A grande transiçao

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A grande transição/10 - É nas periferias que se aprende a suscitar e ressuscitar vocações

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 08/03/2015

Deus criou o homem como o mar cria os continentes: retirando-se.

Friedrik Holderlin

Os grandes processos de mudança, os que conseguem regenerar o corpo inteiro e dar início a uma nova primavera, não são nunca desencadeados e guiados pelas elites que estavam no governo quando emergiu a crise. Trata-se de uma conhecida dinâmica que sempre se verifica, e que vale também no caso das entidades que designámos comunidades e movimentos carismáticos (nascidos de um carisma, um dom que oferece a possibilidade de ter "olhos diferentes" para ver o mundo).

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Tarefa difícil e verdadeiramente fundamental de quem tem que gerir uma entidade carismática viva, mas em declínio, é compreender – se possível no momento certo – que o mais importante processo a ativar é criar, retirando-se, espaços de liberdade e de criatividade que permitam o emergir de dinâmicas novas, de pessoas diversas das que eles mesmos geraram. Ser capaz de vê-las no filho mais novo que não está em casa (levou o rebanho a pastar), no menino de uma pequena cidade de Judá, no irmão rejeitado e vendido como escravo. Pelo contrário, quando as classes dirigentes pensam – em boa fé, muitas vezes – que devem ser elas mesmas a gerir a mudança, quase inevitavelmente acabam por agravar a doença que pretendiam curar.

As entidades que brotam de motivações ideais são de duas tipologias: as que nascem já de início como organização, e as que evoluem para organização depois de nascerem como movimento. Nas primeiras – que designámos Organizações com Motivação Ideal (OMI) – o seu florescimento e duração dependem decididamente da capacidade de criar boas estruturas, obras e organizações robustas, ágeis e eficientes. Se o projeto dos fundadores não se tornar "obra", tudo acaba com a geração dos promotores. Com as entidades que nascem como movimento sucede precisamente o contrário: se, tendo-se tornado organização, não consegue renascer continuamente como movimento, renovando e desmantelando com coragem as formas organizativas que criou, pondo-se de novo a caminho em direção a novas terras, o movimento carismático entrará em declínio. Também nestas entidades chega o momento da organização; mas, se se detêm nesta fase, a força profética do carisma atenua-se muito, e em alguns casos desaparece mesmo. A vitalidade profética de um movimento carismático está na capacidade de gerar muitas OMI, sem no entanto se tornar ele mesmo uma OMI – porque, nesse caso, a Organização devora a Motivação Ideal.

Um movimento que evoluiu para organização pode experimentar uma nova primavera carismática quando, numa qualquer zona periférica do “reino” uma minoria criativa reconstrói as condições para viver de novo o mesmo "milagre" da primeira fundação do carisma: o mesmo entusiasmo, a mesma alegria, os mesmos frutos. O processo que leva estas minorias a serem maioria chama-se reforma; é a única cura possível de entidades coletivas bloqueadas; vivas, ainda, mas incapazes já de criar. De modo que, para renovar um movimento que se tornou organização e pretende voltar a ser movimento, é verdadeiramente necessário que os dirigentes compreendam a necessidade de criar condições de nova liberdade e inovação; nesse clima hão de surgir outros – não eles mesmos – capazes de relançar uma nova fase carismática, levando assim a organização a ser de novo movimento. Compreende-se, então, que a questão crucial das comunidades-movimentos carismáticos que, embora atravessando dificuldades, têm ainda desejo e potencialidades de futuro – e, graças a Deus, existem ainda muitas assim – é como gerir os processos de renovação.

A primeira pré-condição geral está em não agravar a doença durante o processo de cura. Quando uma realidade carismática começa a dar-se conta de estar em declínio, os dirigentes tendem naturalmente a pensar que a cura está em mudar as estruturas, trabalhando sobre a própria organização. Então, para reduzir o peso de uma organização que, com o tempo cresceu demasiado (por causa das patologias autoimunitárias que abordámos nas semanas anteriores), insiste-se em trabalhar e concentrar energias nos aspetos de organização.
Olhando, porém, para a história e para o presente de movimentos e comunidades carismáticas, damo-nos conta de que as crises dependem de um problema de "procura" (já não haver mais pessoas atraídas pelo carisma), gerado anos antes por erros de "oferta" (estrutura a mais, pouca criatividade). Quando o movimento cresce, as exigências de reforçar estruturas da organização retiram das periferias as pessoas mais criativas; cada vez mais concentradas no interior da organização, essas pessoas perdem então contacto com as gentes e com as reais dinâmicas do seu tempo. Ao pedido de mudança, o governo e as estruturas respondem continuando a olhar para dentro, criando novas comissões, novos cargos: continuando a olhar para a estrutura. Trabalha-se intensamente para as aligeirar, libertando energias para dar ocasião e tempo às pessoas, sem entender que essas mesmas pessoas, na sua grande maioria, já não têm condições para voltar a anunciar a mensagem e atrair novas vocações; o que está em crise é a mensagem carismática e, como consequência, o significado de anunciá-la e propô-la num mundo que parece não precisar já dela.

A renovação é um processo decisivo que deverá envolver e ativar os espaços vivos da criatividade, indo ao seu encontro, nas fronteiras do império. Tudo isto é, certamente e antes de mais, dom (charis); mas é também sabedoria organizativa, profunda inteligência espiritual, profética e transformadora.

Como se uma fábrica de automóveis em crise de vendas – para usar uma metáfora imperfeita mas que pode ser útil – se concentrasse apenas no lado da oferta, para retomar: despedindo, aligeirando a organização, associando ou encerrando filiais. Mas se o problema estiver sobretudo do lado da procura – os modelos que vende, que no passado tinham sido um êxito, já não respondem aos gostos do cliente de hoje – o desafio está em investir recursos para pensar novos modelos, capazes de inculturar no "mercado" presente a missão e a tradição da empresa. Libertar pessoas de serviços administrativos, deslocando-os para o comercial, sem renovar os "modelos", faz com que os primeiros a experimentar frustração e insucesso sejam precisamente os vendedores: vêem-se a oferecer automóveis nos quais nem eles mesmos acreditam já. É, de facto, erro típico que se comete durante estas fases de transição o pensar que o reduzido poder de atração da mensagem tem a ver apenas com o exterior da comunidade, que não esteja presente extensa e profundamente também no seu interior. Não se compreende que, se não se partilharem histórias novas e antigas que, em primeiro lugar, reacendam os próprios membros e vocações, nunca mais se conseguirão atrair pessoas novas. Muitas novas "evangelizações" acontecem quando, ao contar aos outros a boa nova, conseguimos também nós redescobri-la nova e diversa. É assim que renasce uma nova-antiga história de amor, um novo eros, novos desejos, nova capacidade de gerar, novos bébés. Pelo contrário, quando se pensa que a "doença" se poderá curar atuando primeiramente sobre a hipertrofia estrutural e só depois, mais tarde, sobre "novos modelos", os primeiros a perder a coragem são os "concessionários". Durante as crises, as energias morais são escassas; é crucial a escolha das prioridades em que investir: enganar-se na sequência e na importância das intervenções é um erro fatal. Quando se alteram as estruturas antes de repensar a missão do carisma, o risco concreto é um engano na direção da mudança.

Os movimentos e as comunidades carismáticas não vendem automóveis, mas vivem, também, e ajudam a viver bem, se e enquanto forem capazes de atualizar a sua mensagem-carisma, fazendo com que ela penetre profundamente nas linguagens e nos sonhos do presente; assim atraem as pessoas melhores de hoje. Também neste caso os "novos modelos" nascem do estudo, do talento dos designers e dos criativos; mas nascem antes de mais de frequentar as novas periferias onde se encontram novas necessidades, de escutar os desejos de famílias e jovens, de encarar corpo-a-corpo pessoas de carne e osso. Mas o novo sentido do próprio carisma e da própria vocação não se encontra olhando, como Narciso, para si mesmo, criando, talvez, uma nova estrutura para esse fim. Nestas crises não faltam, em geral, tecnologia, know-how e bons engenheiros; falta sobretudo o contacto com o mundo que, com o passar do tempo, se afastou demasiado. Então o carisma só poderá florir se de novo encontrar as pessoas nos seus ambientes, se esquecer a própria organização para se ocupar das feridas e dos sofrimentos dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos mais pobres; o distanciamento dos pobres é sempre o primeiro sinal de crise das entidades carismáticas. Os "modelos" podem e devem ser renovados porque o carisma não é o automóvel, é a marca automobilística; para viver e crescer deve ser capaz de se renovar, mudar, interpretar criativamente a sua missão no tempo presente.

Depois do grande dilúvio, o livro do Génesis (cap. 11) narra a história de Babel. A humanidade salva por Noé, em lugar de escutar a ordem de Deus, dispersando-se pela terra inteira, ficou parada, construiu uma fortaleza, com uma só língua, sem diversidade. Depois das grandes crises chega pontualmente a tentação de Babel: tem-se medo, joga-se à defesa, tende-se a proteger a própria identidade, olha-se para dentro, perde-se biodiversidade. A salvação está na dispersão, nas muitas línguas, no pôr-se a caminho, sem hesitar, em direção a novas terras.

 

Com este décimo artigo termina A grande transição. Iniciámo-la com o destino do capitalismo e fechamo-la com o dos carismas. A partir do próximo Domingo retomaremos a leitura da Bíblia, com o livro de Job. Continuaremos a busca de palavras maiores que as nossas, para tentarmos escrever e comunicar entre nós histórias novas, capazes de vida e de futuro.

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A grande transição/10 - É nas periferias que se aprende a suscitar e ressuscitar vocações

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 08/03/2015

Deus criou o homem como o mar cria os continentes: retirando-se.

Friedrik Holderlin

Os grandes processos de mudança, os que conseguem regenerar o corpo inteiro e dar início a uma nova primavera, não são nunca desencadeados e guiados pelas elites que estavam no governo quando emergiu a crise. Trata-se de uma conhecida dinâmica que sempre se verifica, e que vale também no caso das entidades que designámos comunidades e movimentos carismáticos (nascidos de um carisma, um dom que oferece a possibilidade de ter "olhos diferentes" para ver o mundo).

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A pobreza regenera o futuro

A pobreza regenera o futuro

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A grande transição/9 - Encontros que "acendem" vocações espirituais e civis

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 01/03/2015

Para me esconder de ti apaguei a minha luz, mas tu surpreendeste-me com as estrelas

Rabindranath Tagore

Verdadeiramente fecundos foram movimentos e comunidades que aos seus membros deram condições para repetir, de formas variadas, a mesma experiência do fundador: os mesmos milagres, a mesma liberdade, os mesmos frutos. A história do cristianismo é disso eloquente demonstração: a fecundidade da experiência cristã vê-se em milhares de comunidades e movimentos nascidos da mesma raiz, que reviveram no tempo e no espaço as experiências dos primeiros tempos: multiplicação de pães, paralíticos que se põem a caminhar, crucificados que ressuscitam. As experiências carismáticas com futuro foram plurais, pluralistas, pomares com muitas árvores, jardins povoados por centenas, milhares de flores, todas iguais e todas diferentes, floridos do mesmo húmus, com cores e perfumes parecidos e, no entanto, diversíssimos; semente que assume as formas do terreno em que cresce, gerando personalidades sempre novas, que tornam a terra mais rica.

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Na verdade, cada um dos membros de uma comunidade carismática autêntica tem caraterísticas próprias que o distinguem radicalmente das figuras mais comuns do nosso tempo: o trabalhador por conta de outrem, o admirador de um escritor, o ativista de uma associação humanitária... Figuras que muitas vezes estão presentes também nas comunidades e movimentos carismáticos; mas a seu lado, outras há muito diversas: pessoas que, quando entram em contacto com um carisma-ideal não encontram algo exterior a si, encontram-se a si mesmas. Esta experiência é muito comum nos movimentos espirituais, mas pode encontrar-se também, em graus diversos, em algumas entidades civis, políticas ou culturais; mulheres e homens que, em contacto com uma espiritualidade ou ideal, advertem imediatamente uma profunda consonância entre a própria realidade interior mais profunda e aquilo que encontram; pessoas nas quais vive já alguma coisa do mesmo carisma que depois os irá fascinar mas que, enquanto não entram em contacto com a comunidade na qual esse carisma opera e vive, são como “portadores sãos”. Quando um jovem começa a estudar Química e depois a trabalhar numa empresa, estudando e trabalhando aprende um ofício que faz com que ele seja o que não era antes. Mas quando uma jovem encontra o carisma de Francisco e se sente chamada, não se torna franciscana, torna-se aquilo que era já. É possível aprender e assumir um ofício, mas não se pode aprender uma vocação: Van Gogh aprendeu as técnicas da pintura, mas era já Van Gogh antes dessa aprendizagem.

Aqui se encontra o grande mistério dos carismas e das vocações humanas (no mundo há incontáveis vocações). No encontro decisivo da sua vida, estas pessoas fazem uma experiência “ontológica” (ao nível do ser) que é bem mais profunda que as dimensões psicológica e emotiva, apenas: um jesuíta, por exemplo, não recebe o carisma através de Inácio ou de outros jesuítas; de modo misterioso e real, encontra-o dentro de si, descobre-o vivo e adormecido na “cella vinaria” da alma, onde esperava somente ser chamado pelo nome. O encontro com um carisma ativa uma dimensão latente, mas real, e gera um processo de reconhecimento: a pessoa re-conhece-se; aquele decisivo encontro faz emergir um novo conhecimento e desvela uma nova visão de si e do mundo. Se assim não fosse, as vocações perderiam o mistério e o fascínio, todos teríamos que seguir pessoas e incentivos exteriores e não teríamos acesso à liberdade e à gratuidade verdadeiras; elas nascem apenas quando quem segue um carisma segue também a parte melhor de si mesmo, ainda que na companhia de outros e com um vínculo fundamental com o fundador. Em boa verdade, este processo de vir a ser aquilo que se é já, esta simbiose de exterior e interior, pode reconhecer-se em qualquer relacionamento de amor verdadeiro; encontrando o outro, reconhecemos alguém que, misteriosamente, estava já presente algures na nossa vida e silenciosamente aguardava ser “visto”. Tudo isto acontece, e de modo ainda mais radical, quando se trata de autênticas experiências coletivas de um ideal.

