Endividar-se para celebrar

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Editoriais - A religião do consumo e os novos cultos

por Luigino Bruni

Original italiano publicado em Avvenire em 24/11/2023

A Black Friday tornou-se o início do ano litúrgico da religião capitalista. Como qualquer nova religião que pretende suplantar uma pré-existente, o capitalismo do consumo substitui as festas cristãs pelas suas novas festas e sobrepõe os seus tempos litúrgicos aos antigos. Quando uma religião toma o lugar de outra, ela não muda o ritmo antigo do tempo sagrado, simplesmente o ocupa e muda o seu significado. Na verdade, é interessante que a Black Friday siga o Dia de Ação de Graças, um dos feriados religiosos dos primeiros peregrinos.

E assim, depois de há muito tempo ter devolvido o Natal à sua natureza original de festa pagã (o "sol invinctus" dos romanos), e depois de ter transformado em lucro as festas ancestrais dos mortos com o Halloween, o consumismo introduziu seu advento.

É esta substituição das festas que mostra, de forma muito eficaz, que entramos na era pós-cristã. Porque, como o grande filósofo e teólogo russo Pavel Florensky nos lembrou no outono de 1921: "O ponto de partida da cultura é o culto porque a realidade original, na religião, não são os dogmas ou mesmo os mitos, mas o culto, ou seja, uma realidade concreta". Nenhuma religião se torna cultura sem culto, e o consumismo tornou-se religião porque o nosso mundo está imerso no culto do consumo. E, tal como na Idade Média o cristianismo se tornou cultura porque a religião cristã entrou em todas as ações e gestos da vida das pessoas (sinos, orações, calendários, festas, espaços medidos em Ave-Marias, palavras, narrativas...), hoje a economia tornou-se uma cultura universal graças ao seu culto e aos cultos diários (compra, venda, publicidade, medição, linguagem, narrativas e storytelling das empresas).

Enquanto Florensky proferia as suas palestras sobre filosofia na Academia Teológica de Moscou/Moscovo, nos mesmos meses o filósofo judeu Walter Benjamin escrevia as suas notas sobre o capitalismo como religião, algumas das páginas mais proféticas do século XX: "O capitalismo é uma religião puramente cultual, talvez a mais extrema que já existiu. Tudo nele tem significado apenas em relação imediata com o culto; ele não conhece nenhuma dogmática específica, nenhuma teologia". Uma religião apenas de práxis, apenas de culto, sem metafísica: "A transcendência de Deus caiu. Esta passagem do planeta “humano” pela casa do desespero, na solidão absoluta da sua própria órbita, é o ethos que Nietzsche caracteriza. Este homem é o super-homem, o primeiro que, reconhecendo a religião capitalista, começa a cumpri-la". Assim, para Benjamin, "o cristianismo na era da Reforma não facilitou o surgimento do capitalismo, mas transformou-se no capitalismo". E a questão passa a ser: quem é o super-homem do capitalismo, aquele sobre-homem, capaz de viver em um mundo onde o Deus (judaico-cristão) está morto porque "nós o matámos" (La Gaia Scienza)?

Após as análises de Max Weber, pensámos que o grande herói do capitalismo (protestante-calvinista), o seu super-homem, fosse o empresário, um protagonista não muito diferente do capitalista de Marx e do industrial de Saint-Simon. Para Benjamin, no entanto, esse não é o caso, ou pelo menos já não é assim. A primeira temporada do capitalismo nos séculos XIX e XX teve como herói o empresário-capitalista, que através do sucesso nos negócios, esperava ser abençoado e predestinado.

Mas com a virada do milênio, o super-homem do capitalismo tornou-se o consumidor. Além disso, a característica marcante da nova religião depuro culto é, para Benjamin, "a duração permanente da adoração", porque "o capitalismo é a celebração um culto 'implacável e impiedoso'".

Não há dias úteis; não há dia que não seja feriado, no sentido assustador do desenrolar de toda a pompa sagrada, do esforço extremo do adorador". O sonho do consumidor-devoto é uma Black Friday de 24 horas que dure o ano inteiro, um mundo onde o sacrifício (o desconto) seja permanente - o sacrifício é oferecido pelas empresas ao consumidor, invertendo a lógica original dos sacrifícios tradicionais, dizendo-nos que o ídolo-super-homem não é o lucro da empresa, nem a mercadoria, mas o consumidor.

Enquanto o capitalismo se expressou como uma ética da empresa e do trabalho, este permaneceu um assunto elitista e de classe; foi a transição da empresa para o consumo que o transformou em uma religião universal (católica) e popular, que ocupou plena e profundamente a alma dos povos comunitários do Sul, aqueles ligados à ética da vergonha e do consumo conspícuo, onde a retórica produtiva não havia conseguido entrar. O culto universal só poderia ter lugar saindo da fábrica e entrando nos consumos, onde a bênção é obtida simplesmente consumindo, de preferência com recurso a crédito, uma dívida da qual o novo capitalismo conseguiu eliminar o antigo sentimento de culpa.

Toda a religião popular tende a multiplicar as suas festas, porque agradam ao povo e agradam aos sacerdotes, que lucram com elas. Na década de 1740, Antonio Ludovico Muratori lançou uma forte batalha cultural e política para tentar convencer papas e bispos da importância de reduzir o número de dias santos de guarda na Igreja Católica, que naqueles anos haviam sido fixadas em trinta e seis por ano, além dos domingos. O padre Muratori queria reduzir o número de festas porque estava convencido de que a proliferação das festas piorava a condição dos pobres: "Como ficam os pobres?" (Carta de 14.8.1742). O grande número de festas não só reduzia os dias de trabalho, como também levava os pobres a se endividarem para celebrar. Ontem e hoje.

Com o avanço do novo culto consumista, devemos esperar uma nova proliferação de festas de preceito, porque o consumidor deve ser venerado. Novas festas serão acrescentadas às antigas transformadas. Os novos sacerdotes enriquecerão graças aos seus "sacrifícios", e os pobres ficarão cada vez mais distraídos e cada vez mais pobres.


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