stdClass Object ( [id] => 19659 [title] => O capitalismo, um novo espírito católico [alias] => o-capitalismo-um-novo-espirito-catolico [introtext] =>A terra do ‘nós’ / 8 – O mercado, os mercadores e o Evangelho entre reflexão científica e obras sociais
por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 11//11/2023
A época dos mercadores medievais, das suas companhias onde, no Livro Razão, se encontrava a contabilidade em nome do “Senhor Deus”, foi o tempo em que a aliança entre os mercadores e os frades mendicantes gerou Florença, Pádua ou Bolonha. Uma época extraordinária que não conseguiu tornar-se a cultura económica e meridional moderna porque a Reforma Luterana e a Contrarreforma Católica dividiram a Europa em duas e impediram que as sementes civis medievais florescessem em plenitude. Paradoxalmente, foi o mundo nórdico protestante a acolher uma parte da herança da primeira economia de mercado medieval (mas sem os seus carismas, sem Francisco e sem Bento), embora tivesse nascido na polémica com as riquezas da cristandade romana dos Papas renascentistas. Os países católicos – e, entre estes, a Itália de modo especial – viveram a Reforma Protestante como um trauma religioso e civil e os frutos foram os típicos de um grande trauma coletivo. Não podemos saber no que se teria tornado a sociedade e a economia italiana e meridional se a aliança entre franciscanos e mercadores tivesse continuado após o século XVI, se a Igreja católica não se tivesse amedrontado – por vezes aterrorizado – diante de toda a forma de liberdade individual, convencida de que o “foro interno”, privado do controlo dos pastores, estivesse demasiado exposto aos ventos da heresia do Norte. Toda aquela classe de mercadores humanistas que cresceu entre Dante e Masaccio, Miguel Ângelo e Maquiavel, as empresas e os bancos dos toscanos e dos lombardos, desfizeram-se contra a rocha do Concílio de Trento e, com o fim do século XVI, começou a época barroca que deu alguma excelência artística e literária, mas não gerou filhos e netos à altura dos primeiros mercadores amigos dos frades e das cidades. A história barroca da Itália é a história de um caminho interrompido, de uma história civil, religiosa e económica inacabada, que teve efeitos determinantes na forma que a economia e a sociedade modernas assumiram a sul dos Alpes. Aquele conjunto de teologia, normas jurídicas e morais, práticas e proibições, medos e angústias a que chamamos Contrarreforma (não utilizo a expressão Contrarreforma Católica, embora exista uma Reforma na Contrarreforma Católica e uma Contrarreforma na Reforma Protestante) não só condicionou a nossa vida religiosa como também mudou e plasmou as nossas empresas, a política, os bancos, as comunidades, as famílias, os impostos.
[fulltext] =>No entanto, nesta Itália da Contrarreforma, algumas dimensões da ética económica medieval e renascentista conseguiram, apesar de tudo, sobreviver à restauração. Algum espírito antigo se infiltrou nos buracos escondidos entre as pregas da vida das pessoas, nos espaços vivos e não ocupados pelo poder religioso. Muitas vezes, espaços submersos, verdadeiros rios cársicos, onde alguns mercadores e banqueiros conseguiram enfiar-se sem serem desencorajados e vencidos pelos manuais para confessores e pelos catecismos antieconómicos e anti civis dos séculos XVII e XVIII. Nestes séculos, muitos Montepios se extinguiram; no entanto, outros se transformaram em bancos comerciais. Os Montes Frumentários – como vimos – sobreviveram durante mais tempo, durante quatro séculos, e foram recursos pobres, mas determinantes, para o sul de Itália. Foram poucos, mas não faltaram estudiosos de assuntos económicos que, fazendo malabarismos entre proibições e condenações eclesiásticas, escreveram bonitas páginas de teoria económica. Primeiro Antonio Serra e Tommaso Campanella, depois Ludovico Muratori e Scipione Maffei foram a ponte ideal que uniu a margem do Humanismo civil com o Iluminismo reformador de Genovesi e da sua escola civil napolitana (de Dragonetti, Longano, Odazi, Filangieri, Galanti…), que foi uma das épocas mais luminosas da história italiana. O século XVIII económico rapidamente colidiu com a restauração das primeiras décadas do século XIX e, depois, com o antimodernismo entre os séculos XIX e XX, os anos do Non expedit (1), de Pio IX, e da Pascendi dominici gregis (2), de Pio X (1907), que foi culturalmente algo de semelhante ao clima criado pela Contrarreforma dos séculos passados.
Vindo diretamente para a economia, o napolitano Francesco Fuoco, nos anos 20 e 30 do século XIX, escreveu textos com sabor ainda totalmente genovês e, por isso, humanistas, páginas herdadas dos mercadores-banqueiros humanistas dos séculos XIV e XV toscanos. Mas, com Fuoco, termina a tradição genovesa da Economia civil porque, em meados do século XIX, os nossos melhores economistas refundaram a tradição italiana com bases francesas e inglesas, sem qualquer ligação vital com o século XVII napolitano e italiano. Ainda tivemos bons economistas, mas já todos muito afastados de Genovesi e inseridos no fluxo principal de uma ciência nova, internacional e cada vez mais com orientação anglo-saxónica. A Itália torna-se periferia, embora ainda respeitada até à II Guerra Mundial (graças, sobretudo, à enorme estima de todos por Vilfredo Pareto).
Entre os séculos XIX e XX, no entanto, alguns economistas italianos, também talentosos, tentaram restabelecer a ligação com a tradição italiana clássica, sem seguir o movimento único da ciência nos seus dois novos caminhos. Um destes, talvez o mais interessante, é Achille Loria (1857-1943), de Mântua, que deixámos na semana passada com a sua “teoria das rendas”, semelhante à de Francesco Fuoco. Loria esteve entre os poucos economistas do seu tempo a quem não escaparam os Montes Frumentários: «Os Montes Frumentários, que emprestavam, em género, o trigo, dando ao mutuário, na época da sementeira, um alqueire raso de trigo e recebendo, na época da ceifa, um alqueire a transbordar de trigo: a diferença entre os dois alqueires representava os juros. Mas, com o tempo, este empréstimo fez-se mais a favor dos grandes proprietários e, assim, perde todo o seu carácter filantrópico, que constituía o seu mérito» (Corso di Economia Politica, 1927, p. 695). Os juros de Loria pela renda, que colocou no centro do seu sistema, era expressão de uma visão da economia e da sociedade centradas nos lucros e, por isso, nos empresários, na classe produtiva; portanto, crítica da tendência parasitária da cultura italiana, que crescera exponencialmente durante a Contrarreforma. De facto, o século XVII foi um tempo de regresso à terra, da nobreza do sangue, dos condes e dos marqueses, de uma classe de nobres que viviam sem trabalhar, e todo o resto da sociedade que trabalhava sem viver: «Depois, vem uma outra subdistinção das classes sociais, modelada na distinção do capital em produtivo e improdutivo: a dos produtores capitalistas, exclusivamente dedicados à indústria, e a dos improdutivos, que não aumentavam a riqueza social, mas especulavam sobre valores, formando o seu rendimento cobrando sobre os rendimentos de terceiros» (La sintesi economica, 1910, p. 211).
No entanto, permanece uma questão: Loria é continuador da tradição civil italiana, mas não era católico (era de família judia): então, onde se orientou o pensamento económico católico do século XX? Loria também escreveu sobre cooperação e sobre o movimento cooperativo. De facto, foi nos escritos sobre cooperação, sobre os bancos rurais e também sobre as caixas económicas onde encontramos algumas das páginas mais bonitas de Economia civil de escritores italianos, a partir da segunda metade do século XIX, incluindo algumas belíssimas de Giuseppe Mazzini. Como, na época da Contrarreforma, os italianos católicos dedicaram-se à edificação de Montepios, dos Montes Frumentários e de uma enorme quantidade (e qualidade) de obras sociais, escolas, hospitais; também a noite do pensamento livre, entre os séculos XIX e XX antimodernistas, viu uma grande proliferação de obras sociais, instituições, cooperativas, bancos e de escritores não académicos, mas grandes construtores do bem comum.
Porém, isto não impede que a onda antimodernista da Igreja Católica tenha envolvido fortemente também os poucos economistas católicos da primeira metade do século XX, a começar por Giuseppe Toniolo até chegar a Amintore Fanfani. Esta tradição católica, que teve a sua primeira época na Universidade do Sagrado Coração de Milão, fundada por Agostino Gemelli, um centro importante, continuou a olhar para a Idade Média como a idade de ouro e a Escolástica de S. Tomás de Aquino como o ponto mais alto da cultura e da filosofia cristã, também no campo económico. Para Fanfani, um autor com uma genialidade e originalidade próprias, o auge ético da ética económica alcançou-se entre o século XIII e inícios do século XIV, quando, com os primeiros sinais do Humanismo – visto como um regurgitamento do paganismo – começou o declínio da civilização cristã que dará origem, já em finais do século XIV, ao espírito do capitalismo que, para Fanfani, era um espírito maligno. De faco, Fanfani, criticando Max Weber (talvez sem o compreender), afirmava que o capitalismo não nasceu no mundo protestante, mas na Itália, entre os séculos XIV e XV, quando a práxis económica abandona os ensinamentos da Escolástica e começa a seguir caminhos diferentes e distantes do autêntico humanismo evangélico: «Ao longo dos séculos XIV e XV, cresce o número dos que, na aquisição da riqueza, adotam métodos ilícitos segundo as regras tomistas… O vizinho perde a fisionomia do irmão e adquire a do concorrente, isto é, do inimigo» (Le origini dello spirito capitalistico in Italia, Vita e pensiero, 1933, p. 162). Por isso, mercadores como Marco Francesco Datini, redimiram-se de uma vida errada «procurando reparar no momento da morte» (p, 165). Porque, agora, «a riqueza é um meio unicamente apto a satisfazer as próprias necessidades» (p. 165). Por outro lado, para Fanfani, até meados do século XIV, a economia era cristã porque «a atividade económica, como todas as outras atividades humanas, devia desenvolver-se à volta de Deus… Todos se centravam numa ideia: a da teocentricidade» (p. 158). O século XV foi, portanto, o nascimento do espírito do capitalista que «não conhece outro limite de conduta senão o da utilidade (p. 155).
Assim, todo o trabalho da escola franciscana, entre os séculos XIII e XIV (que Fanfani e Toniolo ignoram e não levam a sério), que tinha levado a uma nova conceção do lucro civil e do mercador como amigo da cidade, é considerado degeneração e decadência do verdadeiro espírito cristão, o dominado pelo tomismo, quando se agia apenas para o bem comum porque, diz-se, trabalhar para o bem privado é apenas uma forma de egoísmo e de busca da própria utilidade pessoal. Daí uma visão, a dele, que lê o Humanismo contra a Escolástica e, sobretudo, considerada a centralidade de Deus em competição com a centralidade do homem, como se Deus tivesse querido um mundo totalmente orientado para si, um Pai que não se regozijaria com a autonomia dos seus filhos para os querer todos ao seu serviço exclusivo – que pai não incestuoso faria tal coisa? Assim, esqueceu-se que os séculos XIV, XV e XVI foram, pelo contrário, os séculos em que a aliança entre franciscanos e mercadores tinha realizado autênticos milagres económicos, civis, artísticos, espirituais, e regressa, no século XX, aquela inimizade entre a centralidade de Deus e a centralidade dos homens, que tinha dominado na Contrarreforma.