Daqui derivam duas consequências: muitas pessoas houve, e continua a haver, que não se “acenderam” pelo simples facto de que não tiveram a oportunidade de encontrar alguém ou uma comunidade que pudesse ativar o seu ser mais profundo; em segundo lugar, as pessoas têm sempre mais do que um encontro vocacional/chamamento. Embora para alguns (uma religiosa ou um artista, por exemplo) haja um encontro decisivo, tal encontro não é nunca o único. Impedir que as pessoas venham a ter outros encontros identitários é um caminho seguro para que se apague a luz que foi acesa pelo encontro principal. Se não for o único, o encontro mais importante e primeiro não se tornará uma prisão.
Compreende-se por isso que a experiência de seguir um carisma (religioso ou civil) é assunto muito delicado. Existe sempre o risco de que este reconhecimento ideal entre a pessoa e a comunidade produza neuroses mutuamente narcisistas.

Crucial é gerir a desilusão; ela é inevitável na experiência de quem encontrou um carisma e se põe a caminho; nenhuma realidade histórica pode estar à altura do ideal. O ideal da comunidade e o ideal dentro de nós devem ser maiores que a realidade; caso contrário, não teriam “acendido” nada. Toda o processo de um bom amadurecimento é também desilusão dos sonhos da juventude.

Uma desilusão mal gerida e não aceite produz um de dois cenários, ambos eles muito perigosos: (a) a redução do ideal à realidade; (b) a interpretação ideológica da realidade para a fazer coincidir com o ideal. Cometem o primeiro erro as comunidades e pessoas que, perante as primeiras desilusões (as coletivas, sobretudo) reduzem a dimensão ideal do carisma, transformando-o noutra coisa, mais fácil de gerir e de concretizar: o SENHOR é reduzido a bezerro de oiro. Resulta necessariamente deste primeiro erro que o “novo” ideal redimensionado não consegue atrair pessoas de alta qualidade ideal; quando se reduz a dimensão do ideal, as pessoas excelentes já não se reconhecem nele. O segundo cenário não é menos perigoso nem menos danoso. Manifesta-se quando se tenta evitar que as pessoas atraídas por grandes ideais – que necessariamente são não-reais – vivam a etapa da desilusão: constrói-se então uma verdadeira ideologia. Em vez de um treino conjunto para aceitar e habitar o “desvio” entre as promessas do ideal e as possibilidades do real, faz-se com que a realidade, qualquer realidade, seja o ideal, reinterpretando-a sempre, descarregando a responsabilidade do “desvio” sobre a falta de correspondência da pessoa.

Não se acolhe, pois, a desilusão como parte natural e necessária do caminho de crescimento da pessoa; negando-a e afogando-a na ideologia, impedindo o pleno amadurecimento dos membros, continuamente consolados e entretidos numa condição infantil que só não é desilusão porque é ilusão. No primeiro cenário, a diferença ideal-realidade anula-se por redução (do ideal); no segundo é anulada por excesso (da realidade). Mas não se propõe a única possibilidade verdadeira para superar positivamente esta etapa decisiva da existência: a educação à convivência com o desvio, assistindo e elaborando as inevitáveis desilusões do processo de tornar-se adulto, sem eliminar nem a verdade do ideal, nem a da realidade.

Compreende-se, então, que a capacidade de futuro de uma realidade coletiva nascida de um carisma-ideal depende radicalmente de como se desenvolvem no tempo as relações entre o fundador, a comunidade, a interpretação do carisma e as “vocações” individuais. O perfil carismático da sociedade é uma expressão e uma prossecução da vocação profética, da qual a Bíblia oferece uma insuperável gramática. No entanto, a profecia de comunidades e movimentos carismáticos não pertence apenas ao fundador ou à comunidade no seu conjunto: cada uma das pessoas que recebeu o mesmo carisma encarna-a, vive-a, desenvolve-a oferecendo-lhe a sua própria carne. Em cada franciscano, gandiano, dominicano ou salesiana revivem Isaías, Jeremias, Oseias; voltam as suas palavras, a sua indignação, a sua crítica aos poderes constituídos de todos os tempos, incluindo o nosso. E revive Moisés, o profeta maior, e a sua típica vocação de libertador de um povo escravo do faraó e dos seus ídolos. A experiência da profecia não está reservada a elites de intelectuais ou profissionais: entre os “profetas” que ao longo da vida me amaram e “acenderam”, contam-se operários, agricultores, mulheres com a quarta classe.

Uma entidade de motivação ideal vive e faz viver bem os seus membros e o mundo quando gera cem, ou até um milhar de Moisés. Pelo contrário, quando comunidades e movimentos apenas admitem estas libertações aos líderes e todos os outros membros apenas recitam o papel de povo libertado e conduzido através do deserto, sucede que as vocações se extinguem, as flores murcham, a força profética do carisma redimensiona-se muito, demasiado. E a terra de todos perde luminosidade. Poucas pessoas são mais belas que os jovens com uma vocação; mas pouquíssimas coisas há mais tristes que ver essas vocações murchar quando se tornam adultas.

Os carismas continuam a viver enquanto geram pessoas livres; quando encontram uma voz que fala de uma sarça ardente enquanto pastoreiam o rebanho, reconhecem-na como a voz profunda que as habitava desde sempre (se não estivesse já dentro de nós não saberíamos reconhecê-la como voz boa e obedecer-lhe). Partem para o Egito, veem as pragas, o mar a abrir-se, o maná descer do céu, Miriam dançando. E continuam a indicar-nos uma terra prometida para além do nosso horizonte.

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A grande transição/9 - Encontros que "acendem" vocações espirituais e civis

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 01/03/2015

Para me esconder de ti apaguei a minha luz, mas tu surpreendeste-me com as estrelas

Rabindranath Tagore

Verdadeiramente fecundos foram movimentos e comunidades que aos seus membros deram condições para repetir, de formas variadas, a mesma experiência do fundador: os mesmos milagres, a mesma liberdade, os mesmos frutos. A história do cristianismo é disso eloquente demonstração: a fecundidade da experiência cristã vê-se em milhares de comunidades e movimentos nascidos da mesma raiz, que reviveram no tempo e no espaço as experiências dos primeiros tempos: multiplicação de pães, paralíticos que se põem a caminhar, crucificados que ressuscitam. As experiências carismáticas com futuro foram plurais, pluralistas, pomares com muitas árvores, jardins povoados por centenas, milhares de flores, todas iguais e todas diferentes, floridos do mesmo húmus, com cores e perfumes parecidos e, no entanto, diversíssimos; semente que assume as formas do terreno em que cresce, gerando personalidades sempre novas, que tornam a terra mais rica.

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A liberdade dos profetas liberta-nos

A liberdade dos profetas liberta-nos

A grande transição/9 - Encontros que "acendem" vocações espirituais e civis por Luigino Bruni publicado em Avvenire 01/03/2015 “Para me esconder de ti apaguei a minha luz, mas tu surpreendeste-me com as estrelas” Rabindranath Tagore Verdadeiramente fecundos foram movimentos e comunidades que ao...
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A grande transição/8 – A cilada do "escurecer ao meio dia" e seu antídoto

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 22/02/2015

Dois homens [...] chamados Eldad e Medad, tinham ficado no acampamento[...]. Também eles receberam o Espírito de Deus e começaram igualmente a manifestar-se como profetas. Um jovem foi correndo informar Moisés que Eldad e Medad estavam se comportando como profetas. Josué, filho de Nun, que era auxiliar de Moisés desde a juventude, insistiu com Moisés:«Mande-os parar, meu senhor!» Mas Moisés respondeu: «Eu não tenho inveja deles e tu vais tê-la? Quem dera [...] que todos fossem profetas!»

Livro dos Números, 11, 26-29

Organizações, comunidades, movimentos são organismos vivos: nascem, crescem, morrem, ficam doentes, curam-se. A doença que na semana passada chamamos “autoimune” é especialmente grave e difícil de curar; e o principal motivo é que os seus primeiros sintomas são lidos como sinais de sucesso e de saúde. Como em todas as doenças deste tipo, os fatores que tinham promovido o crescimento e protegido a OMI (organização com motivação ideal), em determinado momento começam a infetar o corpo social que, durante muito tempo, tinham alimentado.

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Consideremos o tema crucial das estruturas e das burocracias das OMI. O nascimento da organização, das obras e das instituições do “carisma” são sinal de fecundidade e robustez da experiência. O seu aparecimento é visto e saudado como uma bênção e sinal claro de fecundidade. Mas, em determinado momento, estruturas que no início eram fruto da vida e serviço à mesma – porque nasceram de encontros, necessidades e pedidos recebidos do exterior pela OMI –, começam a ser produzidas internamente para antecipar futuras necessidades e potenciais “procuras”. Crescem as estruturas centrais e auxiliares, surgem e multiplicam-se burocracias internas que absorvem cada vez mais energias, são dedicadas forças humanas e espirituais à gestão de estruturas induzidas pelo primeiro sucesso. Aumenta de número progressivamente, hipertrofia-se, uma classe burocrática em tempo integral; e tudo isto, em lugar de ser percebido como sinal de declínio, é lido como vigor e sucesso da organização-movimento. Sem estruturas e instituições, os nossos ideais não passariam de experiências passageiras, não deixariam marca na história. Como no mito de Édipo rei, porém, estruturas e burocracias necessárias podem acabar por comer o pai que as criou; sem o querer, sem sequer o saber, como na tragédia.

Podemos falar de uma lei do “início do escurecer ao meio-dia” em muitas realidades humanas, sobretudo nas maiores e mais excelsas. Pode verificar-se, por exemplo, em pessoas especialmente talentosas. O escritor, o artista, atinge a sua máxima expressão graças a encontros, a leituras que o nutrem na fase de formação e ascensão. É então que o sucesso pode devorar o talento. O escritor deixa de se nutrir de biodiversidade; tranquilizado e alimentado pelo sucesso, começa a nutrir-se de si mesmo, a auto-consumir-se. Passa a folhear os livros dos outros autores começando pelo fim, pelo índice de citações, à procura do seu nome. Como em qualquer narcisismo, enamora-se pela própria imagem refletida no espelho, até afogar-se no lago do próprio talento. Já não precisa aprender, ouvir, deixar-se pôr em discussão pela crítica. Começa aqui o declínio de criatividade; no início não parece, porque coincide com o aumento de admiradores, de leitores, reconhecimentos e consenso. Na realidade, é o princípio do pôr do sol.

Salva-se quem for capaz de ver o início do declínio, enquanto tudo e todos falam apenas de triunfo; e de agir em conformidade. Quem só começa a ver o declínio no momento em que o sol desaparece no horizonte acordará tarde demais: o processo já está muito avançado e é quase sempre irreversível. Como em outras doenças autoimunes, a cura pode vir do exterior do organismo: sozinhos, só se vê o meio-dia. Os outros vêem mais e muito antes, principalmente os iguais, e não os seguidores; e se tiverem a coragem de correr o risco de fazer a figura – muito provável - de "grilo falante".

Algo de muito semelhante sucede às maiores e melhores OMI, muito semelhantes aos artistas, às pessoas geniais: não existem no mundo realidades mais criativas, sublimes e estimulantes que as OMI. A função mais importante dos seus fundadores e/ou responsáveis é conseguir aperceber-se do potencial auto-destrutivo no momento de maior sucesso; e tomar então as melhores decisões, através de opções organizativas drásticas e dolorosas (por exemplo, desencorajando uma preferência sistemática pelos membros, reduzindo distâncias entre o líder e o grupo, combatendo a auto-referencialidade, não apreciando nos seguidores o eco da sua voz, favorecendo a autonomia de pensamento...).

A história mostra, porém, que é quase inevitável que façam o contrário disso, construindo organizações e estruturas hierárquicas para orientar toda a atividade e a pessoa toda de todas as pessoas no sentido de potencializarem e desenvolverem sucessos e consensos.
Como sair desta triste cena, que se alimenta a si mesma e que ninguém deseja? Como evitar enamorar-se pelo próprio sucesso e consequente auto-condenação à esterilidade? Quase tudo depende da capacidade dos líderes em não cometer um erro, muito comum e fatal: o reducionismo identitário. Dá-se quando os responsáveis, procurando orientar todas as energias morais dos membros para os objetivos da organização, pretendem o monopólio sobre as pessoas. Criam indivíduos "a uma só dimensão" identitária, reduzindo a sua complexidade antropológica e motivacional, muitas vezes sem o querer. Esquecem que toda a pessoa é mais do que a mission da organização ou do movimento, por grandes que estes sejam. Assenta nisto a verdadeira dignidade de cada pessoa: ela é maior que qualquer paraíso que lhe se possa prometer.

