uma pessoa (e a uma só) apenas se entende no interior de uma visão responsável – porque criadora e irreversível – da palavra e das palavras.

O nosso tempo atravessa uma profunda noite da palavra e das palavras e, por isso, corre o risco de morrer afogado num mar de tagarelice, de chat, de sms. Temos absoluta necessidade de nos reconciliarmos e de reencontrar a palavra e as palavras, a sua seriedade e responsabilidade. Para este novo encontro, uma grande e decisiva ajuda poderá vir-nos de escutar e frequentar os poetas. Eles são essenciais para a vida porque criam, fazem viver as palavras e defendem-nas da morte. São essenciais sobretudo nos tempos sem palavra – e por isso sem palavras – que vivemos. Após Leopardi os "lugares" de Recanati e do mundo já não são os mesmos: as meninas são "pequenas donzelas", as colinas são "ermos", e os pássaros "solitários". A sua poesia recriou-os e transformou-os para sempre.

Obrigado Pai Isaac e obrigado Esaú: vocês pagaram um caro preço ao guardar para nós a palavra. Temos a responsabilidade de não malbaratar o dom que nos fizeram.

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A árvore da vida /12 - Isaac “enganou-se” no filho, não na benção

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 04/05/2014

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"Não há mãos
que me acariciem o rosto,
(dura é a missão
destas palavras
que não conhecem amores)
não sei o que seja a doçura
dos vossos abandonos:
coube-me ser
guardião
da vossa solidão:
sou
salvador
de horas perdidas" (D.M. Turoldo)

Sem o livro de Job/Jó, o Cântico, os Salmos, o Evangelho de Lucas, o livro do Génesis, a arte, a poesia e a literatura seriam bem diversas; seriam certamente menos belas e mais pobres de palavras. Na base da força da Bíblia – incluindo a força poética – está uma radical, incondicional, absoluta fidelidade à palavra, muito difícil de entender para os leitores do nosso tempo, mas decisiva também para nós.

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Insubstituível palavra

A árvore da vida /12 - Isaac “enganou-se” no filho, não na benção por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 04/05/2014 "Não há mãos que me acariciem o rosto, (dura é a missão destas palavras que não conhecem amores) não sei o que seja a doçura dos vossos abandonos: coube-me ser guardião ...