Muitos documentos da Doutrina Social da Igreja se ressentem destas décadas antimodernas, anti mercado, anti empresários e anti banca (não admira que nem a palavra empresário nem banca estejam presentes na nossa Constituição [italiana]). Eis porque hoje seria não apenas urgente, mas muito necessário que os estudos de Doutrina Social partissem realmente do Humanismo, daquele período em que o mercado nasceu do espírito cristão, dos mercadores e mendicantes juntos, do Evangelho, não contra ele. É o que tentámos fazer durante estas semanas. Obrigado a quem nos seguiu neste caminho, desafiante mas também, talvez, um pouco útil.
(1) NdT: Non Expedit (em latim para "Não é conveniente") foram as palavras com as quais a Santa Sé ordenou aos católicos italianos a política de abstenção nas eleições parlamentares da Itália.
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(2) NdT: Entre as principais lições da encíclica, estão a condenação do modernismo, a importância da Tradição, o combate ao relativismo e a defesa da doutrina católica.A terra do ‘nós’ / 8 – O mercado, os mercadores e o Evangelho entre reflexão científica e obras sociais
por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 11//11/2023
A época dos mercadores medievais, das suas companhias onde, no Livro Razão, se encontrava a contabilidade em nome do “Senhor Deus”, foi o tempo em que a aliança entre os mercadores e os frades mendicantes gerou Florença, Pádua ou Bolonha. Uma época extraordinária que não conseguiu tornar-se a cultura económica e meridional moderna porque a Reforma Luterana e a Contrarreforma Católica dividiram a Europa em duas e impediram que as sementes civis medievais florescessem em plenitude. Paradoxalmente, foi o mundo nórdico protestante a acolher uma parte da herança da primeira economia de mercado medieval (mas sem os seus carismas, sem Francisco e sem Bento), embora tivesse nascido na polémica com as riquezas da cristandade romana dos Papas renascentistas. Os países católicos – e, entre estes, a Itália de modo especial – viveram a Reforma Protestante como um trauma religioso e civil e os frutos foram os típicos de um grande trauma coletivo. Não podemos saber no que se teria tornado a sociedade e a economia italiana e meridional se a aliança entre franciscanos e mercadores tivesse continuado após o século XVI, se a Igreja católica não se tivesse amedrontado – por vezes aterrorizado – diante de toda a forma de liberdade individual, convencida de que o “foro interno”, privado do controlo dos pastores, estivesse demasiado exposto aos ventos da heresia do Norte. Toda aquela classe de mercadores humanistas que cresceu entre Dante e Masaccio, Miguel Ângelo e Maquiavel, as empresas e os bancos dos toscanos e dos lombardos, desfizeram-se contra a rocha do Concílio de Trento e, com o fim do século XVI, começou a época barroca que deu alguma excelência artística e literária, mas não gerou filhos e netos à altura dos primeiros mercadores amigos dos frades e das cidades. A história barroca da Itália é a história de um caminho interrompido, de uma história civil, religiosa e económica inacabada, que teve efeitos determinantes na forma que a economia e a sociedade modernas assumiram a sul dos Alpes. Aquele conjunto de teologia, normas jurídicas e morais, práticas e proibições, medos e angústias a que chamamos Contrarreforma (não utilizo a expressão Contrarreforma Católica, embora exista uma Reforma na Contrarreforma Católica e uma Contrarreforma na Reforma Protestante) não só condicionou a nossa vida religiosa como também mudou e plasmou as nossas empresas, a política, os bancos, as comunidades, as famílias, os impostos.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 04//11/2023
A Contrarreforma foi uma época ambivalente, onde os luminosos exemplos dos Monti dos franciscanos se cruzaram com fenómenos obscuros noutros terrenos. Mas para a ciência económica italiana foi uma boa época. Enquanto a teologia e a filosofia se tornaram lugares de risco devido ao controlo capilar por parte do Santo Ofício, as artes, a música, as ciências e também a economia tornavam-se lugares mais seguros, onde os homens de pensamento podiam exprimir-se com maior liberdade. E, assim, uma época pobre de grandes teólogos e filósofos (sobretudo se comparada com a Europa do Norte) mas que gerou muitos escritores, músicos e economistas excelentes.
[fulltext] =>O Reino de Nápoles foi onde mais se expressou o génio económico mediterrânico e católico. A tradição económica napolitana começa já entre os séculos XVI e XVII, graças a Antonio Serra, de Cosenza, que escreveu um Breve Tratado (em 1613), considerado, por muitos, como o primeiro estudo de economia moderna, e não só para a Itália. Depois, chegou a grande época do século XVIII napolitano, a de Ferdinando Galiani, Filangieri, Antonio Genovesi, Dragonetti e dezenas de outros ótimos economistas, que escreveram sobre moeda, crédito e, sobretudo, sobre “Felicidade Pública”. Uma tradição que permaneceu viva e vivificante até à primeira metade do século XIX, com Francesco Fuoco que pode ser considerado o último dos autores clássicos italianos.
Depois, o nascimento do Reino de Itália gerou uma forte tendência para considerar a “verdadeira” ciência económica apenas a inglesa e francesa e, assim, a tradição napolitana acabou por ser considerada obsoleta e retrógrada. Entretanto, a ciência económica anglo-saxónica estava a mudar de rumo; rapidamente deixou os grandes temas do desenvolvimento e do bem-estar dos povos e se centrou no indivíduo e na sua utilidade. Neste contexto cultural, o paradigma napolitano da Felicidade Pública, mais interessado na sociedade do que no indivíduo, parecia ainda mais distante e estranho e rapidamente foi esquecido.
Francesco Fuoco, «espirito bizarro e agudo» (T. Fornari, Teorie economiche delle province napoletane, p. 615), não foi apenas um ótimo escritor sobre crédito e bancos. Escreveu páginas notáveis em muitos outros setores da ciência económica. No seguimento de Genovesi, Fuoco considerava o mercado como uma forma providencial de “ajuda mútua” e de reciprocidade. Por isso, a ‘divisão do trabalho’ não divide, mas une a sociedade: «A divisão do trabalho não é oposta à reunião, mas pressupõe-na e serve para a tornar mais forte e duradoura» (Scriti Economici, 1825, p. 205). De modo especial, as várias profissões são uma grande linguagem de cooperação e de mutualidade, o primeiro cimento das sociedades: «A divisão do trabalho não é mais que a distinção das profissões. Quanto mais se aperfeiçoa a indústria, mais as subdivisões se multiplicam e mais numerosas se tornam as profissões» (p. 207).
Portanto, a indústria e a economia são vistas por Fuoco como uma densa rede cooperativa, onde cada um, trabalhando, satisfaz as necessidades dos outros, na reciprocidade. O trabalho é uma linguagem civil de cooperação, graças à qual milhares – hoje milhões – de pessoas se assistem e cooperam sem sequer se conhecerem. E num tempo – o nosso – em que a narrativa dos negócios está toda centrada na concorrência, no vencer os concorrentes, nas virtudes antagónicas e guerreiras, Fuoco e a escola napolitana descrevem-nos uma história oposta: o mercado é civilização porque favorece as virtudes cooperativas e gentis, porque está assente na lei de ouro da reciprocidade positiva: «Assim, os povos tornam-se membros de uma vastíssima família e estabelece-se uma espécie de comunidade entre todos os habitantes da terra» (p. x).
Mas é sobre a ‘teoria da renda’ que Fuoco concentrou as suas energias teóricas. Na sua estadia em França conheceu o recente debate inglês sobre o arrendamento das terras. De modo especial, estudou a teoria de David Ricardo que, nos seus Princípios de Economia Política (de 1817), propôs uma teoria da destruição do rendimento e do capitalismo diferente da de A. Smith, centrada na renda como chave para compreender as dinâmicas do capitalismo. Fuoco, pouquíssimos anos depois, escrevia o seu ensaio sobre a renda (em 1825), onde expunha o debate, corrigindo e completando. Qual é o ponto fulcral do discurso de Fuoco?
A teoria da renda assenta em dois pilares: (1) a centralidade dos empresários (ou capitalistas) para a riqueza e desenvolvimento das nações; (2) o conflito estrutural entre empresários e proprietários de terras (ou rentiers). As classes sociais são três e três são os respetivos rendimentos: os salários vão para os operários, os lucros para os empresários, as rendas para os proprietários dos terrenos. Dado que os salários são fixados a nível da subsistência, as duas variáveis do sistema económico são os lucros e as rendas, que estão numa relação rival entre si: se umas crescem, os outros diminuem. Daí a ideia fundamental: o desenvolvimento económico encontra o seu limite no conflito radical entre locadores e empresários, um conflito vencido pelos locadores porque as dinâmicas do capitalismo levam a um grande incremento das rendas em detrimento dos lucros. E sendo os empresários o motor do desenvolvimento, a redução dos lucros leva à estagnação do sistema: «À medida que as rendas aumentam, os lucros diminuem e, à medida que os lucros diminuem, a poupança e, consequentemente, a acumulação tornam-se mais difíceis» (Scritti Economici, I, p. 57).
Fuoco está convencido que a Felicidade Pública depende do crescimento da indústria e, por isso, dos empresários e, consequentemente, da diminuição do poder dos proprietários das terras; também porque, diferentemente de Ricardo e da Malthus, Fuoco estava convencido que o aumento do arrendamento causaria o abaixamento dos salários e empobreceria trabalhadores e “consumidores” (palavra presente no seu sistema). Daí advém também a sua proposta radical em matéria fiscal: «Se o rendimento do governo [os impostos] derivasse apenas do arrendamento das terras, a indústria não seria prejudicada» (p. 67). Uma tese que ainda hoje permanece como profecia, se pensarmos na baixa tributação do património e dos rendimentos de qualquer tipo. Por isso, Fuoco vai ainda mais longe, tocando o bom território da utopia social: «Se as terras não pertencessem a ninguém, o seu rendimento total poderia ser útil para as despesas do Estado» (p. 67). Uma tese que prefigura a teoria da “terra livre” de Achile Loria, de Mântua (1857-1943), outro grande economista italiano, esquecido.
De facto, é o próprio Loria a louvar o seu predecessor napolitano: «Francesco Fuoco, ilustrador agudo da teoria ricardiana da renda e notável pela preeminência que atribui às relações da distribuição sobre as da produção» (A. Loria, Verso la giustizia sociale, 1904, p. 90). Na realidade, para Fuoco, a produção era muito importante, mas estava convencido – e nós com ele – que se o mecanismo que atribui quotas de rendimento às várias classes sociais (isto é, “a distribuição”) é distorcido e perverso, a produção emperra.