Evitar este erro é importante para qualquer OMI, mas é decisivo em comunidades espirituais que, por natureza, vivem de pessoas com uma vocação identitária dominante, ancorada em um "para sempre". Grave risco, aqui, é ignorar que a identidade dominante não é nunca o único eixo da pessoa e que o seu desabrochar dentro e fora da OMI depende do jogo e da fertilização recíproca das múltiplas dimensões que compõem a sua vida. Vale aqui também o paradoxo da gratuidade: para conseguir que as pessoas se exprimam plenamente, tornando assim mais ricos a organização, elas mesmas e o mundo, é preciso não as possuir, não as usar, não as gastar, não as instrumentalizar, nem mesmo pelos mais nobres fins.

Cada um dos seguidores de um "carisma" crescerá bem se descobrir o seu modo pessoal de corresponder à vocação que recebeu, se encontrar e cultivar o seu próprio "carisma" dentro do carisma que o precede. Todos, numa OMI, devem evitar o erro do "monopólio", mas em primeiro lugar são os responsáveis que precisam de contrariar essas tendências, mesmo perante pessoas que chegam atraídas por identidades fortes e totalizantes; se as promoverem ou aprovarem, logo se encontrarão rodeados de gente esvaziada de energia que, com o passar dos anos, irá perdendo riqueza antropológica, moral e espiritual.

Obviamente, todas estas consequências não são intencionais e, por isso mesmo, são dificilíssimas de ver e de curar; daí a importância de se falar destas coisas. Faltando esta gratuidade e castidade organizativas, as pessoas com vocação "funcionam" durante uns anos, algumas décadas, talvez; mas quase inevitavelmente chega um momento de crise total no qual, para se salvarem, ou deixam ou renunciam a florescer; o âmbito das ordens religiosas e das comunidades carismáticas oferece-nos a esse propósito uma abundante e crescente evidência empírica.

A um certo ponto, a vida coloca a pessoa perante um dilema: reapropriar-se da própria vida na sua inteireza, procurando uma nova realização fora da OMI, ou então conformar-se com uma vida reduzida, sem mais eros e desejos, mesmo quando a vida assim redimensionada se aceita por virtude e fidelidade a si mesmo (produzindo até, talvez, excelência moral individual; mas raramente para a OMI). Castidade e gratuidade organizativas são muito raras e sempre difíceis porque requerem dos responsáveis a capacidade de assistir a desenvolvimentos de vocações inéditos e imprevistos, a tocar novas fronteiras, diversas das já abertas.

Deveriam estar preparados para aprovar e apreciar não só boas execuções orquestrais de partituras já escritas, mas também para se deixarem surpreender por partituras novas, novas músicas e danças. As OMI que conseguiram viver muitas gerações não se limitaram a criar bons intérpretes; fizeram surgir muitos "compositores" que, do motivo dominante inicial, escreveram novas melodias, concertos e sinfonias, assim continuando a embelezar o mundo e o céu.

Terminamos com uma mensagem de esperança: a história e a vida mostram-nos que é possível que novos concertos, danças e sinfonias possam brotar de OMI já afetadas pela doença. A vida é imprevisível e mais interessante que as descrições que dela fazemos; tal como as pessoas, também as organizações e comunidades podem acordar um dia curadas ou em vias disso. Nas realidades humanas resistem sempre núcleos de vitalidade, lugares e periferias onde falam "profetas", à margem do acampamento. Mesmos nas situações mais complicadas, é possível sair por cima; existe sempre uma terceira hipótese. Conheci pessoas – e há muitas assim – que por um dom misterioso, mas real, fazem uma experiência análoga à que Jesus propõe a Nicodemos: "velho" que é, pode renascer "menino". É possível tornar-se adulto permanecendo "menino", é possível crescer bem, sem sair da OMI, e não tornar-se cínico ou desiludido. São pessoas dessas que, como as células estaminais, são capazes por vezes de regenerar o organismo todo. Esta terceira hipótese está sempre em aberto, em todos os contextos, em todas as OMI, em qualquer comunidade. Todos os dias.

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A grande transição/8 – A cilada do "escurecer ao meio dia" e seu antídoto

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 22/02/2015

Dois homens [...] chamados Eldad e Medad, tinham ficado no acampamento[...]. Também eles receberam o Espírito de Deus e começaram igualmente a manifestar-se como profetas. Um jovem foi correndo informar Moisés que Eldad e Medad estavam se comportando como profetas. Josué, filho de Nun, que era auxiliar de Moisés desde a juventude, insistiu com Moisés:«Mande-os parar, meu senhor!» Mas Moisés respondeu: «Eu não tenho inveja deles e tu vais tê-la? Quem dera [...] que todos fossem profetas!»

Livro dos Números, 11, 26-29

Organizações, comunidades, movimentos são organismos vivos: nascem, crescem, morrem, ficam doentes, curam-se. A doença que na semana passada chamamos “autoimune” é especialmente grave e difícil de curar; e o principal motivo é que os seus primeiros sintomas são lidos como sinais de sucesso e de saúde. Como em todas as doenças deste tipo, os fatores que tinham promovido o crescimento e protegido a OMI (organização com motivação ideal), em determinado momento começam a infetar o corpo social que, durante muito tempo, tinham alimentado.

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Não deixar-se embalar pelo sucesso

Não deixar-se embalar pelo sucesso

A grande transição/8 – A cilada do "escurecer ao meio dia" e seu antídoto por Luigino Bruni publicado em Avvenire 22/02/2015 “Dois homens [...] chamados Eldad e Medad, tinham ficado no acampamento[...]. Também eles receberam o Espírito de Deus e começaram igualmente a manifestar-se como profetas....
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A grande transição/7 - A doença autoimune das organizações pode ser curada

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 15/02/2015

É isto o que o deus me ordena, estai certos, e estou convencido de que não advirá para a cidade maior benefício do que esta minha obediência ao serviço do deus

Platão, Apologia de Sócrates, 17

Muitas empresas e organizações nascem para aproveitar uma oportunidade de mercado, para responder a uma carência, para prestar um serviço. Outras são a emanação da personalidade, das paixões, dos ideais de uma ou mais pessoas que naquela organização colocam e encarnam as palavras mais altas e os projetos maiores das suas vidas. A terra está cheia destas organizações e “outras” comunidades; muitas das coisas belas e elevadas da nossa vida acontecem no interior destas organizações e comunidades onde as motivações das pessoas se tornam projetos, os projetos se fazem história, a história ganha cor e sabor.

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Para que possam durar para além da vida do fundador, estas realidades têm necessidade vital de membros criativos e inovadores. Mas, à medida que as organizações e comunidades crescem e se desenvolvem, os seus criadores vão dando corpo a estruturas de governo que impedem que apareça nova criatividade; e, desse modo, determinam o declínio das próprias organizações. Trata-se de uma lei fundamental de movimento da história: a primeira criatividade que gera organizações e comunidades, a certo ponto começa a produzir anticorpos para se proteger de nova criatividade e inovações que seriam essenciais para que as organizações pudessem sobreviver.

É a grave doença autoimunitária, que afeta muitas organizações e comunidades. Nasce da má gestão, do medo de perder a originalidade e a identidade específica do “carisma” do fundador. Por receio de diluir, contaminar ou deteriorar a pureza original da mission da comunidade-organização, são desencorajadas as pessoas dotadas de maior criatividade, percebidas como ameaça à identidade. Assim, em vez de emular o fundador na sua criatividade, imitam-se as formas nas quais ela se concretizou e manifestou. Confunde-se o núcleo imutável da inspiração original com a forma organizativa histórica que ela assumiu na fase de fundação; e não se compreende que a salvação da inspiração original consistiria em mudar a forma para se manter fiel à substância do núcleo original. E assim, tudo acaba por se tornar imutável, não mudar e acabar por murchar.

Os sintomas desta doença são muitos. O mais visível é o emergir de uma geral incapacidade de atrair novas pessoas criativas e de qualidade. O mais profundo é uma carestia de eros, de paixão e de desejo que se manifesta em falta coletiva de entusiasmo da organização. Se os desejos e paixões dos novos membros forem orientados para as formas históricas nas quais o fundador encarnou os seus desejos e paixões, acaba-se por desejar os frutos da árvore e não a árvore que os produziu. Quem governa uma organização e pretende que ela continue no tempo, deveria dizer às pessoas criativas e jovens: “Não desejes apenas os frutos gerados ontem e que hoje te atraem. Sê tu uma nova árvore!”.

A única possibilidade de uma árvore dar bons frutos (a OMI, organização com motivação ideal), poder continuar viva e fecunda é que ela se torne pomar, bosque, floresta. Expor-se ao vento e acolher entre os seus ramos as abelhas que lhes espalham as sementes e o pólen na terra, gerando vida nova. S. Francisco vive ainda passados os séculos porque o seu carisma gerou centenas, milhares de novas comunidades franciscanas, todas iguais e todas diferentes; todas de Francisco e todas expressão do gênio de muitos reformadores e reformadoras que, com a sua criatividade, fizeram daquela primeira árvore um bosque fecundo. Não há garantia de que a criatividade dos que entraram de novo dê os mesmos frutos do fundador e de que quem prova os novos reconheça o mesmo sabor dos primeiros frutos ou que os ache ainda melhores – “fareis obras maiores do que eu” .

Mas se não houver a coragem de enfrentar este risco vital, a morte é certa. Uma OMI pode morrer por esterilidade, mas pode também morrer transformando-se em qualquer coisa que nada tem do DNA e dos ideais do fundador – como está acontecendo, por exemplo, em muitas obras de ordens religiosas assumidas por empresas, cujo único fim é o lucro ou o rendimento, sem nenhuma relação com o primeiro DNA carismático. Em todos os campos da atividade humana, existe um caminho para tornar possível prosseguir com criatividade fiel o sonho dos fundadores; mas encontra-se num território mestiço, feito de risco, confiança, sabedoria de governo: uma alquimia de resultado sempre imprevisível. A cultura e as escolhas de governo têm uma específica responsabilidade nestas fases cruciais; na fase da passagem da geração fundadora à sucessiva, certamente, mas também quando os tempos pedem mudanças profundas e corajosas.

Na origem da doença autoimunitária encontra-se, quase sempre, o erro dos dirigentes em utilizar os membros mais criativos em funções e tarefas executivas e funcionais, apenas, não permitindo que desabrochem e possam ser cultivados os seus talentos. É aqui que se encontra, de fato, o cerne da patologia (e da cura).

Nos primeiros tempos da fundação, tempos de criatividade pura que podem durar dezenas de anos, as OMI atraem pessoas excelentes, portadoras de talentos e “carismas” em sinergia com o do fundador. A sabedoria de governo do fundador e/ou dos seus primeiros colaboradores está em conseguir que as pessoas criativas possam desenvolver-se na sua diversidade, não as transformando em criaditas ao serviço do carisma do líder. Se não for valorizada a diversidade, se todos os talentos melhores forem orientados para uma cultura monista, inteiramente concentrada a desenvolver a organização, a OMI acaba por perder biodiversidade e fecundidade; caminha para o declínio. Prevenir e depois curar esta forma de doença autoimunitária é especialmente difícil, já que ela é um crescimento patológico de um processo inicialmente virtuoso e indispensável para o nascimento, crescimento e sucesso da organização.

Na primeira fase da vida do fundador ou fundadora muitas OMI experimentam a talvez mais alta forma de criatividade humana que exista (a única que dela se aproxima é a dos artistas de quem, aliás, muito se assemelham). É a época da criatividade pura, absoluta, explosiva. Para que esta grande criatividade se encarne numa instituição, são extremamente necessárias pessoas que realizem, difundam, consolidem, ponham em ato aquela energia criativa, canalizem a água da nova fonte. É pedida a todos os membros uma certa criatividade a que poderíamos chamar de segundo nível. A criatividade que se exprime no procurar formas, modos, meios de atuação e de encarnação da criatividade originária e original em novas áreas geográficas, novos e inéditos setores de atividade e âmbitos. Mas a primeira, e em muitos casos única, virtude pedida aos membros das OMI durante esta primeira fase é a fidelidade absoluta e incondicional à inspiração original; toda a criatividade e energia vital é subordinada à fidelidade e, subsidiariamente, colocada ao seu serviço. Sem este jogo de fidelidade absoluta e criatividade subsidiária não teriam nascido os muitos movimentos espirituais e comunidades que tornaram o mundo mais belo e continuam ainda a embelezá-lo; como não teriam surgido e crescido muitas associações e empresas sociais geradas e feitas crescer pelo daimon de “profetas” do nosso tempo.

Durante esta primeira fase, o governo da organização orienta, pois, a criatividade dos membros melhores para funções de governo e de responsabilidade “fiel”. Paralelamente, com o passar do tempo são atraídos sempre mais novos membros com preferências que a literatura econômica chama “conformistas”, pessoas que se sentem felizes alinhando com os gostos, valores e cultura dominante no grupo, porque são estes os valores pedidos e necessários nesta fase de desenvolvimento. Mas quando o fundador ou a geração do tempo da fundação deixa o governo, estas organizações e comunidades encontram-se apenas com membros educados para a fidelidade e para a criatividade de segundo nível; mas nessa nova fase a organização precisaria de criatividade do primeiro nível, da mesma natureza da do fundador, que os tinha atraído – nenhuma pessoa criativa se sente atraída por imitadores conformistas. Precipita então em ‘círculos viciosos de pobreza’ que se alimentam a si mesmos: por um lado, os membros da organização, por longo tempo desencorajados a exprimi-la, não possuem a criatividade geradora e livre (de primeiro nível) que seria agora essencial; por outro lado, as “virtudes negativas” que tinham sido fundamentais na primeira fase da organização criam agora uma cultura pouco vital e dinâmica que não atrai novas pessoas criativas, essenciais para que seja possível a nova primavera.

Aqui se encontra a principal razão do percurso histórico da grande maioria das organizações ideais, reproduzindo a parábola dos seus fundadores; a mudança de gerações assinala, de fato, o início do declínio. Mas existem outras saídas para que a doença organizativa autoimune possa ser prevenida ou curada, mesmo se o único remédio eficaz é tomar consciência da doença quando o processo está ainda no início. A história e o presente mostram que, por vezes, os movimentos florescem depois da morte do fundador, as comunidades ganham novo vigor com uma passagem de gerações, a árvore não morre e multiplica-se no pomar. Como toda a vida verdadeira, as organizações podem viver várias estações, se morrerem e ressuscitarem muitas vezes. Mas para aprender a ressuscitar é preciso primeiro aprender a morrer. Do contrário, quem quer salvar a sua vida, perde-a. É a lei da vida, incluindo a das organizações nascidas dos nossos maiores ideais.

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A grande transição/7 - A doença autoimune das organizações pode ser curada

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 15/02/2015

É isto o que o deus me ordena, estai certos, e estou convencido de que não advirá para a cidade maior benefício do que esta minha obediência ao serviço do deus

Platão, Apologia de Sócrates, 17

Muitas empresas e organizações nascem para aproveitar uma oportunidade de mercado, para responder a uma carência, para prestar um serviço. Outras são a emanação da personalidade, das paixões, dos ideais de uma ou mais pessoas que naquela organização colocam e encarnam as palavras mais altas e os projetos maiores das suas vidas. A terra está cheia destas organizações e “outras” comunidades; muitas das coisas belas e elevadas da nossa vida acontecem no interior destas organizações e comunidades onde as motivações das pessoas se tornam projetos, os projetos se fazem história, a história ganha cor e sabor.

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Coragem de pensar no pomar

Coragem de pensar no pomar

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A grande transição/6 - O futuro humano é criatividade; não cínica homologação

por Luigino Bruni

publicado em  Avvenire, 08/02/2015

Não só no mundo dos negócios, mas também no das ideias, promove o nosso tempo ein wirklicher Ausverkauf [em alemão no original: «uma verdadeira liquidação»]. Tudo se adquire por um preço tão irrisório, que nos resta perguntar se haverá alguém que acabe por fazer uma oferta.”

Søren Kierkegaard, Temor e tremor

A beleza da vida social depende principalmente do jogo e do entrelaçar das diferenças. A beleza da terra não se deve apenas à grande variedade de borboletas e flores. É muita a beleza que vem das diferenças, modos e formas de fazer economia, empresa, banca. Maior ainda é a beleza que nasce das diferenças entre pessoas, do encontro de talentos diversos, do diálogo entre motivações.

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Muitas “obras de arte” civis que continuam a embelezar a nossa terra comum nasceram de motivações mais fortes que os incentivos económicos, de “porquês” mais profundos que os monetários. Se os fundadores tivessem obedecido à lei férrea dos business plans, não teríamos hoje os tantos Cottolengo que amaram os nossos filhos especiais, nem as milhares de cooperativas nascidas do desejo de vida e futuro dos nossos pais, mães e avós. Estas obras que brotaram de ideais maiores resistiram ao tempo e às ideologias, atravessaram séculos e continuam a atravessá-los. Nascidas de motivações grandes souberam gerar grandes coisas, duradoiras e fecundas. A vida económica e civil, que é vida humana, tem necessidade extrema de todos os recursos de humanidade, incluindo as suas motivações mais profundas. Uma economia reduzida a pura economia perde-se e deixa de ser capaz de gerar vida; não gera sequer boa economia.

Uma das tendências mais radicais do humanismo imunitário do capitalismo contemporâneo é a necessidade de controlar, limitar, normalizar as motivações mais profundas dos seres humanos, sobretudo as motivações intrínsecas de onde nascem gratuidade e liberdade. Na verdade, quando ativamos as paixões, os ideais, o espírito, sucede que o nosso comportamento foge ao controle das organizações. As nossas ações tornam-se imprevisíveis, porque livres; por isso põem em crise os protocolos e job descriptions (normalização dos procedimentos de trabalho). E principalmente põem em crise a gestão, cuja função e natureza é tornar controláveis e previsíveis os comportamentos na organização. Para poder gerir muitas pessoas diversas e orientá-las todas para os objetivos simples da empresa é preciso proceder a uma forte homologação e normalização dos comportamentos que assim ficam incapazes de criatividade (que todos, nas palavras, afirmam desejar). As motivações intrínsecas são as mais poderosas e por isso as mais desestabilizadoras. Libertam-nos do cálculo de custo-benefício, o que nos dá capacidade de fazer coisas apenas pela felicidade intrínseca da ação.

Sem motivações intrínsecas não teríamos investigação científica, poesia, grande parte das expressões artísticas, espiritualidade verdadeira; como não teríamos muitas empresas, comunidades e organizações que nascem das paixões e dos ideais dos fundadores e se mantêm vivas porque e enquanto houver alguém que continue a trabalhar não apenas por dinheiro. Em toda a verdadeira criatividade são essenciais as motivações intrínsecas. Como tragicamente todos os dias podemos constatar, porém, as motivações intrínsecas estão também na raiz dos piores comportamentos dos seres humanos. Por isso, o espírito moderno – o económico, de modo especial – receando os efeitos potencialmente desestabilizadores das grandes motivações humanas, optou por limitar-se às motivações instrumentais ou extrínsecas. A gestão do jogo público de diferenças e identidades foi deixada à democracia e expulsa das empresas. Deste modo, a cultura das organizações procura transformar em incentivos todas as várias motivações humanas, reduzir os muitos “porquês” a um único, simplicíssimo, “porquê”. Assim se reduziram as feridas (a vulnerabilidade) dentro das empresas; mas reduziram-se também as bênçãos (o bem-estar).

O incentivo tornou-se o grande instrumento para controlar e gerir pessoas “reduzidas” e despotencializadas nas suas múltiplas motivações, para assim ficarem alinhadas com os objetivos das organizações (o incentivus era o instrumento de sopro que servia para afinar os instrumentos da orquestra, a trompa que incitava a tropa para a batalha, a flauta do encantador de serpentes). A economia e as ciências de gestão acabaram por contentar-se com as motivações menos poderosas dos seres humanos – mesmo quando procuram instrumentalizá-las, prometendo aos recém-admitidos um paraíso que não podem nem querem dar. Também isto está no preço da modernidade.

A operação de nivelamento motivacional é sempre perigosa, porque “o homem a uma só dimensão” não funciona bem em lado nenhum; sobretudo não é feliz. Onde, porém, a expulsão de motivações mais profundas, criativas e livres é fatal, é nas organizações nascidas e alimentadas por ideais, carismas ou paixões – designadas OMI (Organizações de motivação ideal). São organizações “diferentes” que têm necessidade fundamental de uma parcela, ainda que pequena, de trabalhadores, dirigentes, fundadores com motivações intrínsecas, isto é, dotados de um “código genético” diferente do que foi concebido e implementado pela teoria de gestão dominante. Essas pessoas operam nas empresas sociais e civis, nas comunidades religiosas, em muitas Ong, em movimentos espirituais e culturais, nos mundos do ambientalismo, do consumo crítico, dos direitos humanos; mas também acontece, e com bastante frequência, encontrá-las fundando empresas familiares e em muita da economia “normal” realizada por artesãos, pequenos empresários, cooperativas, finança ética e territorial.

Essas organizações e comunidades não existiriam sem a presença de tais pessoas “fermento”, criativas, geradoras e muitas vezes desestabilizadoras da ordem constituída; são “movidas por dentro”, têm em si um “carisma” que as impele a agir obedecendo ao seu daimon. Estes trabalhadores com motivações intrínsecas apresentam duas notas motivacionais dominantes. Por um lado são pouco motivados pelos incentivos económicos da teoria de gestão, respondem pouco ou nada ao som exterior da flauta encantatória; do que gostam mesmo é de ouvir outras melodias internas. Paralelamente, são muitíssimo sensíveis às dimensões ideais da organização que fundaram ou em que trabalham por motivos não apenas económicos: motivos ideais com os quais se identificam, ou para os quais se sentem vocacionados.

A gestão de pessoas com motivações intrínsecas é crucial quando estas organizações atravessam momentos de crise e conflito que podem surgir, por exemplo, quando há uma nova geração ou liderança, por morte e sucessão do fundador. Esses momentos – que em todas as organizações são delicados – são decisivos para as OMI; o erro mais típico e muito frequente é não se entender as instâncias e protestos provenientes precisamente dos membros mais motivados. Se quem gere ou, como consultor, acompanha essas OMI não reconhecer o valor das motivações mais profundas – e não se trata de incentivos – não só não alcança o objetivo esperado, mas ainda agrava mais a crise destas pessoas e da organização.

Durante as crises de qualidade ideal, os primeiros a protestar são os mais interessados na qualidade que se está a perder. Mas se dirigentes e responsáveis interpretam esse tipo de protesto simplesmente como um custo e o rejeitam, os primeiros a sair são precisamente os melhores (como tentei mostrar em alguns estudos realizados juntamente com Alessandra Smerilli). Sendo estas pessoas pouco sensíveis a incentivos e muitíssimo sensíveis às dimensões ideais e de valor, estão dispostas a dar tudo, muito para além do contrato, enquanto “valer a pena”, enquanto são vivos e reconhecidos os valores em que investiram muito. Mesmo nas empresas, há pessoas que atribuem um valor tão alto aos valores simbólicos e éticos inspiradores do seu trabalho, que por eles estão dispostas a fazer (quase) tudo. Mas logo que se dão conta de que a organização se está a tornar (ou se tornou) outra coisa, toda a recompensa intrínseca que extraíam do seu trabalho ou atividade reduz-se drasticamente; a ponto de, em certos casos, se anular (ou mesmo passar a ser negativa). Também isto exprime a antiga intuição (que remonta a pelo menos S. Francisco) segundo a qual a verdadeira gratuidade não tem preço zero (não é gratuita); tem um preço infinito.

A gestão de crises nas OMI é uma verdadeira arte; requer sobretudo nos responsáveis a capacidade de distinguir os tipos de mal-estar e de protesto, o saber identificar e valorizar o protesto que provém daqueles que protegem e são portadores dos valores ideais da organização. A nova ideologia de gestão, pelo contrário, cada vez mais aplanada num único registo motivacional, não possui categorias para compreender os diversos tipos de protesto; por isso não consegue reconhecer, por detrás de uma ameaça de abandono, um possível grito de amor.

As pessoas com motivações intrínsecas possuem também, de modo geral, uma grande resiliência, uma grande fortaleza nas adversidades. Conseguem aguentar longo tempo numa condição de protesto, preferindo ficar, embora protestando (Albert Hirschman define como leal quem protesta e não sai). A pessoa com forte motivação intrínseca sai e abandona apenas quando perde a esperança de que a organização poderá recuperar os ideais perdidos; por vezes a própria saída é a última mensagem, extrema, para suscitar uma mudança de rumo nos dirigentes. Compreende-se, portanto, que uma OMI é sábia quando consegue manter as pessoas leais, dando direitos de cidadania ao seu protesto, valorizando-o e não o considerando um custo ou empecilho.

A biodiversidade dentro das organizações está a diminuir drasticamente; o nivelamento motivacional produz desconforto e mal-estar crescente, mesmo no coração do capitalismo. Mas quem ama e vive em comunidades e organizações com motivação ideal precisa de defender e salvaguardar as motivações intrínsecas, hoje ameaçadas de extinção. Talvez seja possível resistir anos e anos dentro de uma multinacional sem dar espaço a motivações ideais; mas as OMI depressa morrem se reduzirmos todas as paixões ao triste incentivo.
Nas pessoas, em todas as pessoas, as motivações são muitas, ambivalentes e entrelaçadas umas nas outras. A cultura e os instrumentos da gestão podem favorecer o seu aparecimento e a sustentabilidade das motivações mais profundas e ideais; podem também aumentar o cinismo da organização, na qual cada um se contenta com os incentivos e deixa de pretender demasiado da organização. E assim cedo acaba por nada esperar dela.
Seremos melhores, passada esta grande transição, se criarmos organizações mais bio-diversificadas, menos niveladas nas motivações e onde haja espaço para a pessoa inteira; organizações habitadas por trabalhadores um pouco mais difíceis de controlar e de gerir, mas mais criativos, mais felizes, mais humanos.

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A grande transição/6 - O futuro humano é criatividade; não cínica homologação

por Luigino Bruni

publicado em  Avvenire, 08/02/2015

Não só no mundo dos negócios, mas também no das ideias, promove o nosso tempo ein wirklicher Ausverkauf [em alemão no original: «uma verdadeira liquidação»]. Tudo se adquire por um preço tão irrisório, que nos resta perguntar se haverá alguém que acabe por fazer uma oferta.”

Søren Kierkegaard, Temor e tremor

A beleza da vida social depende principalmente do jogo e do entrelaçar das diferenças. A beleza da terra não se deve apenas à grande variedade de borboletas e flores. É muita a beleza que vem das diferenças, modos e formas de fazer economia, empresa, banca. Maior ainda é a beleza que nasce das diferenças entre pessoas, do encontro de talentos diversos, do diálogo entre motivações.

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O espírito da diferença

O espírito da diferença

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A grande transição/5 – Suscitar alternativas criativas na lógica de casta

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 01/02/2015

Communitas é o conjunto de pessoas unidas não por uma “propriedade”, mas por um dever ou por um débito. Não por um “mais”, mas por um “menos”, uma carência, um limite que se apresenta como um ônus, ou até mesmo como um tipo de defeito de quem por ela está “afetado”, contrariamente a quem dela está “isento” ou “isentado”

(Roberto Esposito, Communitas).