Loria é um autor extremamente importante na nossa história à procura do “espírito meridiano” do capitalismo. Enquanto a carruagem da ciência económica se deslocava para as preferências do consumidor e se tornava uma matemática aplicada às escolhas do indivíduo, Loria, com uma tenacidade infinita, colocou a “velha” renda no coração da sua teoria. E fê-lo durante toda a sua vida, como uma autêntica vocação, desde os primeiros estudos universitários, em Siena, até à morte que o apanha na sua casa de Luserna San Giovanni (Turim) quando os fascistas tentavam prendê-lo, pois era judeu. De facto, na sua tese de doutoramento escrevia: «A renda fundiária não só é o fenómeno mais importante de todo o organismo social como também é a sua síntese» (La rendita fondiaria, 1880, p. xiii). Loria foi um crítico do capitalismo semelhante e diferente de Karl Marx. Como Marx, também ele queria compreender os grandes movimentos da sociedade a partir das relações económicas; mas enquanto que para Marx o eixo do capitalismo se encontrava no conflito entre salários e lucros, para Loria (e Fuoco) o conflito determinante era entre rendas e lucros: «A verdadeira cisão básica das duas classes da riqueza é a que existe entre a classe dos proprietários das terras e a dos capitalistas, com interesses antitéticos e opostos e, assim, em perene conflito» (La síntese económica, 1910, p. 211).
Loria, entre os séculos XIX e XX, escreveu obras monumentais para dar cada vez mais e melhor fundamento à sua tese e, assim, apresentar uma teoria do materialismo histórico alternativa à de Marx e F. Engels – com o qual teve discussões públicas ferozes, em parte relatadas no Prefácio do terceiro volume de O Capital de Marx. A história de Loria é a história de uma derrota. A sua teoria da renda foi esmagada “à esquerda” pelo crescimento do marxismo (A. Gramsci criou, sarcasticamente, o termo “lorianismo”) e “à direita” pela nova economia neoclássica liberal representada, em Itália, por Pantaleoni e, sobretudo, por Pareto (que, com a sua conhecida arrogância, considerava Loria um charlatão). Loria, cada vez mais só e marginalizado (e estimado por poucos e, entre estes, Luigi Einaudi), continuou, no entanto, a acreditar na sua teoria da renda que, com o passar do tempo, não dizia respeito apenas à renda fundiária, mas estende-se a toda a espécie de rendimento que chega hoje, graças aos privilégios de ontem (esta é, em essência, a renda). É por isso que ele também escreveu sobre rendimentos financeiros e sobre bancos – hoje ter-se-ia ocupado também de rendimentos da consultadoria em detrimento dos empresários? A teoria da renda era, portanto, o instrumento com que Loria criticava o capitalismo que se estava a tornar cada vez mais especulativo e distante do trabalho: «A verdade é que sob o mundo económico sólido e normal que a escola clássica tem prazer em retratar, sob as fazendas e os latifúndios, as oficinas e as fábricas, em subterrâneos tenebrosos, se agita e troca uma multidão de falsificadores, que manipula e trafica a riqueza alheia e daí tira, fraudulentamente, lucros enormíssimos» (Corso di Economia Política, 1910, p. 303).
Assim, podemos compreender uma das suas mais bonitas afirmações: «Quem observar imparcialmente a sociedade humana, verifica facilmente que ela apresenta o estranho fenómeno de uma absoluta e irrevogável cisão em duas classes rigorosamente distintas: uma delas, sem fazer nada, apropria-se de rendimentos enormes e crescentes, enquanto a outra, muito mais numerosa, trabalha de manhã à noite, durante toda a sua vida, em troca de um miserável salário; isto é, uma vive sem trabalhar ao passo que a outra trabalha sem viver ou sem viver humanamente» (Le basi economiche della costituzione sociale, 1902, p. 1). O sistema clássico de Ricardo, Fuoco e Loria era tridimensional: terra, trabalho, capital. A ciência económica neoclássica de finais do século XIX, pelo contrário, torna-se bidimensional: trabalho e capital. Esta transformação não gerou apenas a perda da profundidade teórica que a terceira dimensão da terra trazia consigo. O eclipse da terra, no capitalismo, é uma das causas principais da destruição do planeta e da perda das raízes. Numa entrevista (a “L’ufficio moderno”) que concedeu na altura da sua reforma/aposentadoria do ensino na Universidade de Turim, à pergunta «O que mais estimula o seu interesse científico?», Loria respondeu com uma frase que devíamos escrever em todos os Departamentos de Economia do mundo: «A dor humana».
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 04//11/2023
A Contrarreforma foi uma época ambivalente, onde os luminosos exemplos dos Monti dos franciscanos se cruzaram com fenómenos obscuros noutros terrenos. Mas para a ciência económica italiana foi uma boa época. Enquanto a teologia e a filosofia se tornaram lugares de risco devido ao controlo capilar por parte do Santo Ofício, as artes, a música, as ciências e também a economia tornavam-se lugares mais seguros, onde os homens de pensamento podiam exprimir-se com maior liberdade. E, assim, uma época pobre de grandes teólogos e filósofos (sobretudo se comparada com a Europa do Norte) mas que gerou muitos escritores, músicos e economistas excelentes.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 28/10/2023
A ideia de que a troca é um ‘jogo’ onde os ganhos de uma parte são iguais e opostos às perdas da outra é frequentemente a primeira dificuldade com que se depara um professor nas suas primeiras aulas de economia. Os alunos aproximam-se da ciência económica com a convicção que o mercado é um lugar das relações de ‘soma zero’ (+1/-1). De facto, é difícil transmitir a ideia de que na troca económica a regra de ouro é o benefício mútuo e, portanto, aos ganhos de uma parte correspondem ganhos também para a outra e, quando este benefício mútuo não se verifica, o mercado é distorcido e negado, acabando por se assemelhar à guerra, ao roubo ou ao atletismo (a metáfora desportiva para a economia está quase sempre errada). Por detrás da má reputação de que gozaram os operadores económicos, durante séculos, estava o mesmo erro dos meus alunos de hoje. De facto, se o mercado é realmente uma relação onde uma parte enriquece à custa da outra, torna-se necessário tutelar a parte fraca, restringir a área das trocas e, depois, olhar com grande desconfiança ética para comerciantes e banqueiros. As proibições religiosas do empréstimo com juros só reforçaram uma negatividade que já existia. Na realidade, os comerciantes e os operadores económicos e financeiros sabiam bem que o mercado era um ‘jogo de soma positiva’; sabiam-no porque estava assente em contratos que, quando realizados em liberdade, revelam a natureza do benefício mútuo das partes (porque hei de dar o meu livre consentimento a uma relação predatória?); também sabiam que, frequentemente, o benefício mútuo era assimétrico (+4,+1) por causa das informações diferentes e pelas relações de força. Porém, quando o contrato produzia uma perda de qualquer parte (+2,-1) sabiam que se estava a sair da economia e se entrava no furto, sabiam que se deixava a fisiologia e se entrava na patologia do mercado.
[fulltext] =>Portanto, o verdadeiro problema estava noutro lugar, isto é, sobretudo entre os teólogos e os filósofos. De facto, quem escrevia sobre preços, mercados ou juros eram, em larga escala, intelectuais que (com a feliz exceção dos franciscanos e alguns dominicanos) pregavam sobre comércio e empresas sem ter, geralmente, a mais pálida ideia do que eram os mercados reais, os empréstimos reais, os contratos reais, as lojas e os empresários reais (um problema que, em parte, ainda subsiste). E, assim, a ideia foi superior à realidade e os tratados morais e os manuais para confessores falavam de um mundo comercial distorcido e distante da vida real do povo. A ponto de, enquanto se multiplicavam os tratados contra o comércio e as usuras, a Idade Média enchia-se de dezenas de milhares de banqueiros e comerciantes cristãos, que lucravam, pediam emprestado e emprestavam com juros e tornavam maravilhosas as nossas cidades.
De facto, descrevendo a grande difusão da usura nos séculos XIII e XIV, em Itália, A. L. Muratori recorda que o empréstimo com juros estava previsto nos estatutos das cidades onde, frequentemente, até existia um registo público dos usurários: «Ninguém, em Siena, podia emprestar com juros de qualquer forma, se antes não se inscrevesse no livro chamado Usurário de Bischerna» (Opera Omnia, 1790[1738-1743], XVI, p. 310) - lia-se num documento de 1339, citado por Muratori – a “Bischerna” era a antiga magistratura. Depois, continua: «Quem emprestava com juros, emprestava apenas por seis meses e quem recebia o dinheiro, contribuía com uma oferta ao usurário; isto é, pagava logo o fruto dos seis meses». Passados os seis meses, «se o devedor não cumprisse, os juros que, pro danno, teria de pagar era um quarto de centavo por cada lira, em cada mês» (p. 311), isto é, 4% mensais equivalente a quase 50% anuais (e, aqui, compreende-se porque os 5% anuais sobre os empréstimos dos Montepios era realmente uma taxa de instituição sem fins lucrativos). Impressiona a linguagem: fala-se de oferta ao usurário, porque apresentar os juros como oferta tornava mais simples contornar as proibições eclesiásticas contra a usura. Todo o mercador sabia muito bem que a realidade era muito diferente das palavras com que era chamada e que a oferta nada tinha a ver com isso. As palavras bonitas são as primeiras vítimas de qualquer afastamento da realidade da ideia de realidade. E, assim, a hipocrisia e a moral dupla tornaram-se o ambiente dos mercadores e banqueiros da Idade Média até anteontem.