As comunidades e organizações que, ao longo do tempo, se mantiveram criativas e fecundas souberam conviver com a vulnerabilidade; não a eliminaram inteiramente do seu território, mas cuidaram dela.

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Tal como muitas outras palavras verdadeiras daquilo que é humano, a vulnerabilidade (de vulnus: ferida) é ambivalente; a vulnerabilidade boa convive com a vulnerabilidade má e muitas vezes estão entrelaçadas uma na outra. A vulnerabilidade boa é a que está inscrita em todas as relações humanas criativas; nelas é preciso dar ao outro a possibilidade de ‘ferir-me’, caso contrário a relação não terá suficiente profundidade para ser fecunda.

A vulnerabilidade boa é a que se vive dentro de relações de amor, com os filhos, na amizade, nas comunidades primárias da nossa vida. Sabe-se hoje que as equipes de trabalho mais criativas são aquelas em que as pessoas recebem uma autêntica, e por isso arriscada, abertura de crédito. A criatividade, em todos os níveis, tem necessidade vital de liberdade, confiança, risco, todos elementos que tornam vulnerável quem os concede. A vida é gerada por relacionamentos abertos à possibilidade da ferida relacional. Nenhuma criança se tornará pessoa livre se lhe não for concedida uma confiança vulnerável, na família, na escola, nos espaços educativos em geral. E como adultos não chegaremos a exprimir o melhor de nós no trabalho se não recebermos e dermos confiança arriscada e vulnerável.

Mas a cultura das grandes empresas globais dos nossos dias quer o impossível: pretende a criatividade dos trabalhadores sem aceitar a vulnerabilidade dos relacionamentos. Pensemos no crescente fenômeno da designada ‘subsidiariedade de gestão’, segundo a qual o gestor deverá intervir nas decisões do grupo que coordena apenas naquelas atividades que, sem essa intervenção ‘subsidiária’, iriam ter resultados piores. É que as grandes empresas estão percebendo que para conseguirem o melhor dos trabalhadores têm que os colocar em condições que os façam sentir-se livres e protagonistas no trabalho que desempenham. Sem liberdade não pode haver criatividade. Mas para que a subsidiariedade funcione é indispensável que trabalhadores e grupos de trabalho experimentem a genuína confiança; que, portanto, tenham até a possibilidade de abusar dela. Poucas coisas nesta terra dão tanta alegria como a participação na livre ação coletiva entre iguais.

Para que esta bela e antiga ideia de subsidiariedade não fique apenas um princípio a inscrever no balanço social, é essencial, então, que a gestão confie mesmo no grupo de trabalho e não queira controlar todo o processo para evitar abusos de confiança e ‘feridas’. Caso contrário, se quem recebe ‘a delegação’ percebe que, na realidade, a ‘confiança’ é apenas instrumental, uma técnica para fazer aumentar o lucro, a subsidiariedade deixa de produzir efeito. Por isso a subsidiariedade nas empresas precisaria de estruturas de propriedade do capital não capitalistas, nas quais a delegação não procede do alto para os trabalhadores, mas na direção oposta (como em política, onde o princípio de subsidiariedade teve origem). Quando a subsidiariedade vem de cima para baixo passa a ser outra coisa: funciona apenas se e quando os proprietários acham que deve funcionar; é por isso pouco resiliente perante os fracassos. Só motivações intrínsecas e adequadas instituições permitem que a subsidiariedade e outras formas de participação consigam sobreviver a crises provocadas por graves abusos de confiança. Na realidade, as instituições naturalmente subsidiárias seriam as empresas democráticas e participativas (cooperativas, por exemplo), nas quais a ‘soberania pertence ao povo”, isto é, aos trabalhadores-sócios que a confiam acima, a gestores e diretores.

Em outras palavras, a subsidiariedade e a confiança funcionam verdadeiramente quando existe risco e vulnerabilidade. Uma moeda para relações humanas de toda a ordem, numa face representaria a alegria do encontro livre e gratuito e, na outra, teria as imagens das feridas que deram origem àquela alegria.

E aqui está outro paradoxo do sistema capitalista: a cultura que se ensina em todas as escolas de gestão, odeia a vulnerabilidade, considera-a o seu principal inimigo. Por muitas razões. A civilização ocidental estabeleceu ao longo dos séculos uma separação nítida entre os lugares da vulnerabilidade boa e os da vulnerabilidade má. Não aceitou a ambivalência e, com isso, criou a dicotomia. A boa vulnerabilidade, capaz de gerar a bênção foi associada à vida privada, à família e à mulher, que é a primeira imagem da ferida criativa. Na esfera pública, inteiramente construída no registo masculino, a vulnerabilidade é sempre má. Deste modo, a vida econômica e organizativa foram fundadas na invulnerabilidade. Mostrar feridas e fragilidades em lugares de trabalho é sempre e só desvalor, ineficiência, demérito. As últimas décadas de capitalismo financeiro aceleraram a natureza invulnerável da cultura do trabalho nas grandes empresas globais; delas toda a vulnerabilidade deve ser expulsa.

O grande meio para eliminar a vulnerabilidade nas comunidades foi sempre a imunidade. A imunidade é hoje a nota principal das grandes empresas capitalistas. Toda a cultura invulnerável é também uma cultura imunitária: se não quero ser ferido pela relação contigo, tenho que te impedir que me toques, construindo um sistema de relações que evite toda a forma de contaminação. A imunidade é a ausência de exposição ao toque do outro. A imunitas é a negação da communitas: a alma da communitas é o munus (dom e compromisso) recíproco; a da immunitas é a ingratidão recíproca, a ausência e o oposto do dom (in-munus, imune).

Todas as sociedades imunitárias são radicalmente hierárquicas, porque aumentam as distâncias verticais e horizontais entre as pessoas para que se não toquem; assim podem geri-las e orientá-las para os próprios fins. A primeira função da hierarquia é a de não deixar que as pessoas se misturem entre si, de não deixar que os diferentes se toquem; apenas os semelhantes se podem tocar (Casta é uma palavra de origem portuguesa significando “não contaminada”). Em todas as sociedades castais-imunitárias é severamente proibido tocar os diferentes; só os que pertencem à mesma casta podem e devem tocar-se. Por este motivo, as sociedades castais conhecem pouca criatividade e inovação; é sempre a biodiversidade que é criativa.

A falta de contatos com os diferentes é uma causa radical de decadência das elites nas sociedades castais, incluindo as empresas globais. Os movimentos mendicantes dos séculos XIII e XIV foram fator de grande inovação e criatividade econômica, social, política e espiritual, desmontando a ordem castal e imunitária da baixa Idade Média, pois acolheram no mesmo convento pobres e ricos, pessoas de várias regiões e países. Essas novas comunidades foram capazes de enormes inovações, pondo lado a lado mercadores e pobres, banqueiros e artesãos, artistas e místicos. Essa biodiversidade tornou-se criatividade e inovação; uma inovação que nasceu de não ter medo das feridas, dos estigmas da fraternidade. A fraternidade é anti-imunitária, como nos disse Francisco de Assis abraçando e beijando o leproso. A solidariedade-filantropia é quase sempre imune; a fraternidade nunca o é.
A raiz de qualquer civilização imunitária-castal é a gestão da distinção fundamental entre puro e impuro: há atividades, pessoas e coisas que são puras; podem tocar-se. Outras são impuras e só as castas mais baixas as podem tocar. Mas em todas as sociedades castais-imunitárias existe também uma profunda interdependência entre castas. Até os brâmanes precisam dos párias (e vice versa), precisamente porque nestas sociedades a imunidade implica uma divisão de trabalho radical. É assim indispensável a presença de mediadores com a especial função de pôr em contato os que não podem tocar-se.

Compreende-se assim porquê as grandes empresas capitalistas são hoje a imagem mais perfeita de sociedades imunitárias-castais; os gestores são esses mediadores que põem em contato as várias ‘castas’ da empresa sem que ninguém toque os diferentes, os impuros. Só os iguais se tocam entre si (por vezes demasiado e mal, entre colegas, eles e elas). Os membros dos níveis ‘inferiores’ podem ser tocados por superiores apenas com instrumentos e técnicas; não diretamente. As grandes empresas são cada vez menos misturadas, mesmo quando as pessoas trabalham em open spaces (mas bem separadas em poder e no ordenado).

Deixamos de ser criativos, em todos os âmbitos, quando deixamos de nos encontrar e de nos abraçar, sobretudo com os pobres. As pessoas perdem criatividade quando, com o passar dos anos, reduzem o contato com os diferentes. Algo de semelhante está acontecendo com as elites de organizações, de instituições e, claro, de empresas: a cultura imunitária que as leva a não se contaminarem provoca esterilidade e decadência. Muita da nossa capacidade de criar, energia e força dependem do contacto com outras expressões da humanidade, culturas, vidas e corpos. A esperança e a excelência nascem e renascem de lugares promíscuos da vida, do encontro de humanidades inteiras, de nos nutrirmos com os muitos tipos de comida da aldeia.

Está no horizonte uma profunda crise do capitalismo, provocada pela decadência das elites empobrecidas pela imunidade e não fecundadas pela boa vulnerabilidade de relacionamentos humanos inteiros. O medo de feridas relacionais está criando uma cultura global imunitária, da qual as grandes empresas são os vetores globais. Por esse motivo, um grande desafio dos próximos anos será a própria sobrevivência das organizações. Na verdade, o ponto mais alto da cultura imunitária-invulnerável será a eliminação das organizações, o desaparecimento dos lugares onde se con-vive e co-labora, para criar em seu lugar produções descentralizadas onde cada um trabalha em sua casa, graças a tecnologias cada vez mais sofisticadas. Consumidores sem lojas, banking sem bancos, escolas online sem professores e alunos e, quem sabe, hospitais sem enfermeiros e médicos, equipados com eficientíssimos robots e telecâmaras. Assim se conseguirá a eliminação definitiva da vulnerabilidade, encontraremos finalmente a árvore da vida; mas será uma árvore sem frutos ou com frutos sem sabor. E será a fome de frutos com sabor que nos levará ainda a nos encontrarmos, abraçarmos, a viver.

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A grande transição/5 – Suscitar alternativas criativas na lógica de casta

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 01/02/2015

Communitas é o conjunto de pessoas unidas não por uma “propriedade”, mas por um dever ou por um débito. Não por um “mais”, mas por um “menos”, uma carência, um limite que se apresenta como um ônus, ou até mesmo como um tipo de defeito de quem por ela está “afetado”, contrariamente a quem dela está “isento” ou “isentado”

(Roberto Esposito, Communitas).

As comunidades e organizações que, ao longo do tempo, se mantiveram criativas e fecundas souberam conviver com a vulnerabilidade; não a eliminaram inteiramente do seu território, mas cuidaram dela.

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A força da confiança vulnerável

A força da confiança vulnerável

A grande transição/5 – Suscitar alternativas criativas na lógica de casta por Luigino Bruni publicado em Avvenire 01/02/2015 Communitas é o conjunto de pessoas unidas não por uma “propriedade”, mas por um dever ou por um débito. Não por um “mais”, mas por um “menos”, uma carência, um limite que s...
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A grande transição/4 - Trabalhadores que não são "vistos", dirigentes reduzidos a técnicos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 25/01/2015

Bom seria que nos habituássemos a refletir a fundo no facto de que o meu eu é comunhão. Se podemos definir as comunidades como o encontro de alguns indivíduos, em determinado tempo e lugar, mas na tensão a fazerem-se pessoa, bom seria, então, que sentíssemos a insuficiência radical das comunidades, e que, superando-as, tendêssemos continuamente a dissolvê-las na comunhão”.

Giuseppe Maria Zanghì  Poche riflessioni sulla persona (Poucas reflexões sobre a pessoa)

Em todas as grandes épocas de passagem a primeira indigência é a indigência de palavras. Na época de veloz transição que vivemos, o mundo do trabalho está mal, também, porque lhe faltam poetas, artistas, mestres de espiritualidade que nos tragam novas palavras para entender as alegrias, sofrimentos e esperanças por que passamos. Falta-nos linguagem para exprimir o que estamos vivendo, para o narrar; e para que, narrando-o, o curemos

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Nas décadas passadas tínhamos aprendido a compreender e a contar uns aos outros sofrimentos e alegrias de fábricas e campos. No século passado produzimos literatura, poesia, cinema, canções, espiritualidade do campo e da fábrica, do trabalho independente, empresários e empregados; isso forneceu-nos palavras para compreender e elaborar as feridas e as bênçãos do grande humanismo do trabalho. Cantando-o e narrando-o, entendemo-lo; vivemos as suas festas e processamos os seus lutos. Foi assim que, quase sempre, nos salvamos. Não teríamos sobrevivido sem poetas e artistas e sem os carismas do trabalho que nos amaram dando-nos sobretudo as palavras. A poesia, a arte e as espiritualidades são, principalmente, um dom de palavras diversas e maiores para dar nome às experiências que vivemos; sem esses dons elas ficariam mudas, mal-ditas e mal-vividas.

A carestia de palavras novas é particularmente intensa e evidente na vida no interior das organizações. Os dirigentes, de modo especial, encontram-se apertados por uma verdadeira tenaz relacional a que não sabem dar nome. Por um lado, são objeto de uma enorme solicitação de reconhecimento proveniente dos trabalhadores. Por outro lado, estes gestores não encontram reconhecimento para o seu trabalho. Se e quando trabalhamos a sério, todos sabemos que no trabalho quotidiano há muito mais do que o contrato exige. A mera execução do contrato não bastará a nenhuma empresa; nem a nenhum trabalhador basta apenas o salário para que dê o melhor de si mesmo. A empresa tem necessidade precisamente daquilo que não pode comprar ao trabalhador: entusiasmo, paixões, alegria e vontade de viver, criatividade. Precisa da sua alma e do seu coração. Mas estas dimensões humanas são apenas e só liberdade; por isso a empresa só as consegue ter se o trabalhador as dá. Nenhum incentivo pode substituir o dom no trabalho; pelo contrário, geralmente destrói-o. Por outras palavras: a empresa tem mesmo necessidade daquilo que o contrato de trabalho, com os seus instrumentos típicos – incentivos e controlos – não consegue comprar, porque é dom. E não existe dom sustentável sem reciprocidade. É esta a raiz da imensa, constante, crescente procura de estima, reconhecimento e atenção da parte dos trabalhadores, em boa medida por satisfazer. Esta realidade, evidente para todos, fica quase sempre muda por falta de palavras e categorias para a exprimir.

No entanto, a diferença entre procura e oferta de estima e reconhecimento dentro das empresas é criada e alimentada pela própria cultura das grandes empresas e organizações (veja-se o artigo precedente desta série); pedem tanto ao trabalhador que o levam a abandonar progressivamente os outros âmbitos da sua vida, independentes do trabalho. São assim vedadas ao ser simbólico e sedento de infinito que é a pessoa todas as janelas da alma, exceto a do trabalho, com a promessa de que dessa única janela poderá avistar paisagens e horizontes que, para serem realmente vistos, teriam necessidade das perspetivas das outras janelas. No entrelaçado destas existências a uma só dimensão, o gestor acaba por ser a primeira vítima da doença relacional para cujo surgimento contribui ele também, por vezes sem o saber.

Que fazer? Os estudos sobre o bem-estar no trabalho começam a dizer que a primeira e essencial forma de reciprocidade invocada pelos trabalhadores é serem "vistos" pelos responsáveis; deveriam estes, portanto, estar mais presentes nos lugares onde o trabalho se faz. Vendo o trabalho e o trabalhador que trabalha, poderia também ver-se o dom, e é tanto, contido naquele trabalho. Este olhar é a primeira reciprocidade pretendida pelos trabalhadores; um olhar de atenção que tornaria visíveis as dimensões essenciais do trabalho que permanecem invisíveis porquer ninguém olha para elas, porque não olham para elas as pessoas que precisariam de as ver, para as reconhecer; ou porque as olham com desconfiança, apenas para as controlar. É claro que o olhar dos colegas e mesmo o nosso são importantes; mas não bastam. Nas comunidades, incluindo as comunidades de trabalho, nem todos os olhares são iguais; as funções e responsabilidades contam, e o meu trabalho deve ser visto sobretudo por quem tem responsabilidade sobre ele.

Como hoje esclarecem estudiosos franceses como Norbert Alter ou Anouk Grevin, nas grandes organizações modernas a teoria e a praxis de gestão levam sempre mais os dirigentes a não poder ver o trabalho porque "obrigados" a passar o tempo todo entre documentos e computador, a produzir gráficos, indicadores, controles; ou a realizar entrevistas de avaliação "institucionais" nas quais em meia hora é preciso avaliar um trabalho real que nunca se viu ao longo de todo o ano. Vêem-se marcas do trabalho, as operações; mas os sofisticados instrumentos de análise nada permitem ver da experiência humano-espiritual do trabalhador. Acaba-se assim por não avaliar os aspetos mais importantes do trabalho para os quais seria necessário principalmente o sentido da vista. A vida boa que, no meio de esforços e contradições, se experimentava e continua a experimentar-se em muitas empresas de artesanato, depende também do facto de o empresário trabalhar juntamente com os empregados: uma companhia que gera solidariedade e um circuito de reconhecimento virtuoso. O principal modo para reconhecer o dom que existe em cada trabalho é ver e reconhecer o trabalho nas condições ordinárias do dia a dia.

Mas há mais: também os dirigentes são trabalhadores, e também eles têm uma necessidade vital de reciprocidade, de reconhecimento, de serem "vistos". No entanto, nas grandes sociedades anónimas, nas quais a propriedade está fragmentada, os proprietários estão longe ou nem existem, não há ninguém "acima" do gestor a ver o seu trabalho, a reconhecê-lo, a agradecê-lo. Os gestores são inundados por pedidos de atenção e de reciprocidade, mas por seu lado não têm quem possa reconhecer-agradecer o seu trabalho, que por isso fica não-reconhecido. A organização torna-se grande produtora de ingratidão, cada vez mais impossível de suportar (mesmo quando se procura compensá-la com grandes ordenados).
É preciso, então, aprender de novo a olhar e ver o trabalho, todo o trabalho e o trabalho de todos.

Antes ainda, e mais radicalmente, é preciso ter, coletivamente, a coragem de levar a cabo duas operações que concretizadas, provocariam uma revolução.
Primeira operação: as empresas devem ajudar os seus trabalhadores, todos eles, a abrir de novo as janelas existenciais que nestas últimas décadas as próprias empresas ajudaram a fechar à luz. Para que a vida dos trabalhadores possa florir tem necessidade da luz da casa toda; caso contrário, também a sala do trabalho fica menos luminosa. Não se pode pedir à carreira profissional e aos dirigentes que, só por si, satisfaçam a nossa necessidade de reconhecimento, de estima, de amor, de céu; se tentassem fazê-lo transformariam as empresas em igrejas sem Deus nem culto, como nas idolatrias. Paralelamente, se para superar as nossas frustrações e desilusões deixássemos de pedir muito (não tudo) ao trabalho, sucederia que a vida, toda ela, ficaria triste e sem chama. Para dar de novo ao trabalho luz e ar, é preciso fazer entrar o sol em todas as salas da vida.

A segunda operação necessária é ainda mais radical, difícil e decisiva. Durante eras aprendemos a trabalhar e a gerir operações complexas, em casa e nos mosteiros. As primeiras organizações foram os partos, para a cooperação de mulheres pela vida, para gerir o final da gestação; trabalhos de mãos de mulher acompanhando o trabalho de nascer. Mulheres, mãos, vida: ingredientes ausentes em demasia da nossa cultura organizativa, baseada toda ela no registo masculino e já sem a cultura das mãos e a sua sabedoria típica. A cultura do trabalho em organizações complexas surgiu e amadureceu depois no interior das abadias, de séculos de ora et labora: espírito ao serviço das mãos, mãos aliadas do espírito, juntos nutriam o trabalho. Os primeiros gestores de grandes organizações formaram-se lendo e copiando os códices de Cícero e de Agostinho. Poderemos cuidar dos relacionamentos nas empresas se as confiarmos às mãos de novos gestores humanistas, peritos em humanidade, capazes de escutar, de curar, de interioridade, de acudir aos problemas das organizações. As escolas de gestão estão concentradas exclusivamente em instrumentos e técnicas, quando deveriam pôr os alunos a estudar poesia, arte, filosofia, espiritualidade; as aulas deveriam realizar-se dentro das fábricas para que os alunos se formassem olhando o trabalho, sentindo o seu real cheiro e perfume; não no ambiente sintético das salas de congresso dos hotéis.

O mercado de amanhã vai ter vital necessidade de pessoas inteiras, fora e dentro das empresas; pessoas que cultivem e ponham em ação, também, as dimensões fundamentais do ser humano que desde há milénios chamamos dom, reciprocidade, interioridade; são essas dimensões que tornam a vida digna de ser vivida, no trabalho e em casa.

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A grande transição/4 - Trabalhadores que não são "vistos", dirigentes reduzidos a técnicos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 25/01/2015

Bom seria que nos habituássemos a refletir a fundo no facto de que o meu eu é comunhão. Se podemos definir as comunidades como o encontro de alguns indivíduos, em determinado tempo e lugar, mas na tensão a fazerem-se pessoa, bom seria, então, que sentíssemos a insuficiência radical das comunidades, e que, superando-as, tendêssemos continuamente a dissolvê-las na comunhão”.

Giuseppe Maria Zanghì  Poche riflessioni sulla persona (Poucas reflexões sobre a pessoa)

Em todas as grandes épocas de passagem a primeira indigência é a indigência de palavras. Na época de veloz transição que vivemos, o mundo do trabalho está mal, também, porque lhe faltam poetas, artistas, mestres de espiritualidade que nos tragam novas palavras para entender as alegrias, sofrimentos e esperanças por que passamos. Falta-nos linguagem para exprimir o que estamos vivendo, para o narrar; e para que, narrando-o, o curemos

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As garras da ingratidão

As garras da ingratidão

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A grande transição/3 – Como na guerra e nos cultos pagãos, sacrificam-se jovens dirigentes

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 18/01/2015

Deve ver-se no capitalismo uma religião: na sua essência ele serve para satisfazer as mesmas preocupações, tormentos, inquietações, a que no passado davam resposta as chamadas religiões.

Walter Benjamin, O capitalismo como religião, 1921

Nesta fase em que – partindo de diferentes quadrantes e, por vezes também com profundidade – se está refletindo sobre a insustentabilidade dos modelos económicos e financeiros que se afirmaram nas últimas décadas, um aspeto existe demasiadamente mal ponderado, se considerarmos a importância que ele tem na vida política, na democracia, no nosso bem ou mal estar. É a cultura de gestão das organizações: está a tornar-se numa verdadeira ideologia global, desenvolvida e ensinada nas principais universidades e capilarmente implementada por multinacionais e sociedades globais de consultoria. Uma ideologia que está a entrar em muitos âmbitos da vida social, graças também ao facto de se apresentar como técnica livre de valores, que foi capaz de reciclar muitos dos códigos simbólicos que a civilização ocidental associou, ao longo de milénios, à vida boa e à riqueza.

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Assim, sem bater de olhos ético, aceita-se que os relacionamentos interpessoais cada vez mais estejam imersos nessa nova cultura e sejam geridos pelos novos atores globais, os social media e network em que “vivemos”, em que se desenrola já boa parte da nossa vida relacional e que são governados com fins de lucro por empresas leader desta nova cultura. Mas nas paredes dessas empresas começam a aparecer fissuras: bom seria que fossem tomadas muito a sério, se é que queremos evitar a implosão de todo o edifício.

Regista-se uma fragilidade relacional e emotiva crescente nos funcionários e dirigentes das empresas, sobretudo das grandes e globais. Cresce fortemente o uso de psicofármacos por parte dos gestores, porque crescem ansiedade, depressão, stress e insónia. Uma manhã, ao acordar, dirigentes brilhantes e de sucesso descobrem-se sem energia para se levantarem da cama. É a síndrome conhecida com o termo inglês burn-out, que literalmente significa “queimado”. O modo como este tipo de trabalho é concebido, planificado e incentivado está tornando muito frequente o burn-out; muitas empresas multinacionais consideram-no já uma fase normal da carreira do gestor. E ao primeiro burn-out segue-se um outro e depois outros mais, porque depois da cura regressa-se às mesmas relações, à mesma cultura patológica que produz o mal estar. As vítimas preferidas desta nova epidemia dos ricos são os consultores em empresas multinacionais, analistas financeiros, advogados e consultores comerciais de grandes firmas de advocacia e outras; e sobretudo um grande número de gestores e dirigentes de grandes empresas, bancos, fundos, companhias de seguros. Há preocupantes sinais deste problema também na administração pública, em ONGs, na economia social e em algumas obras surgidas de carismas religiosos; esta ideologia de gestão é invasiva, ensina-se em universidades e business school e em cursos “MBA” do mundo inteiro.

Na raiz deste novo mal-estar no trabalho encontra-se um paradoxo. Lei áurea desta cultura de gestão e organização é a proibição de misturar linguagens e emoções da vida privada com as da vida da empresa. Palavras como dom, gratidão, amizade, perdão e gratuidade, universalmente reconhecidas como fundamentais em relações familiares, sociais e comunitárias, devem absolutamente ser evitadas em lugares de trabalho pois são impróprias, ineficientes e, sobretudo, perigosas. Indo além da retórica de team e de equipas de trabalho, olhando com atenção para as dinâmicas reais destas novas empresas capitalistas, deparamos com dirigentes cada vez mais sozinhos que interagem com outros indivíduos sós, em relacionamentos funcionais e fragmentados com muitos partner e responsáveis sempre diferentes conforme a tarefa e o contrato. Nestas organizações existe mais hierarquia do que nas tradicionais, mesmo que se apresentem com um look participativo.

Enquanto estas novas empresas por um lado cultivam comportamentos de separação (os dirigentes não se “misturam” com os empregados em cantinas ou círculos recreativos e desportivos), por outro lado, quando é preciso selecionar e, depois, motivar os dirigentes, utilizam palavras típicas de espaços familiares, de amizade, ideais, éticos e espirituais. Fala-se de estima, mérito, respeito, paixão, lealdade, fidelidade, reconhecimento, comunidade; palavras e códigos que ativam na pessoa as mesmas dinâmicas que aprendeu e praticou na vida privada e familiar. Pede-se o mesmo empenho, estão em jogo as mesmas paixões.

Dando um pequeno passo atrás na história, verificamos que a primeira metáfora relacional que inspirou as empresas na modernidade foi a comunidade. As primeiras lojas de artesãos e depois as empresas familiares do final do séc. XIX e do séc. XX construíram organizações com base no paradigma relacional da família e da comunidade; isto também pelo grande peso social e económico que na idade média tiveram comunidades monásticas e conventos. Comunidades hierárquicas (e paternalistas), mas comunidades. Ainda na Europa, depois, apareceu na segunda metade do séc. XX a metáfora “política”: as empresas – principalmente as grandes – reproduziam a luta de classes típica desse tempo; a fábrica era uma fotografia da sociedade política, dos seus conflitos e colaborações.