Uma hipocrisia civil reforçada e amplificada pelos teólogos da Contrarreforma que, séculos depois, retomaram as antigas e abstratas proibições de lucros e usura que, em boa parte, tinham sido superadas pelos franciscanos e pelos mercadores entre os séculos XIII e XVI. No século XVII, reagravaram-se a distância e a desconfiança entre o mundo económico e o mundo eclesiástico, incluindo os cristianíssimos banqueiros dos papas. A religião tornou-se assunto para o culto e para as festas, para as confrarias e para as procissões, para os nascimentos e as mortes, para as esposas e as mulheres, mas comerciantes e banqueiros mantinham-se bem distantes dos confessionários e dos sermões. Entre os muitos pregadores e teólogos contrarreformistas, destaca-se o jesuíta Paolo Segneri (1624-1694), estimado homem de letras (colaborou na terceira edição do Vocabulário da Crusca **), autor de muitos manuais para confessores e de tratados de moral. Entre estes, o mais célebre é O cristão instruído segundo a sua lei, de 1686. Nele lemos palavras duríssimas sobre comerciantes «que vendendo fiado a mercadoria aos pobres depois lhes concedem este bonito privilégio de, não tendo dinheiro, ter de a pagar mais cara». Assim, o crédito-confiança é um engano criado pelo vendedor com o único propósito de aumentar os seus ganhos à custa dos pobres. E acrescenta: «Sei que os comerciantes se defendem com aqueles títulos tão preciosos de ‘lucro cessante’ e de ‘dano emergente’…, mas duvido fortemente que sejam para eles, muitas vezes, um simples pretexto de que se servem para arrancar à força os frutos a que não chegam com as mãos» (Ed. Veneziana, Carlo Todero, 1765, vol. 1, p. 207). Estas frases elegantes revelam uma ideia de mercado, moralmente ínfima, realizado em lojas escuras: «O comprador procura benefícios ilícitos ou, na míngua do preço que oferece ou na debilidade das moedas. O vendedor procura ocultar os defeitos da mercadoria que expõe e, quando questionado, não os revela, escolhendo habilmente as lojas privadas de luz, para que menos se possam ver» (p. 209). Depois, continua com as suas dúvidas (que, na realidade, são certezas): «Duvido também que o grande risco que temem, de não serem pagos vendendo a prazo, não ocorra, porque muitas vezes querem o Abonador [fiador]; e como se o Abonador não bastasse, ainda querem o penhor» (p. 207). É evidente que, aqui, Segneri fala de comerciantes, mas também de banqueiros que, no regime antigo, eram frequentemente as mesmas pessoas. E conclui: «Negociar muito e não prejudicar os outros no seu negócio é uma coisa muito difícil» (p. 208). Por fim, surge claríssima a ideia da troca como ‘jogo de soma zero’: «Em todo o contrato de compra e venda, o pecado está presente, como um pau encravado entre dois muros … É quase como se a injustiça entre esses dois termos tivesse ficado tão apertada que, mesmo que se queira, não se consegue ficar livre. E, quer o comprador quer o vendedor se agarram a ela com toda a força». (p. 208).
Portanto, não nos devemos admirar que, dada esta ideia dominante sobre comerciantes e crédito, na nossa bonita Constituição italiana não apareçam nem as palavras empresário nem banca.
A economia civil napolitana e italiana nasce no século XVIII com uma ideia diferente de mercado e de crédito. Já o vimos com Genovesi e, agora, vemo-lo com um seu herdeiro, Francesco Fuoco (1774-1841), de Caserta (Mignano). Fuoco, hoje esquecido na sua própria pátria, foi um autor extremamente original, por vezes genial. Sacerdote, revolucionário napolitano de 1799, pedagogo, matemático, físico, geógrafo latinista e filólogo na primeira fase da sua atividade, tornou-se, depois, economista após o seu exílio político em França (1821-1823), onde estudou com o grande economista J. B. Say. Nesta fase francesa, começou a sua complicada colaboração com o homem de negócios de Como, Giuseppe de Welz, para o qual escreveu, talvez por necessidades económicas, as suas primeiras obras de economia e finança (que saíram com a assinatura de Welz: uma controvérsia acerca da autoria ainda não totalmente resolvida). Entre estas, o livro La magia del credito svelata [A Magia do Crédito Revelada] (1824), onde encontramos uma teoria inovadora do crédito e da banca e, por vezes, surpreendente. O seu ponto de referência é Antonio Genovesi, de quem cita largos trechos nos seus Saggi Economici [Ensaios económicos] (1825-1827) onde, entre outras coisas, falando de máximos e de mínimos em economia (Fuoco é um dos primeiros economistas matemáticos), escreve assim: «A noção de salário mínimo é o ponto em que o operário se recusa a trabalhar por insuficiência de salário» (Vol. II, p. 11), lembrando-nos que o salário mínimo é tudo menos uma questão recente ou bizarra.
Na introdução a La magia del credito [A magia do crédito], Fuoco começa o seu discurso dizendo que se deparou com uma tese de um autor francês tão bizarra que, à primeira vista, lhe pareceu um delírio: «Quem tem o talento para contrair débitos tem a arte de enriquecer» (p. 1). O possível delírio nascia da recordação que Fuoco, como bom homem de letras, tinha bem presente, de textos satíricos como O devedor feliz, de Ser Muzio Petroni de Trevi que, em finais do século XVI afirmava que «não pode haver maior felicidade nesta vida do que ter dívidas» e elogiava quem vivia sem trabalhar, fazendo os outros trabalhar para si. Claramente, o louvor do crédito (não tanto do débito) que Fuoco partilhava tinha raízes muito diferentes e opostas.
De facto, alguns anos depois, nos seus Saggi economici, escreverá sobre o crédito páginas de grande beleza e atualidade: «Os meios que dão ao trabalho de um povo a máxima energia criam-se e multiplicam-se pela virtude do crédito e o crédito fortifica-se na proporção que o trabalho se aperfeiçoa» (II, p. 395). Portanto, fala de uma «aliança entre trabalho e crédito», assente no mútuo benefício, essencial para a felicidade pública. Uma aliança que chama ‘íntima’, graças à qual «a moral se difunde».
No que diz respeito aos juros sobre o empréstimo, para Fuoco «nada é mais justo do que receber uma compensação do empréstimo» (p. 397). Depois, citando extensivamente Genovesi, «a quem nada poderíamos acrescentar de melhor», conclui dizendo que «o capital é uma riqueza estéril quando não é empregue num uso produtivo, isto é, num ramo qualquer da indústria. Por isso, o empréstimo é uma condição necessária para dar ao capital usos produtivos» (II, p. 415).
Muito bonita a conclusão do seu raciocínio: «A criação e o uso do capital baseiam-se no crédito e, portanto, na moralidade que foi e sempre será o seu fundamento. Se os princípios da moralidade fossem vulgarmente reconhecidos e respeitados, o crédito por si só seria suficiente para dar vida à economia geral dos povos» (II, p. 416). Portanto, uma economia apenas de crédito, uma economia de pura crença, um mercado baseado na fé. Hoje, parece uma utopia de ontem. E se, pelo contrário, fosse uma profecia de amanhã?
** - NdT: O primeiro Vocabulário de língua italiana, publicado em 1612, pela Academia de Crusca (Florença), fundada em 1583.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 28/10/2023
A ideia de que a troca é um ‘jogo’ onde os ganhos de uma parte são iguais e opostos às perdas da outra é frequentemente a primeira dificuldade com que se depara um professor nas suas primeiras aulas de economia. Os alunos aproximam-se da ciência económica com a convicção que o mercado é um lugar das relações de ‘soma zero’ (+1/-1). De facto, é difícil transmitir a ideia de que na troca económica a regra de ouro é o benefício mútuo e, portanto, aos ganhos de uma parte correspondem ganhos também para a outra e, quando este benefício mútuo não se verifica, o mercado é distorcido e negado, acabando por se assemelhar à guerra, ao roubo ou ao atletismo (a metáfora desportiva para a economia está quase sempre errada). Por detrás da má reputação de que gozaram os operadores económicos, durante séculos, estava o mesmo erro dos meus alunos de hoje. De facto, se o mercado é realmente uma relação onde uma parte enriquece à custa da outra, torna-se necessário tutelar a parte fraca, restringir a área das trocas e, depois, olhar com grande desconfiança ética para comerciantes e banqueiros. As proibições religiosas do empréstimo com juros só reforçaram uma negatividade que já existia. Na realidade, os comerciantes e os operadores económicos e financeiros sabiam bem que o mercado era um ‘jogo de soma positiva’; sabiam-no porque estava assente em contratos que, quando realizados em liberdade, revelam a natureza do benefício mútuo das partes (porque hei de dar o meu livre consentimento a uma relação predatória?); também sabiam que, frequentemente, o benefício mútuo era assimétrico (+4,+1) por causa das informações diferentes e pelas relações de força. Porém, quando o contrato produzia uma perda de qualquer parte (+2,-1) sabiam que se estava a sair da economia e se entrava no furto, sabiam que se deixava a fisiologia e se entrava na patologia do mercado.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 21/10/2023
As discussões à volta da usura, que acompanharam muitos séculos da história europeia, são a ponta de um iceberg muito profundo e extenso, que visa diretamente o bem comum, os pobres e a justiça social. Não era – nem é – um assunto apenas para especialistas de finança ou de ética económica, mas o coração do pacto social e, por isso, da vida e da resiliência das comunidades. Portanto, não nos devemos admirar que sempre escreveram de usura não só os economistas e teólogos, mas também filósofos, escritores, humanistas.
[fulltext] =>A Reforma de Lutero e a consequente Contrarreforma Católica condicionaram muito também a economia e a atitude em relação à usura. Os teólogos e os pregadores católicos da segunda metade do século XVI, muito preocupados – por vezes aterrorizados – pelos efeitos nefastos da liberdade de consciência individual, não mediada pela autoridade eclesiástica, geraram um sistema capilar de controlo de todas as ações eticamente sensíveis entre as quais as relativas à economia e à finança. E, assim, mais ou menos intencionalmente, a doutrina sobre usuras (e, de modo geral, sobre a liberdade da empresa e seus lucros) recuou, pelo menos, quatro séculos. Esqueceram as reflexões dos mestres franciscanos e voltaram ao conteúdo e ao nível dos debates e proibições sobre juros e lucros que se liam nos tratados dos finais do primeiro milénio.
Os meados do século XVIII conheceram uma nova idade de ouro da ética económica. Autores como Muratori ou Genovesi retomaram a discussão sobre lucros, moeda e juros, onde a tinham deixado o Humanismo civil e escreveram páginas belíssimas. Não esqueceram os danos da usura, pelo contrário, estudaram-nos muito, combateram-nos, mas também não esqueceram a essencialidade do crédito para uma nova sociedade finalmente livre dos laços do feudalismo. E nasceu a Economia civil, um dos capítulos mais luminosos da história italiana e europeia e o abade Genovesi foi a sua alma.
Antonio Genovesi foi, primeiro, teólogo e, depois, economista. Não teve a vida fácil com a Igreja do seu tempo, que lhe retirou o ensino da teologia (1745), aconselhando-o a passar à cátedra de ética. Recebeu denúncias de ateísmo e de heresia, foi muitíssimo estimado pelos alunos e pelo povo, mas «foi perseguido tão ferozmente e para além da morte que, para evitar males maiores, foi prudente sepultá-lo às escondidas, sem lápide e com a piedosa “cumplicidade” dos Capuchinhos de Sant’Efremo Nuovo» (Lina Sansone Vagni, Studi e Ricerche Francescane 23, 1994). As suas Lezioni di Economia civile foram colocadas no Index (*) pelo decreto de 23-06-1817. Na sua autobiografia escrevia: «Eu, que tinha começado a ficar entediado com estas intrigas teológicas e estava a começar a ter horror a estudos tão turbulentos e frequentemente sangrentos, fiz mais: retirei os meus manuscritos e decidi permanentemente não pensar mais nestes assuntos» (Autobiografia, lettere e altri scritti, p. 22).