Nas grandes empresas do Terceiro milénio está a acontecer algo de inédito que se aproxima da cultura religiosa e, por outros aspetos, da cultura militar. Nas empresas tradicionais do primeiro e segundo capitalismo pedia-se muito a trabalhadores e dirigentes; mas não se pedia demais e, principalmente, não se pedia tudo. Ficavam de fora outros âmbitos (família, comunidade, religião, partido …) nos quais decorriam partes da vida que não eram menos importantes que o do trabalho. Onde se pedia muito, e em certos casos, tudo, era na esfera religiosa (conventos, abadias e mosteiros) e, em diferente – em geral menor – medida na vida militar (nação e terra). Aí podia-se dar tudo porque a promessa valia a pena (Deus, o Paraíso, a Pátria).

O grande e perigoso bluff das modernas organizações do capitalismo de última geração esconde-se no uso que faz de registos simbólicos e motivacionais do mesmo tipo dos que, no passado, eram utilizados pela fé; mas – e aqui é que está o ponto – desnaturando-as e redimensionando-as radicalmente.

O novo capitalismo deu-se conta de que, se não ativasse as motivações e os símbolos mais profundos do ser humano, as pessoas não dariam a sua parte melhor. Por isso pede muito, (quase) tudo aos recém-admitidos; pede empenho de tempo, prioridade, paixões, emoções. Um empenho que não pode ser justificado recorrendo apenas ao registo do contrato e do dinheiro (por muito que seja). Apenas o dom de si pode explicar o que está a ser pedido e dado nas relações de trabalho deste tipo. Mas se a empresa reconhecesse verdadeiramente todo o “dom” que pretende dos seus trabalhadores, criaria laços comunitários (cum-munus) que na realidade não deseja porque tais relações deixariam de poder ser geridas e controladas. Limita-se, pois, ao reconhecimento das dimensões menos profundas e verdadeiras do dom de si e tudo faz para reconduzir os comportamentos ao âmbito do dever e do contrato.

Nos primeiros anos, e enquanto os trabalhadores-dirigentes são jovens, o jogo de promessas, expectativas, de retribuição de reconhecimento e atenções recíprocas empresa-trabalhador funciona e produz uma espiral crescente de empenho, resultados, gratificação. Mas com o passar do tempo tais investimentos afetivos e relacionais não reconhecidos vão-se acumulando e tornam-se créditos emotivos, até que um dia se compreende que jamais serão saldados. Entra então em crise o “contrato narcisista” original e as gratificações dos primeiros tempos transformam-se em desilusão e frustração. Começa a fase da insegurança, da desestima, do sentir que se “perde”; começa a ruir a imagem do “trabalhador ideal” construída até então. Compreende-se que o jogo não compensou a aposta da própria vida entretanto gasta e por vezes consumida e apagada. O jogo vai por diante com outros jovens que cedo serão substituídos por outros mais novos que eles. É impressionante o “consumo” (ou o “sacrifício”) de juventude nestas organizações: como nos exércitos e nos cultos pagãos.

As grandes palavras da vida dão fruto apenas se não forem instrumentalizadas. Precisam de espaços amplos, de ser acolhidas na sua complexidade e – sobretudo – na sua ambivalência que as torna fecundas, vivas e verdadeiras. Por sua intrínseca natureza, não se deixam usar para fins de lucro; pelo menos durante muito tempo, certamente. A história humana oferece imensos exemplos de tentativas de usar para vantagem privada as grandes palavras da humanidade. Magia e idolatrias de todo o género não passam disso mesmo. Mas toda a ideologia é essencialmente uma tentativa de manipular uma ou mais das grandes palavras da humanidade (liberdade, fraternidade, igualdade), reduzindo a sua complexidade e ambivalência para as controlar, controlando assim pessoas e consciências. A ideologia da gestão está a manipular estima, reconhecimento, comunidade; usa-as sem gratuidade e portanto sem responsabilidade pelos custos emotivos e pelas feridas relacionais que a ambivalência destas palavras grandes inevitavelmente produz.

Todos queremos o paraíso, todos gostaríamos de usar a vida de modo heroico; mas não podem ser as empresas e os seus objetivos os lugares onde estas promessas se poderão realizar. A terra delas tem um céu baixo demais; o seu horizonte é demasiado estreito para ser, de verdade, o da terra prometida.

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A grande transição/3 – Como na guerra e nos cultos pagãos, sacrificam-se jovens dirigentes

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 18/01/2015

Deve ver-se no capitalismo uma religião: na sua essência ele serve para satisfazer as mesmas preocupações, tormentos, inquietações, a que no passado davam resposta as chamadas religiões.

Walter Benjamin, O capitalismo como religião, 1921

Nesta fase em que – partindo de diferentes quadrantes e, por vezes também com profundidade – se está refletindo sobre a insustentabilidade dos modelos económicos e financeiros que se afirmaram nas últimas décadas, um aspeto existe demasiadamente mal ponderado, se considerarmos a importância que ele tem na vida política, na democracia, no nosso bem ou mal estar. É a cultura de gestão das organizações: está a tornar-se numa verdadeira ideologia global, desenvolvida e ensinada nas principais universidades e capilarmente implementada por multinacionais e sociedades globais de consultoria. Uma ideologia que está a entrar em muitos âmbitos da vida social, graças também ao facto de se apresentar como técnica livre de valores, que foi capaz de reciclar muitos dos códigos simbólicos que a civilização ocidental associou, ao longo de milénios, à vida boa e à riqueza.

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Organização de consumo

Organização de consumo

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A grande transição/2 – As inovações cruciais fervilham entre os jovens e os pobres

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 11/01/2015

Dois prisioneiros, em celas contíguas, comunicam batendo na parede. O muro separa-os, mas é também o que lhes permite comunicar entre si. É assim entre Deus e nós. Toda a separação é um laço.

Simone Weil  (A sombra e a graça)

Inovação é palavra da botânica. Usa-se para os rebentos e novos ramos. As inovações precisam de raízes, de terreno bom e de uma planta viva, portanto. São vida a florir, geração em ato. E as inovações que se tornam alimento, jardins ou parques, exigem também trabalho e paciência do agricultor ou jardineiro que as acompanham e delas cuidam protegendo-as do gelo, nos duros invernos. É assim que o rebento cresce e se torna flor, a vinha produz bom vinho, a figueira dá figos e volta a produzir frutos depois de anos de esterilidade, salvando-se.

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Para compreender o que está a acontecer à economia e à sociedade, seria necessário voltar ao significado botânico do termo inovação; porque ele diz muito sobre os motivos da crise e sobre a direção a seguir. Uma primeira mensagem que vem da lógica da inovação-rebento chama-se subsidiariedade: as mãos e a tecnologia podem apenas subsidiar a inovação, isto é, podem apenas ajudar o rebento a florir; não podem inventá-lo. A parte mais importante do processo de inovação depende pouco das intervenções artificiais das diferentes “mãos”: desabrocha, antes de mais, pela sua força intrínseca. Por isso é ilusão pensar que se aumenta a inovação na economia sem primeiro tratar da saúde do húmus, das árvores e das plantas. O motivo porque não há inovações não está no rebento que “decidiu” deixar de dar flor ou na preguiça do jardineiro.

A crise do nosso tempo depende da aridez do húmus civil secular que nutriu a sociedade e a economia, um húmus feito de ética das virtudes e de sacrifício gerador. Sobre os antigos terrenos férteis cresce hoje e inova sobretudo a erva daninha. Para vermos outra vez inovações de planta boa é preciso enriquecer novamente os terrenos, salvar as árvores frágeis, plantar outras novas em outros terrenos. É o húmus (adamah) que nutre o homem (Adam) e gera todo o autêntico humanismo.

Simultaneamente, no nosso tempo existem mais inovações do que as que vemos e registamos; é que as procuramos em terrenos errados. Muitas das árvores que hoje inovam têm formas diversas das árvores de ontem; muitas vezes parecem estranhas e crescem em terrenos onde não esperaríamos encontrá-las. Procuramos o belo e o bom nos terrenos onde costumávamos vê-los: já não os vemos e ficamos tristes. Na realidade, bastaria mudar de lugar e de olhos para, novamente e já, esperar ainda. Atravessamos o centro das cidades e vemos lojas fechadas, escritórios vazios e alugados, muitas vezes, às horríveis salas de jogos e apostas, covis do jogo; entristece-nos, justamente, ver secas estas árvores que antes estavam cheias de rebentos.

É o empobrecimento do olhar, do sentido coletivo da vista, que encurta horizontes e nos aprisiona em problemas e males, aliás, sempre muito abundantes. Os povos curam-se quando dentro dos sofrimentos do “já” sabem ver um “ainda não” possível e melhor. A esperança é viva e operante quando na floresta que cai sabemos ver a árvore que cresce; e, à volta deste novo botão, sonhar e preparar o bosque e a floresta de amanhã. A árvore que cresce já existe; basta só aprender coletivamente a reconhecê-la e a acompanhá-la até à floração. Ao ver as diferentes árvores carregadas de novos ramos colhem-se novas lições; é o que acontece quase sempre durante as crises da existência, quando a lágrima nos olhos nos faz ver diversamente e melhor. Há variadíssimas cores nas Nápoles dos jovens e dos mais pobres; mas adormecidos e anestesiados como estamos pelo consumo que nos mantém longe de ruas e periferias já não somos capazes de as reconhecer. Não vendo o sol e o céu luminoso não permitimos que as cores dos jovens e dos pobres voltem a encher de luz a cidade.

Olhando bem para as vicissitudes da história, por exemplo, podemos verificar que economias e civilizações foram capazes de reerguer-se, de arrancar de novo e desenvolver-se quando conseguiram descortinar salvações novas em lugares diversos e sempre periféricos. Quando falta o pão para a multidão é nas mãos de rapazinho que se encontram os cinco pães para o novo milagre; é lá que olhos diferentes sabem vê-los e valorizá-los.
O pós-guerra europeu produziu autênticos milagres porque líderes políticos, económicos e espirituais – com o sufrágio universal, mas também nas fábricas, na escola para todos… – souberam incluir milhões de agricultores imigrados dos muitos sul, bom número de mulheres e muitos jovens. Emancipando-os, embora com erros e contradições, a todos promoveram. Não há outro caminho: a energia essencial em todas as retomas é a fome de vida e de futuro dos jovens e dos pobres.

Diversamente do que pensam e ensinam alguns celebrados peritos de inovação, muitos grandes rios de riqueza e de trabalho surgiram porque, na hora do desespero, houve quem batesse com os punhos na rocha até gastar as mãos. E houve um dia em que outro alguém respondeu; os golpes tornaram-se diálogo, as lágrimas tornaram-se fonte. Mas não bastam jovens e pobres esfomeados de vida para que possa haver um futuro melhor. Para que os pobres e excluídos possam ser motor de mudança de um País é essencial o papel das instituições. Cruciais são as instituições financeiras.

Os fundadores de caixas rurais, caixas económicas, bancos populares no final do séc. XIX tinham compreendido ou intuído que para transformar artesãos e camponeses em empresários e cooperadores eram necessárias inovações financeiras; os bancos tradicionais já não eram suficientes. A nova fase industrial e de trabalho precisava de novos bancos ligados ao território para que as comunidades pudessem inovar numa economia nova. Pediram então às famílias, igrejas e partidos que aviassem processos novos, recolhessem as parcas poupanças e dessem vida a bancos populares, democráticos e inclusivos.

Existe hoje um pulular de nova economia (a que no domingo passado aqui chamei “quarta economia”) para a qual seriam necessárias novas instituições financeiras que saibam, primeiro, vê-la, depois, reconhecê-la como economia boa e, de seguida, lhe deem confiança e crédito. As instituições financeiras tradicionais – sabia-o já muito bem o grande economista Joseph A. Schumpeter, cem anos atrás – não têm as categorias culturais e económicas para compreender as inovações de “altitude”. Essas inovações de altitude, diversamente das de “planície”, são típicas de épocas de passagem, quando alguns, ou muitos, se encontram nos cimos do seu tempo e começam a divisar e indicar horizontes novos. As instituições consolidadas conseguem geralmente acreditar em inovações de “planície”, que se situam no interior do mundo tal como ele é e foi: no caso das instituições financeiras isso é certo. Por isso financiam normalmente dois tipos de pessoas: as pessoas comuns da economia “normal” e os desonestos. Mas as instituições tradicionais não conseguem compreender – nem as veem – as inovações de altitude; se as compreendessem, não estariam elas na linha de separação das águas. Por isso, quando os novos empresários da “quarta economia” se apresentam nos bancos, com escassos capitais físicos (não precisam deles) e em geral sem experiência (são normalmente jovens), não passam no exame do departamento de análise, cada vez mais manietado por algoritmos e indicadores criados pela economia de ontem.