As grandes dificuldades teológicas que Genovesi encontrou levaram-no a tornar-se economista e ser o primeiro a ocupar uma cátedra de Economia. Ensinando, estudando e circulando pelo seu Reino de Nápoles, escreveu páginas importantes também sobre a usura e o dinheiro, onde a sua competência teológica e bíblica lhe foi essencial. A sua dolorosa carreira académica, forçosamente mestiça, gerou páginas maravilhosas. Vejamos algumas.
Genovesi conhece bem, como teólogo, as objeções filosóficas e teológicas ao pagamento de juros sobre o dinheiro – usura ou juro que ele, no entanto, distingue (Lezioni, Vol. II, Cap. 13, §1) – mas sabe que estas proibições abstratas tinham complicado muito a vida aos mercadores honestos e tinham criado uma cultura católica hipócrita, onde ninguém podia emprestar, mas todos emprestavam e pediam empréstimos. Daí a sua luta tenaz e livre para desmascarar estas hipocrisias e modernizar o seu povo de Nápoles.
Encontramos a obra-prima teórica e retórica sobre a usura e sobre o crédito quando debate com os teólogos, a quem chama ‘os meus inimigos’: «Os teólogos, portanto, enfrentam duas dificuldades: 1. Que a doutrina da usura repugna às doutrinas bíblicas. 2. Que é oposta à doutrina dos Padres e dos teólogos». Sobre a segunda dificuldade remete «para a douta obra do saudoso Marquês Maffei», onde se demonstra «que, porém, não é verdade que os Padres e teólogos tenham sido todos deste seu sentimento, desde que se saiba explicar o estado da questão» (§XIX). E, depois, enfrenta diretamente os teólogos, com um estilo maravilhoso: «Gostaria de ter estado num concílio daqueles doutíssimos e santíssimos Padres e fazer-lhes duas perguntas: 1. Se alguém, que não tenha necessidade, me pede um empréstimo por puro luxo, por prazer, por avidez da riqueza, serei eu, Padres, obrigado a emprestar-lhe isso? 2. E se eu tenho necessidade nem posso viver senão fazendo valer a minha necessidade, posso dizer a este homem: ‘irmão, ajudemo-nos mutuamente; eu te satisfarei com as minhas coisas, mas tu dar-me-ás, em troca, o preço corrente do empréstimo; pergunto: posso fazer-lhe justamente esta pergunta? Enquanto não ouvir a resposta deste concílio às minhas duas perguntas, tenho por certo que quer os Padres quer os teólogos nunca foram contrários à usura nos termos da nossa questão» (§XIX). Lendo a qualidade destes antigos debates aumenta a tristeza diante da qualidade dos nossos talk shows.
Depois, continua e entra no terreno da exegese bíblica, mostrando-nos um Genovesi discípulo de Erasmo e, sobretudo, de Muratori, verdadeiros pioneiros do estudo científico e livre das Escrituras que – veremos – chega ao ponto de retificar as traduções oficiais dos Evangelhos: «Comecemos pelo Antigo Testamento. A Lei de Moisés, em Deuteronómio (23, 20) é: “Non foeneraberis fratri tuo pauperi; foeneraberis alienigeno” (não emprestarás ao teu irmão pobre; emprestarás ao estrangeiro). Exponhamos esta lei. 1. Dá ou deixa o direito de emprestar com juros a quem não era hebreu (este é o alienigena ou estrangeiro)». E conclui magistralmente: «Portanto, não considerou a usura como contrária ao jus e à lei da natureza. Deus não anula a lei da natureza porque Deus não pode nem anular nem negar a si mesmo. 2. Proíbe emprestar com usura ao irmão (judeu) pobre (§20).
E formula assim a sua teoria geral sobre o empréstimo e usura: «Portanto, a proposição principal é: tu tens o direito de emprestar com juros aos teus irmãos desde que não sejam pobres» (§20). Esta é a sua única solução: a Bíblia proíbe os juros aplicados aos empréstimos aos pobres, mas não o condena na generalidade.
Depois de ter refutado os seus críticos que citavam o Antigo testamento para negar todos os juros, passa ao Novo Testamento. Em primeiro lugar, faz uma operação muito atual e corretíssima: lê o evangelho juntamente com toda a Bíblia hebraica. Assim, a famosa frase de Lucas sobre emprestar sem cobrar juros (Lc 6, 35), que os teólogos usavam para condenar qualquer tipo de juros, Genovesi coloca-a no discurso que acabou de fazer sobre o livro do Deuteronómio e, portanto, no contexto da proibição do empréstimo com juros ao pobre. Genovesi compara Lucas 6, 35ss. e oferece-nos una tradução sua fascinante: «Não fazeis qualquer bem – diz-lhes – senão àqueles de quem esperais. Portanto, o vosso princípio é: não se deve fazer o que não nos rende. Máxima infame que perverte a humanidade. Todos os patifes, os malvados, os gananciosos, os ladrões fazem o mesmo. Então, onde será colocada a graça que aí é dada? Que recompensa mereceis de Deus por isso? Olhai: estes publicanos emprestam àqueles de quem esperam mais juros; não sereis diferentes deles se prestardes esses benefícios viciados aos pobres, a fim de extrair os seus bens para vós mesmos? Portanto, se quereis ser justos e virtuosos, como exige o Altíssimo, e pretendeis ser chamados seus filhos, amai também os vossos inimigos, fazei-lhes o bem: emprestai sem desiludir os necessitados e os pobres da esperança que tiveram na vossa liberalidade, e sem os fazer desesperar» (§21).
E, agora, chega o seu verdadeiro golpe de génio (e de cultura). Como professor de grego e latim, Genovesi dá aos seus colegas teólogos uma lição, ainda atualíssima e que merece ser meditada. Vejamos como. Escreve: «Portanto, este preceito está conforme à primeira parte da lei do Deuteronómio. Há algo nela que favoreça os nossos teólogos?» (§21). Porém, Genovesi apercebe-se que fez uma tradução com algum elemento de liberdade que pode parecer intrusivo – isto é, o seu discurso sobre os pobres e necessitados. E escreve: «Mas expliquemos algumas palavras que coloquei na minha paráfrase que, para quem lê as versões, podem ser consideradas intrusivas. Disse antes que Jesus Cristo fala no lugar presente de necessitados e pobres, que não está expresso no preceito» (§22). Genovesi afirma que a referência à proibição seja dirigida aos pobres pois tal é o contraste original no Deuteronómio (e que, implicitamente, Lucas cita) e porque – acrescento eu – estas palavras vêm depois do discurso das Bem-aventuranças que começa com o “bem-aventurados os pobres” (6, 20). Note-se também que o texto latino da Bíblia (a Vulgata) naquela passagem de Lucas tinha a palavra ‘indiget’, isto é, ‘necessitado’, ‘indigente’, uma palavra que na tradução italiana foi ignorada.
Mas a parte mais bonita, verdadeiramente comovente, da sua exegese corajosa e inovadora é sobre a palavra esperar. As traduções correntes, a partir da tradução latina da Vulgata, traduzem apelpizo (a palavra grega de Lucas) como ‘sem esperar nada’ em troca. Porém, Genovesi faz uma tradução diferente, que cito na íntegra: «Coloquei: sem desiludir os necessitados e os pobres da esperança que tiveram na vossa liberalidade, e sem os fazer desesperar, porque, embora os compiladores das várias variantes do Novo Testamento a tenham omitido, alguns críticos sagrados observaram que, sendo, portanto, um acusativo masculino, o απελπιξω (apelpizo) deve ser tomado em sentido ativo, o que significa não fazer desesperar, em cujo sentido é usado por muitos dos melhores escritores gregos». Por isso, propõe emendar também a versão de Jerónimo (onde se lê ‘nihil inde sperantes’: emprestai sem esperar nada): «A versão latina podia ser: mutuum date, neminem desperare facientes» (§22), isto é: emprestai, sem fazer desesperar ninguém! Por isso, Genovesi conclui o seu raciocínio com estas palavras: «Porque neste preceito se fala claramente de emprestar aos pobres e porque é mais consentâneo ao texto ler o verbo apelpizo no sentido de não conduzir ninguém ao desespero» (§22). Maravilhoso! Quando, há já muito anos, comecei a estudar e a escrever sobre economia e, depois, sobre ética e, por fim, sobre a Bíblia, esperava que chegasse um dia em que pudesse encontrar, compreender, apreciar e fazer apreciar por outros uma página difícil, mas belíssima, como esta de Genovesi. Talvez a sua exegese bíblica não seja a melhor nem muito menos a única, mas a sua exegese económica destes trechos bíblicos permanece insuperável e carregada de esperança civil.
A usura é um grande mal social porque leva o povo, os pobres, ao desespero. É o desespero dos pobres a primeira medida das nossas usuras, desde as de alguns bancos às de uma civilização irresponsável que saqueia a terra e lança os seus filhos e netos no desespero.
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(*) - NdT: Índice, isto é: Índice dos Livros Proibidos. Era uma lista de publicações consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas e proibidas pela Igreja Católica. Foi promulgado pelo Papa Paulo IV em 1559 e teve a última edição em 1948. Foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. (ndt).
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 21/10/2023
As discussões à volta da usura, que acompanharam muitos séculos da história europeia, são a ponta de um iceberg muito profundo e extenso, que visa diretamente o bem comum, os pobres e a justiça social. Não era – nem é – um assunto apenas para especialistas de finança ou de ética económica, mas o coração do pacto social e, por isso, da vida e da resiliência das comunidades. Portanto, não nos devemos admirar que sempre escreveram de usura não só os economistas e teólogos, mas também filósofos, escritores, humanistas.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 14/10/2023
O nascimento da Economia Política moderna está profundamente ligado à emergência de uma nova ideia de Bem Comum. O pensamento antigo e medieval deu-lhe origem a partir da renúncia deliberada e consciente ao bem privado de cada pessoa. No século XVIII, porém, começou a dizer-se que o Bem Comum é o resultado (não intencional) da prossecução dos próprios interesses, sem necessidade de qualquer renúncia. Ninguém no mercado perde nada, todos ganham. Este é o cerne do discurso escondido por trás da metáfora da "mão invisível" de Adam Smith, introduzida alguns anos antes pelo napolitano Ferdinando Galiani (Della Moneta, 1750) e já presente, em embrião, também no outro grande napolitano Giambattista Vico. Uma revolução bem expressa por Smith: "Nunca vi nada de bom feito por aqueles que se propuseram trabalhar pelo bem comum" (La Ricchezza delle Nazioni, 1776).