Há pois urgente necessidade de uma nova primavera de instituições financeiras diferentes que concedam confiança e crédito a novos projetos empresariais não olhando para trás à procura de garantias de ontem, mas que sejam capazes de olhar para diante, vendo as garantias de amanhã, geradas pelo projeto que não existe ainda, mas que poderia existir se forem capazes de o ver e apoiar. E acompanhar. Um novo elemento chave das instituições financeiras da “quarta economia” é pensarem-se a si mesmas como verdadeiros parceiros dos projetos; muito mais e diversamente de como já acontece. Os protagonistas da nova economia falam linguagens diversas das que são típicas do mundo dos “negócios”; não são formados em business schools e por isso conhecem mal as linguagens de contas e balancetes, que continuam a ser necessárias. É portanto essencial que a instituição financeira que entrevê a inovação com capacidade de criar rendimento e trabalho não se limite à concessão de crédito, mas acompanhe e assista estes novos empresários; que se torne nas mãos boas do jardineiro. A figura do bancário da “quarta economia” deverá estar menos ao balcão e no escritório e mais dentro dos novos lugares de produção; mais empreendedor e menos homem de finanças; que saiba mais de árvores e rebentos do que de química.

Aqui em Nairobi, onde estou a terminar este artigo, olho pela janela a marcha matinal de milhares de jovens; vestindo o único fato decente que possuem, saem das barracas do bairros de lata para ir trabalhar na caótica zona industrial ali perto. E vejo que a par do sofrimento que sobe destas periferias, renasce também uma esperança verdadeira. Só trabalhando podemos esperar que um dia sairemos da barraca com o fato novo e não voltaremos mais para lá.

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A grande transição/2 – As inovações cruciais fervilham entre os jovens e os pobres

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 11/01/2015

Dois prisioneiros, em celas contíguas, comunicam batendo na parede. O muro separa-os, mas é também o que lhes permite comunicar entre si. É assim entre Deus e nós. Toda a separação é um laço.

Simone Weil  (A sombra e a graça)

Inovação é palavra da botânica. Usa-se para os rebentos e novos ramos. As inovações precisam de raízes, de terreno bom e de uma planta viva, portanto. São vida a florir, geração em ato. E as inovações que se tornam alimento, jardins ou parques, exigem também trabalho e paciência do agricultor ou jardineiro que as acompanham e delas cuidam protegendo-as do gelo, nos duros invernos. É assim que o rebento cresce e se torna flor, a vinha produz bom vinho, a figueira dá figos e volta a produzir frutos depois de anos de esterilidade, salvando-se.

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Na raiz do desenvolvimento

Na raiz do desenvolvimento

A grande transição/2 – As inovações cruciais fervilham entre os jovens e os pobres por Luigino Bruni publicado em Avvenire 11/01/2015 Dois prisioneiros, em celas contíguas, comunicam batendo na parede. O muro separa-os, mas é também o que lhes permite comunicar entre si. É assim entre Deus e nós....
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A grande transição/1 – Quatro (e mais) economias diferentes; alianças novas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 04/01/2015

Intimo-os a todos, senhores ateus, a explicarem-me em que consiste a salvação do mundo. Onde lhe descobrem uma saída normal? Respondam, homens da ciência, industriais, membros de associações, apóstolos dos salários, etc. No crédito? Mas o que é afinal o crédito? Aonde nos conduzirá ele?

Fëdor Dostoevskij (O idiota*)

A crise que estamos a atravessar parece (e é) demasiado longa; para alimentar a esperança de a superar, uma esperança que não seja vã, teremos que ser capazes de reconhecer o pulular de novas formas de vida – empresas, trabalho, inovações – que vão germinando à sombra da economia. Porque elas existem realmente. No entanto, as características da nova fase do capitalismo irão depender de qual das economias será hoje capaz de “atrair”, absorver e valorizar a energia jovem, intelectual e tecnológica que, dentro e fora da “teia” (web) está brotando.

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Nas atuais condições, o capitalismo financeiro e globalizado parece, de longe, o mais artilhado para atrair para o seu campo a componente mais criativa da sociedade; graças aos poderosos meios financeiros de que dispõe, certamente, mas também pelo grande fascínio que os seus símbolos exercem sobre os jovens mais capazes. Como mostram Eve Chiapello e Luc Boltanski no livro “Il nuovo spirito del capitalismo”, recentemente traduzido para italiano (Mimesis), foi a sua capacidade de englobar e reciclar a componente mais criativa de cada geração que, até hoje, determinou o grande sucesso do capitalismo no séc. XX.

Convém ter presente que a nossa economia é composta por, pelo menos, quatro economias diferentes (mesmo se os responsáveis pela política fiscal, pelos incentivos, pelas políticas industriais, continuam a pensar que há só um capitalismo). A primeira – que pode ainda chamar-se “capitalismo” – é composta por empresas, bancos, companhias de seguros, fundos de investimento, que se constituem exclusivamente para aproveitar oportunidades de lucro ou, o que é cada vez mais frequente, para gerir rendimentos. São quase sempre grandes organizações cuja propriedade está muito fracionada, com gestores pagos para além de todo o bom senso; operam a nível global e escolhem a localização da sede fiscal e das unidades produtivas com o único objetivo de minimizar a carga fiscal e maximizar os lucros. E conseguem-no porque dispõem de meios para contratar excelentes consultores fiscais, autênticos “santos” de paraísos fiscais e sindicais. É um capitalismo que cria eficientes organizações filantrópicas, patrocina mesmo, com doses homeopáticas dos seus lucros, projetos de investigação científica e de intervenção social; mas o seu objetivo, o único verdadeiro objetivo que o move é realizar o máximo de dinheiro possível no mais curto espaço de tempo. As multinacionais dos jogos a dinheiro são o tipo puro deste capitalismo que engloba já muitas empresas compradas por fundos de private equity; nestes anos de grave carestia de financiamento e de liquidez estão a comprar, a preços ótimos, milhares de empresas em dificuldade. “Salvam”-nas, por vezes, no plano financeiro, mas muito frequentemente não salvam o trabalho; e quase sempre o projeto do fundador perde a alma, ainda que, com fins de lucro, permaneçam o antigo nome e as velhas marcas. É um processo que se está a realizar em vasta escala; não é raro que se cruze com a economia ilegal, sempre na busca de empresas em crise de capitais. Um fenómeno de incorporação vasto e profundo que está a descaracterizar grande parte do nosso “made in Italy”, e que se verifica perante a distração geral. Os capitais que se atraem em tempos de crise (quase) nunca são bons. «Quantas são as empresas do “primeiro capitalismo” em Itália?», perguntei meses atrás a um amigo que conhece muito bem a economia italiana. «Aí uns 90% das grandes empresas anónimas não ligadas a uma família proprietária», respondeu.

Há depois, uma segunda economia, feita de empresas que só na forma se assemelham às do primeiro capitalismo. Apercebemo-nos disso logo que entramos nos locais de trabalho e falamos com empresários, gestores e trabalhadores. A cultura que as move é diferente; mais profundo e amplo é o horizonte em que se movem. É o “capitalismo” das empresas familiares. Por detrás do projeto de empresa há aqui a presença de uma pessoa concreta e de uma família que marca uma primeira diferença radical. O capitalismo familiar não garante por si só honestidade, boa gestão e ética (vemos isso todos os dias). No entanto, a presença de uma família à frente de uma empresa muitas vezes garante que os proprietários estão interessados em permanecer no longo prazo e não em maximizar lucros de muito curto prazo. Sem o eixo do tempo e o horizonte do futuro bem visíveis na firma, o trabalho não é amigo do capital e do “patrão”. Esta segunda economia é ainda a parede mestra do nosso sistema económico e civil.

Existe também uma terceira economia chamada por vezes, precisamente, ‘Terceiro Setor’. É constituída pela economia cooperativa e social, por organizações sem fins lucrativos, pela finança territorial e ética, pelas empresas de “inspiração ideal” e por todo aquele fervilhar de atividades económicas que brotam do coração da comunidade cristã e da sociedade civil organizada. Floresce dos ideais maiores da economia. Em tempos de crise esta terceira economia tem continuado a crescer mas está também a viver uma crise epocal cuja raiz está sobretudo no esvaziamento do húmus ético do seu terreno. Na verdade, são a segunda e a terceira economias as que mais sofrem as consequências da deterioração de capitais de virtudes civis que nas décadas passadas fez florescer essas empresas. Pelo contrário, o primeiro capitalismo cresce muito bem nos terrenos empobrecidos de húmus civil – basta pensar, mais uma vez, nas multinacionais do jogo que proliferam nos desertos das instituições e das famílias.

Mas existe ainda uma quarta economia (e ficamos por aqui, mesmo se poderíamos continuar com a economia pública, a criminal, a subterrânea…). Está criando trabalho, está inovando no campo da designada economia da partilha (sharing economy) que procura os financiamentos para novas empresas não nos circuitos tradicionais, mas na rede (crowd-funding) e cresce a um ritmo exponencial. É o trabalho que nasce do variado mundo do consumo crítico, da muito difundida agricultura biológica de última geração, na qual o empresário agrícola é cada vez mais uma mulher jovem, licenciada, que fala quatro línguas e divide o seu tempo entre a empresa e viagens internacionais. É aqui que se encontram muitos dos novos trabalhos que vão aparecendo nos cuidados pelos bens culturais, na arte, na música, ou de antigos moinhos a água reaproveitados para produzir energia, trabalho e soberania energética. E dá-nos tanta beleza, uma beleza verdadeiramente nos pode salvar. É também esta uma economia não óbvia, feita de atividades muito diversas entre si mas que têm como denominador comum uma ideia de economia tendencialmente colaborativa, na qual o trabalho e a riqueza não nascem primariamente da concorrência, mas da cooperação e da busca de vantagens mútuas. Uma economia de alta intensidade de jovens, muitos dos quais imigrados, onde a procura do máximo lucro não é o primeiro objetivo, porque as prioridades são a sustentabilidade ambiental, a dimensão estética, o gosto pela criatividade coletiva, a alegria de ver territórios doentes e envenenados voltar a florir, a invenção de Apps (aplicações) de gestão: não é por acaso que “produtos frescos” em fim de prazo de validade dos supermercados, de desperdício se possam transformar na base da alimentação de muitas casas de gente pobre. Uma nova economia na qual gratuidade e (um certo) mercado convivem e crescem em conjunto.

O capitalismo financeiro-especulativo está a entrar de forma maciça não apenas na segunda economia das empresas familiares, mas, com os poderosos meios de que dispõe e com uma refinada retórica está a ocupar também o Terceiro Setor. A única possibilidade de que estas economias ainda diferentes se possam salvar e crescer é conseguir uma grande aliança com a quarta economia jovem e criativa que se movimenta em novos “ambientes”, fala outras “linguagens”, pensa, age e imprime a três dimensões.

As economias diversas da do primeiro capitalismo terão hoje que conseguir trazer a quarta economia para o seu terreno. E entretanto agir também em áreas liminares, nas zonas mestiças de fronteira, com o primeiro capitalismo. Dentro de certos limites, variáveis e móveis em cada época, também o primeiro capitalismo pode produzir bons frutos. Em todas as épocas isso aconteceu. O primeiro capitalismo torna-se inimigo da economia, do trabalho, do bem comum quando, como hoje, sai das margens e inunda casas e campos. Os encontros mais fecundos são os inesperados e improváveis. É a biodiversidade, em todas as suas formas naturais e civis, que nos nutre e a todos enriquece.

Para vencer este desafio que hoje parece impossível, é essencial também uma mudança simbólica, linguística e de comunicação. A economia civil (a segunda e a terceira economias) deve deixar de recorrer apenas a vocabulários de ética, virtude, altruísmo, dom e solidariedade. Precisa de utilizar o registo semântico da partilha, da excelência, da criatividade, aplicando-os a objetivos maiores que o puro lucro. As pessoas excelentes, sobretudo as jovens, conseguem-se atrair pedindo-lhes coisas grandes e propondo-lhes desafios difíceis. O mundo da economia civil não atrai ainda suficientemente jovens criativos e inovadores porque não foi capaz de renovar adequadamente o código simbólico, de traduzir as suas palavras grandes (gratuidade, fraternidade, bem comum) em outras palavras e novos sinais capazes de entusiasmar as pessoas melhores nas fases melhores da sua vida e transformar, depois, o entusiasmo em projetos de trabalho e de vida. Ainda estamos a tempo para, pelo menos tentar.

(*) NT: Tradução portuguesa de Maria Franco In Obras literárias completas de Dostoievski, volumes IX e X, Editorial Estúdios Cor, 1969. Vol. X, p. 104. A frase citada surge no contexto de uma festa de aniversário “espontânea” do príncipe Minkovski (o personagem principal da obra) na Terceira parte, cap. IV, organizada como surpresa para o festejado na sua própria casa, onde se sabia existir boa reserva de champanhe. Quando o príncipe chega já a festa ia bem regada e animada; à boa maneira russa decorria uma disputa cultural sobre temas da atualidade. Fala Lebedev para plateia reconhecidamente menos conservadora...

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A grande transição/1 – Quatro (e mais) economias diferentes; alianças novas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire 04/01/2015

Intimo-os a todos, senhores ateus, a explicarem-me em que consiste a salvação do mundo. Onde lhe descobrem uma saída normal? Respondam, homens da ciência, industriais, membros de associações, apóstolos dos salários, etc. No crédito? Mas o que é afinal o crédito? Aonde nos conduzirá ele?

Fëdor Dostoevskij (O idiota*)

A crise que estamos a atravessar parece (e é) demasiado longa; para alimentar a esperança de a superar, uma esperança que não seja vã, teremos que ser capazes de reconhecer o pulular de novas formas de vida – empresas, trabalho, inovações – que vão germinando à sombra da economia. Porque elas existem realmente. No entanto, as características da nova fase do capitalismo irão depender de qual das economias será hoje capaz de “atrair”, absorver e valorizar a energia jovem, intelectual e tecnológica que, dentro e fora da “teia” (web) está brotando.

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O génio do futuro é mestiço

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