[fulltext] =>Sobre isso, a Economia Civil Napolitana e Italiana pensava, e ainda pensa, de forma diferente: embora reconhecendo aos mecanismos de benefício mútuo do mercado o estatuto de lei de ouro da vida económica e social, nunca pensou, porém, que o benefício mútuo da mão invisível por si só fosse suficiente para o Bem Comum. Conheciam o benefício mútuo, mas não fizeram dele a única linguagem social ou económica para a civilização dos povos. Antonio Ludovico Muratori (1672, Vignola - 1750, Modena) foi uma figura de grande relevo. Naqueles anos, após o século XVII, que tinha sido também a época de ouro da Contrarreforma e da Inquisição (de que, entre outras coisas, Muratori se ocupou), iniciou-se um movimento reformista na Europa. No âmbito eclesial, primeiro a eleição de Bento XIII (em 1724), que já conhecemos em artigos anteriores pela sua grande ação pelos Montes Frumentários, e depois, após o breve interlúdio de Clemente XII, de Bento XIV (em 1740), marcaram um verdadeiro tempo de renovação também social e económico. Bento XIV, além de escrever a encíclica Vix pervenit (1745) sobre a legitimidade do empréstimo a juros, foi um reformador económico, e realizou uma reforma agrária para reintroduzir a instituição bíblica da "respiga" para os camponeses pobres.
A era muratoriana foi uma época de maior tolerância para com ideias novas e divergentes, clima que favoreceu o surgimento de grandes intelectuais sociais que o século XVII não gerara – os talentos católicos daquele século estavam orientados para as esferas menos "perigosas" da arte, da música e da poesia. Muratori foi uma figura de intelectual impressionante e gigantesca. Fez contribuições fundamentais para os estudos históricos, incluindo 27 volumes da Rerum Italicarum Scriptores, 6 volumes dos Antiquitates Italicae Medii Aevi e 12 volumes dos Annali da Itália. Foi professor do jovem Antonio Genovesi, e escreveu importantes páginas económicas tanto n'A Caridade Cristã (1723) quanto no Cristianismo Feliz (1743), onde descreve e elogia a experiência socioeconómica das "reduções" dos jesuítas no Paraguai. No ano anterior à sua morte, publicou um resumo do seu pensamento em Della pubblica felicità, um livro cujo título representou durante pelo menos um século o lema do projeto de investigação dos economistas italianos, agora novamente vivo. Entre os muitos campos abordados e renovados por Muratori, dois são muito importantes: o trabalho teológico de reforma da vida económico-civil e a coexistência da ideia de benefício mútuo com a do dom.
Após quase dois séculos da Contrarreforma, Muratori entendeu que, sem uma profunda reforma da "devoção" (divozione) e da piedade popular, que naqueles séculos estava entrelaçada com a magia e a superstição, a sociedade católica teria ficado definitivamente bloqueada. E assim o padre Muratori criticou as devoções para salvar a devoção: "Na Igreja Católica há uma abundância de livros de devoção e piedade, autores que propõem todos os dias alguma nova devoção e devoçõezinhas" (Della regolata devozione dei cristiani, Prefazione, 1747). As suas críticas provocaram muitas reações duras, acusações de protestantismo e jansenismo, um destino comum aos verdadeiros reformadores.
Muito importante é a razão principal da sua crítica religiosa: "Devemos ter em mente uma verdade muito importante: Deus não nos ordena nada que não seja o nosso próprio bem, isto é, amar e buscar a nossa felicidade mesmo na vida presente" (p. 5). Porque, explica, toda a Revelação está direcionada para a nossa felicidade: «Deus quer que resistamos aos sopros da luxúria desordenada, da ira, da gula, da vingança e de semelhantes paixões vigorosas: não é isto para nosso próprio benefício?» (pág. 35). Numa Igreja totalmente centrada nas almas do purgatório, no vale de lágrimas, nas penitências, na dor e na teologia da expiação, a obra de Muratori resplandece como um hino à vida e à pessoa, como um Humanismo, onde Deus é o primeiro aliado do homem para a sua felicidade. Uma visão inteiramente bíblica e evangélica. A relação entre Deus e os seres humanos deve ser vista como benefício mútuo e reciprocidade: o Seu Bem é o nosso, o nosso é o Seu. Muito lindo. Deste humanismo provém a sua crítica ao culto dos santos e de Nossa Senhora, chegando mesmo a dizer algo revolucionário: que a devoção dos santos "não é necessária e essencial para o cristão" (p. 205).
Muito importante é, também, a razão económica da sua longa batalha pela redução dos demasiados dias santos de guarda na Igreja Católica. Nesses dias santos os cristãos não podiam trabalhar, de modo que "a multiplicidade dos dias santos claramente prejudica e onera aqueles que têm que ganhar o pão com as artes e com o trabalho das suas mãos" (p. 10). E acrescenta: "Os santos não têm necessidade da nossa glória e, pelo contrário, os pobres precisam do pão, nem nunca se deve julgar que os santos tão cheios de caridade gostem que, para lhes fazer uma honra desnecessária, os pobres fiquem defraudados da sua porção necessária de alimento" (p. 211). Mais uma vez, a falta de benefício mútuo. E conclui com mestria: "A nossa devoção é para nosso proveito" (p. 212). Alguns anos mais tarde, o seu pupilo Antonio Genovesi não deixa de aprovar em suas Palestras a visão de Muratori sobre a religião (cap. 10, IX, vol. 2). A sua batalha teológica pastoral mais complexa e longa foi a contra o "voto de sangue" (ou voto de "Palermo") que teólogos, bispos e jesuítas recomendavam aos cristãos. Os que faziam esse voto tinham de defender a doutrina da Imaculada Conceição da Virgem à custa das suas vidas. Muratori considerou este voto supersticioso e ilícito. A sua batalha começou em 1714 com o livro De ingeniorum moderatione (1714). A razão da sua oposição reside, também aqui, na falta de benefício mútuo: mesmo que a Imaculada Conceição fosse certa (o que Muratori não considerava certo, mas apenas provável), Maria não obtém vantagem se os cristãos derem a vida para defender um dogma: «Maria não precisa de louvores duvidosos, nem de um sacrifício imprudente. E, pelo contrário, tu precisas da tua vida" (p. 269). Muratori criticava uma Igreja que via o sacrifício humano como uma moeda para dar glória a Deus. Daí a sua crítica aos excessos das "devoções marianas", à proliferação das "Confrarias dos escravos da Mãe de Deus" (Regolata Divozione, p. 280). As únicas boas devoções são aquelas, como ele diz no final de seu livro, "que contribuem para a glória da religião e para o benefício do povo" (p. 283). Alfonso Maria de' Liguori, que estimava Muratori, foi um crítico muito duro da sua estigmatização do "voto de sangue": apelando à autoridade de Angélico, ele escreveu: " É certo ainda que tal culto pode ser causa de martírio" (A. Maria de Liguori, Delle Glorie di Maria, cap. V, 1750).
Chegando agora ao segundo aspeto do seu pensamento, no seu belo livro A Caridade Cristã, encontramos também os Monti di Pietà: «Outros Monti di Pietà inventou então a caridade laboriosa dos fiéis. Como o Sacro Monte della Farina, do qual o Beato Jerónimo de Verona foi o principal instrutor em Modena e em outras cidades." O Monte della Farina era uma variante dos Montes frumentários – quanto haveria para estudar sobre essas instituições antigas?! E prossegue: "O pressuposto dos administradores de tais Monti deve consistir em comprar trigo, e de boa qualidade, com a maior vantagem possível em alturas convenientes, e fazê-lo com não menos diligência do que se tratasse do seu próprio negócio, para revendê-lo, sem qualquer juro, transformado em farinha, para quem dele necessite... Há demasiada gente a quem agrada esta maneira fácil de fazer fortuna sugando o sangue dos pobres." E depois diz-nos também que "foi criado em Bolonha, cidade abundante em obras piedosas, um Monte de cânhamo" (p. 315). Sobre os Monti di Pietà continua: "Monti Sacri de i Pegni, fundado nos últimos séculos pela piedade dos cristãos, para a glória do catolicismo na Itália e na Flandres" (p. 310). Esses Monti foram verdadeiramente uma glória do "catolicismo", mesmo em séculos de ambivalência para a Igreja Católica. É importante como Muratori explica o funcionamento desses Monti, onde aqueles que emprestam dinheiro o fazem "com a intenção de receber nada mais do que o capital emprestado..., e exigir mais seria buscar apenas o nosso próprio interesse e não o benefício do próximo" (p. 311). O único juro legítimo nos Monti dos pobres é aquele que serve "para o reembolso das despesas com a manutenção dos funcionários" (p. 312). Muratori, portanto, gostava tanto do "benefício mútuo" que chegou a colocá-lo no centro da sua crítica à religião, mas reconheceu que nalgumas áreas da vida económica e social o benefício mútuo é muito pouco, porque há necessidade do registo do dom. O benefício mútuo, na religião, estava do lado dos pobres; nos Monti, só o dom estava do seu lado e, portanto, do Bem Comum.
Muratori (com Scipione Maffei) reconheceu a legitimidade do juro na maioria dos assuntos comerciais, mas sabia que há ações humanas em que o benefício mútuo não age bem. Para nos lembrar que a "mão invisível" funciona em muitas coisas, mas não em todas, caso contrário essa mão torna-se apenas uma ferramenta ideológica para "sugar o sangue dos pobres". O «bom» Bem Comum não nasce apenas dos juros: nasce também do dom, que é o fermento da massa formada pelos juros. Como se depreende do seu Della pubblica felicità, onde se lê: "O desejo mais comum, e pai de tantos outros, é o do nosso Bem Privado... De uma esfera mais sublime, e de origem mais nobre, há um outro Desejo, o do Bem da Sociedade, do Bem Público, ou seja, da Felicidade Pública" (p. vi). Muitos bens nascem do desejo do Bem Privado, mas não todos os bens, porque há outros que nascem do amor do Bem Comum. Dois bens diferentes, ambos essenciais. No museu municipal de Modena, há um retrato do Beato Jerónimo de Verona. O santo segura uma única folha com a inscrição: Mons charitatis. Em plena Contrarreforma, a Igreja entendia que havia uma santidade ligada à construção dos Monti, aos bancos, e que construir um Monte para os pobres poderia ser a única insígnia de um santo, nada mais "religioso" era necessário.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 14/10/2023
O nascimento da Economia Política moderna está profundamente ligado à emergência de uma nova ideia de Bem Comum. O pensamento antigo e medieval deu-lhe origem a partir da renúncia deliberada e consciente ao bem privado de cada pessoa. No século XVIII, porém, começou a dizer-se que o Bem Comum é o resultado (não intencional) da prossecução dos próprios interesses, sem necessidade de qualquer renúncia. Ninguém no mercado perde nada, todos ganham. Este é o cerne do discurso escondido por trás da metáfora da "mão invisível" de Adam Smith, introduzida alguns anos antes pelo napolitano Ferdinando Galiani (Della Moneta, 1750) e já presente, em embrião, também no outro grande napolitano Giambattista Vico. Uma revolução bem expressa por Smith: "Nunca vi nada de bom feito por aqueles que se propuseram trabalhar pelo bem comum" (La Ricchezza delle Nazioni, 1776).
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 07/10/2023
As instituições económicas das nossas terras meridionais nasceram híbridas, e assim permaneceram enquanto o modo de fazer economia nas terras sob os Alpes teve traços típicos e diferentes, que hoje estão desaparecendo perante a distração geral. Enquanto, de facto, o Norte protestante, seguindo Agostinho e Lutero, distinguia a «cidade de Deus» da «cidade do homem» e, portanto, o mercado do dom, o contrato da gratuidade, a solidariedade da empresa, o lucro do sem fins lucrativos, o humanismo latino fortalecia na Era da Contrarreforma a promiscuidade entre estes mundos e áreas. E assim gerou párocos gestores de cooperativas e de caixas agrícolas, famílias empresárias, frades que abraçaram a mais alta pobreza enquanto fundavam bancos para os pobres.
[fulltext] =>Hoje há muitos que pensam que a economia comunitária, mediterrânica e católica, aquela "terra do ‘nós’" feita de relações estreitas e laços calorosos, onde os vendedores ambulantes cantavam canções nas praças (a abbanniata siciliana) e nos mercados trocavam sobretudo palavras, já não tem nada de bom a dizer; que tenha desaparecido para sempre o capitalismo latino, onde a solidariedade não foi confiada aos 2% dos lucros porque a solidariedade foi inserida nas dinâmicas ordinárias das empresas, dos bancos e das cooperativas - a nossa era a solidariedade do "durante", não a do "depois". Aquele mundo mediterrânico onde os salários não eram deixados apenas ao arbítrio do "mercado de trabalho" porque esse "sal" era diferente e algo mais do que uma mercadoria. A vida e a dor ensinaram que, quando o trabalho se torna uma mercadoria o seu salário-sal torna-se insípido demais para dar sabor a refeições boas e dignas. E assim, o que resta da economia comunitária é cada vez mais visto e tratado como a velha Singer [máquina de costura] da tia ou a Lettera 35 [máquina de escrever] do avô.
Sabemos bem que a comunidade é ambivalente porque é a vida real que o é. E, portanto, a comunidade é vida e morte, fraternidade e fratricídio, amizade e conflitos, abraços e lutas, lágrimas de alegria e de dor, juntos. E uma sociedade que nas ligações só vê laços, que adora o indivíduo livre porque libertado de toda relação humana que não seja a do mercado, dos contratos e das redes sociais (que são a mesma coisa: o 'like' do Facebook é o 'like' do consumidor soberano), só pode fugir da comunidade, de toda a comunidade feita de carne e osso.
No entanto, em todo este discurso, um discurso que está a tornar-se o único, deve haver algo de errado que nos está revelando, todos os dias, nada mais do que a crise ambiental.
Nestas semanas estamos vendo que os franciscanos tinham uma outra ideia de pessoa, de comunidade e de economia. Fizeram a escolha, toda carismática, de ir viver no coração das novas cidades comerciais medievais e renascentistas, deixaram os vales e desceram às praças e tornaram-se amigos dos comerciantes e dos cidadãos, e muitas vezes os compreenderam. E quando escreveram sobre economia e dinheiro, não olharam para o mundo do alto dos tratados de teologia, geralmente escritos por aqueles que nunca viam verdadeiros comerciantes e banqueiros (a impressão que os teólogos, que escreviam sobre economia, davam aos comerciantes é muito semelhante à que hoje dão os políticos que escrevem leis para uma economia que não veem). Em vez disso, eles colocaram-se à baixa altura das bancas do mercado, e lá encontraram os olhos dos mercatores, e outra economia nasceu, diferentes bancos surgiram, outros Monti.
Esses franciscanos foram capazes de inovar porque sujaram as mãos com questões económicas, arriscando-se até a cometer erros, porque a terra só é mudada por aqueles que andam sobre ela e que não se refugiam na pureza etérea dos céus - os novos céus não se encontram sem as novas terras. E cometeram erros, como aquele, sério, do tom antissemita das suas batalhas contra a usura, com base na ideia de que só os judeus emprestavam dinheiro por usura. Essa ideia era errada, porque muita usura, especialmente a grande, era feita por bons cristãos, famílias ricas de banqueiros que emprestavam a ricos mercadores, cardeais e papas cristãos; os judeus praticamente ficavam com os pequenos empréstimos, sentados em seus banquinhos sob a tenda com o tapete vermelho. Ali todos os viam, enquanto os grandes contratos usurários dos poderosos Strozzi, Médici ou Chigi permaneciam invisíveis para a maioria, incluindo os frades - a grande finança sempre teve a sua força na invisibilidade. Muitos usurários católicos fizeram brilhantes carreiras políticas (Massimo Giansante, L'usuraio onorato, 2008), numa finança europeia que, ao contrário da má história antijudaica, estava também, e em alguns casos, sobretudo em mãos cristãs (F. Trivellato, Ebrei e capitalismo: storia di una leggenda dimenticata, 2021).
Temos muita dificuldade em compreender as razões profundas da antiga luta moral contra a usura. A principal é um princípio claro e forte: "não se pode lucrar com o tempo futuro, porque esse é o tempo dos filhos e da descendência". É por isso que a nossa geração é uma geração usurária, porque não sabe «pensar no bem comum e no futuro dos filhos» (Laudate Deum, 60), aqueles «filhos que pagarão os danos causados pelos nossos atos» (LD, 33). Usurário é aquele que hoje especula sobre o tempo dos filhos. Os pobres de hoje são, então, também e sobretudo, as crianças nascidas e as que vão nascer, que devem ser protegidas das nossas usuras individuais e coletivas.
Voltemos à maravilhosa história dos franciscanos, que hoje aqui em Assis, onde estou para celebrar a "Economia de Francisco", se destaca com uma luz deslumbrante de futuro - Francisco é o nome de amanhã, não só de ontem.
Quando a ação dos Frades Menores na fundação dos Monti di Pietà (que nas cidades gradualmente se transformaram em bancos) foi atenuada com o Concílio de Trento, os frades capuchinhos assumiram a batuta e durante mais de dois séculos construíram centenas de Montes Frumentários. Os frades menores atuavam principalmente nas cidades do Centro-Norte, porque naquelas economias monetárias era essencial contornar a usura com a grande intuição (de origem judaica) das casas de penhores que se tornaram os seus Monti di Pietà. Lá, os objetos das famílias (roupas, móveis, ferramentas de trabalho, joias: quase tudo, exceto armas) eram liquidados em dinheiro, o que era essencial na cidade onde vigorava a divisão do trabalho. De facto, eram poucos os objetos entregues como penhor ao Monte (bens penhorados) que eram resgatados quando o empréstimo era reembolsado, porque aqueles Monti desempenhavam uma função mista de empréstimo-compra. Nos campos e no Sul, no entanto, onde a economia era principalmente não monetária, nasceram os Montes Frumentários, com a simples e extraordinária inovação do trigo usado como moeda. Nos campos e nessas economias de subsistência havia poucos bens a serem penhorados, e por isso as garantias, que, no entanto, são necessárias em todas as formas de financiamento, eram pessoais, como o aval. O crédito regressava assim à sua antiga etimologia de acreditar, de confiar e acreditar sobretudo em alguém, portanto nas pessoas. Em caso de insolvência, os Monti di Pietà vendiam os objetos penhorados, e os Montes Frumentários eram «ludibriados»: «Como não havia objeto de venda em caso de não pagamento do empréstimo, os Monti eram 'ludibriados'» (Paola Avellone, All'origine del credito agrario, p. 33). As comunidades também sofrem destas fragilidades.
Uma grande, longa e desconhecida história de amor, toda evangélica e toda civil, uma das páginas mais brilhantes da nossa história económica e social. Então, adicionemos mais algumas páginas.
Eufranio Desideri (1556-1612), que se tornará São Giuseppe da Leonessa, foi um desses incansáveis frades capuchinhos construtores de dezenas de Montes Frumentários nas aldeias dos Sibillini e Monti della Laga, desde Amatrice até Núrsia, em quase todas as aldeias e cidades daquelas frágeis terras. Assim podemos ler nos testemunhos dos seus companheiros: "Quando Frei Giuseppe pregou em Bourbon, eu era seu companheiro e naquela terra havia uma grande fome. Dois cestos cheios de pão foram trazidos por duas mulheres. O Padre Giuseppe chegou à igreja, abençoou o pão e ordenou que fosse distribuído aos pobres: eram cerca de 200. Começámos a distribuição do pão. Embora muita gente tenha, entretanto, chegado, o pão foi suficiente para todos; na realidade sobrou e foi guardado nas casas: na nossa ficaram 3 ou 4 filas de 12 pães cada" (http://www.manoscrittisangiuseppe.it/la-vita/). A multiplicação dos pães e dos peixes, que acompanhou a nossa história cristã, repetiu-se mil vezes naqueles lugares onde "duas mulheres" ou "um menino" deram alguma coisa, e alguém acreditou ainda no milagre do pão para os pobres.
Frei Giuseppe foi proclamado santo pelo Papa Bento XIV em 1746, o Papa que adotou o mesmo nome que Bento XIII, ou seja, Francesco Orsini di Gravina, o "papa agricultor", o inspirador de centenas de Montes Frumentários. No ano anterior, Bento XIV escrevera a Vix Pervenit, a primeira encíclica papal que legitimava os juros dos empréstimos. Nesta Encíclica menciona também o empréstimo em «trigo» (VP, 3.V), testemunhando quão presente e importante ainda era a experiência dos Montes Frumentários. E, embora seja um documento que ficou na história como a legitimação do empréstimo a juros, quase toda a Encíclica se dedica, pelo contrário, a reafirmar a ilegalidade da usura e do empréstimo a juros, que só é legítimo em condições particulares e precisas (variantes dos antigos 'danos emergentes' e 'lucros cessantes') e "destas derive uma razão totalmente justa e legítima para exigir algo mais do que o capital devido pelo empréstimo" (VP, 3.III). De resto, reitera que "qualquer ganho que exceda o capital é ilícito e tem carácter usurário" (VP, 3.II), o que deveria envergonhar aqueles que assim ganham - era um mundo onde a ética da vergonha ainda era eficaz. Alguns anos mais tarde, dentro da mesma tradição civil e espiritual, Antonio Genovesi escreveu assim: "A regra: tens o direito de emprestar aos teus irmãos a juros ; A exceção: desde que não sejam pobres." (Lezioni di Economia Civile, 1767, II, cap. XIII, §20). Não se pedem juros aos pobres: basta o retorno do capital. Tudo isto, que a antiga tradição civil conhecia bem, esquecemo-lo nós.
O franciscanismo deu-nos muitas coisas, algumas delas maravilhosas. Entre elas está a dignidade dos pobres, que antes de serem ajudados devem ser estimados, porque sem a estima pelo que os pobres já são, não se cria nenhum ainda-não: "Lembro-me que aos domingos, geralmente quando entra uma grande quantidade de pão branco nos nossos conventos, o Frei Giuseppe me perguntou por que eu levava pão escuro para os pobres que batiam à porta. E com grande ênfase, ele me disse: 'Quero que dês aos pobres o branco'." O valor do pão branco para os pobres só podia ser compreendido por Francisco e pelos seus amigos de ontem e de hoje.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 30/09/2023
A política dos governos centrais, primeiro Bourbon e depois Piemontês, com a intenção de retirar à Igreja o controle das instituições de crédito agrícola, causou muitos danos no Sul (da Itália) e nas pequenas aldeias
A era da Contrarreforma conheceu, juntamente com páginas sombrias, também algumas páginas luminosas. Por que a "terra do nós" é a terra da comunidade, e a comunidade é sempre um entrelaçamento de luz e sombra. Uma das páginas luminosas é aquela escrita pelos capuchinhos, pelos bispos e por muitos cristãos que deram vida às centenas de Monti di Pietà e de Montes Frumentários, e se colocaram decisivamente ao lado dos mais pobres, especialmente no sul da Itália. Páginas tão luminosas quanto desconhecidas e não contadas pela própria Doutrina Social da Igreja, que nascendo formalmente em 1891 (Rerum Novarum) quando os Monti já estavam em declínio, os negligenciou sistematicamente. E assim não sabemos que os 114 Montes Frumentários da República Veneziana do final do séc. XVIII "serão substituídos pelas caixas agrícolas desejadas por Leone Wollemborg" (Paola Avallone, Alle origini del credito agrario, 2014, p. 85). Mas esta transformação dos Monti funcionou em parte no Norte, menos no Centro e falhou substancialmente no Sul de Itália, onde o vazio deixado pelos Monti permaneceu vazio. Vejamos porquê.
[fulltext] =>Na história dos Montes Frumentários há uma questão meridional específica, que começa com os Bourbon e depois passa para o Estado unitário. No Reino de Nápoles, os Montes Frumentários desenvolveram-se graças ao impulso decisivo dado pela Igreja, tanto institucional (bispos) como carismática (capuchinhos). Uma figura fundamental foi o bispo dominicano Pierfrancesco Orsini (Gravina 1650, Roma 1730), futuro Papa Bento XIII. Em Manfredonia (Siponto), onde foi bispo, criou em 1678 o seu primeiro Monte Frumentário, e quando se tornou bispo de Benevento fundou um Monte Frumentário em 1686 e assegurou que em cada aldeia e cidade nascesse pelo menos um, e surgiram mais de uma centena. E uma vez Papa, ele encorajou a sua instituição por todo o lado.
E foi precisamente em torno do papel da Igreja na gestão dos Monti que se desenrolaram as jogadas decisivas da sua história no Sul de Itália. Em 1741, de facto, houve uma Concordata entre os Bourbon e o Papa Bento XIV, que levou a uma secularização dos Montes Frumentários, para reduzir a ingerência da Igreja na vida económica das cidades. Com que resultados? Algumas décadas mais tarde, Francesco Longano, economista e filósofo assistente da cátedra de Antonio Genovesi, no seu relatório após uma viagem a Molise (e Foggia), escreveu palavras muito claras e importantes: "Desde há tempos imemoriais, para alívio público dos povos, encontravam-se em cada Província do Reino uma grande multidão de Monti di Pietà [Montes Frumentários], ou Luoghi Pii [Lugares Santos (NdT – Instituições de caridade)]. Eles estavam tão sujeitos aos Bispos, e a sua administração era tão exata, que eles prosperaram imensamente. O seu rendimento consistia principalmente em trigo, mas também em vacinas, gado, ovelhas e entradas em dinheiro. Uma vigilância tão excessiva que, em muito pouco tempo, com os administradores anuais (os Monti) foram todos retalhados, roubados, empobrecidos... Oito ou dez privilegiados pobres ou ricos formaram uma espécie de monopólio. Os ricos por ganância, os pobres saqueiam por necessidade" (Viaggio dell'abate Longano per la Capitanata, 1790, pp. 188-189). A operação dos Bourbon produzira, portanto, "a perda irreparável de uma obra de extrema utilidade pública em quase todas as cidades, terras e aldeias da Província" (p. 259). E assim Longano concluiu: "Compreende-se imediatamente a necessidade de serem restaurados, declarando-os novamente bens eclesiásticos, e sujeitos à Direção Episcopal" (p. 260). Uma contrarreforma que não chegou a acontecer.
Como recorda a historiadora Paola Avallone, "os Montes Frumentários gozaram de uma certa prosperidade enquanto foram livres de operar de acordo com os estatutos que que eles próprios criaram e enquanto foram administrados localmente por pessoas nomeadas pelo pároco e obrigadas a prestar contas da sua gestão à autoridade episcopal, como tinha sido indicado pelo Papa Bento XIII depois de 1724. Prosperaram enquanto, na prática, conseguiram adaptar-se às exigências da comunidade local" (cit., p. 24). A política dos governos centrais, primeiro Bourbon e depois Piemontês, com a intenção de retirar à Igreja o controle dos Monti, causou muitos danos, especialmente no Sul, onde a Igreja também desempenhava, há séculos, muitas funções civis e económicas, especialmente nas pequenas aldeias e entre os mais pobres. Quiseram centralizar a gestão dos Monti, não reconhecendo a sua frágil, mas essencial, estrutura local e comunitária, e fizeram-nos morrer.
Emblemático, a este respeito, é o fracasso do "Monte Frumentário Geral" do Reino de Nápoles, uma mega instituição central (com sede em Foggia), que deveria ter gerido todos os Monti espalhados no reino como filiais periféricas, também para superar a praga dos famigerados "contratos verbais" nos campos. Fundado em 1781, nunca arrancou. Só aumentou a burocracia, a distância entre os que governavam os Monti e os camponeses pobres aumentou, e tentou-se separar a componente financeira da caritativa, minando assim aquela natureza dupla que, pelo contrário, constituía a alma e o segredo do seu sucesso. Tratou-se, portanto, de uma reforma anti subsidiária, reforçada pelo período francês pós-revolucionário, pela restauração e, finalmente, pelo Estado unitário que tentou transformar os Monti em "caixas de créditos agrícolas" ou "caixas económicas", instituições distantes da tradição das aldeias do Sul, do espírito daqueles lugares. Encontrei dois decretos reais, de 31-1-1878 e 14-7-1889, que transformavam respetivamente "os dois Montes Frumentários e o Monte Pecuniário de Roccanova (PZ), e investiu os seus ativos a favor da Caixa de crédito e poupança", e "os Montes Frumentários de Maltignano (AP) foram transformados numa Caixa de crédito agrícola". O verbo usado pelo burocrata do decreto - "investiu" - ressoa hoje como um verbo profético: foi precisamente uma inversão de sentido dos Monti que foi gerada por leis que não os compreenderam. Nos decretos lemos que no pequeno município lucaniano de Roccanova havia três Monti, e no burgo de Maltignano fala-se genericamente de "Monti"no plural, testemunhando quão difundidas e capilares eram aquelas benditas instituições. Além disso, "a manobra de transformação dos Montes Frumentários em Caixas de Crédito, através da conversão do trigo em dinheiro, favoreceu particularmente as classes não diretamente interessadas no trabalho dos campos (...) A usura acabou levando a melhor" (Michele Valente, “Evoluzione socio-economica dei Sassi di Matera nel XX secolo”, 2021, p. 29).
A transformação dos Monti nestas novas caixas «do Norte» implicou, portanto, uma financeirização dos Montes Frumentários que, ao contrário dos Montes Pecuniários que muitas vezes os acompanhavam, utilizavam o trigo como moeda. O trigo usado como moeda foi a grande inovação daqueles diferentes bancos, a novidade foi precisamente a redução de um grau de intermediação, um elemento crucial num mundo com muito pouco dinheiro e, portanto, dominado por usurários. As novas leis obrigaram os Monti a abandonar o trigo-moeda e a se transformarem em instituições financeiras comuns. E assim morreram. Além disso, as leis do Estado não compreendiam a natureza híbrida dessas instituições - crédito e caridade, contrato e doação - e combateram-nas, sem entender que opor-se a esta natureza híbrida significava negar a história dos Monti, que viveram enquanto foram espúrios, misturados, contaminados. Quiseram separar o que estava unido por natureza e vocação, e mataram-nos. É claro que todos sabemos que por detrás de uma extinção em massa de milhares de Monti há muitas razões inscritas na evolução da sociedade italiana e europeia ao longo dos séculos, mas as reformas anti subsidiárias, a atitude ideológica anticlerical, a distância cultural entre os novos governantes e os camponeses, foram elementos decisivos para esta hecatombe económica e social: quem sabe o que poderia ser a finança, a economia e a sociedade meridional se os Monti tivessem sido compreendidos e protegidos? Giustino Fortunato, político e intelectual do Sul, opôs-se fortemente à reforma dos Monti e, em geral, à política agrária e económica do Estado unitário no Sul. Numa carta a Pasquale Villari, datada de 18-1-1878, ele escreveu: "Uma reforma alicerçada em ideias preconcebidas, em a priori (...) A confusão é grande. Primeiro exemplo: a transformação dos Montes Frumentários em Caixas de crédito agrícola" (Carteggio (1865-1911), pp. 11-12). Para Fortunato a reforma foi uma verdadeira "pedra tumular" para os Monti e para os "cafoni” (campónios).
E eis que devemos voltar à vocação e à natureza da economia “católica” e meridional. A ação pastoral da Contrarreforma fortaleceu e desenvolveu a presença generalizada da Igreja nos campos que, especialmente no Sul, se encontravam em grave estado de degradação, inclusive económica. A presença constante de frades, freiras e sacerdotes em todas as aldeias, nas paróquias, nos muitos conventos rurais, tinha levado a Igreja a compreender as verdadeiras necessidades das pessoas reais, tornando-se assim especialista em pobrezas e em economias concretas. E nasceram os Montes Frumentários: “Enquanto essas instituições foram administradas por eclesiásticos, os bens nelas preservados eram considerados sacrossantos e, portanto, intocáveis. A partir do momento em que foram laicizados, foram saqueados sem qualquer restrição (Paola Avallone, cit., p. 27).
O que ainda resta na Itália e na Europa meridional da tradição social e civil, das instituições de finanças solidárias, hoje corre o risco de sofrer o mesmo destino que os Montes Frumentários, onde os governantes não são mais os Bourbon e os Piemonteses, mas os algoritmos de Basileia e das instituições financeiras nacionais e internacionais, que separam o crédito das comunidades, que afastam as escolhas dos territórios, que já não escutam as reais necessidades das pessoas concretas e quando tentam ouvi-las não as compreendem porque falam línguas muito diferentes, e sem tradutores.
Termino dando a palavra a Ignazio Silone, que redimiu a honra da palavra ‘cafoni’, palavra demasiado cheia de injustiça, dor e esperança, que ainda aguarda o dia em que a dor deixará de ser uma vergonha: “Sei bem que o nome de ‘cafone’, na língua atual do meu país, é agora um termo ofensivo e de zombaria: mas utilizo-o neste livro na certeza de que, quando no meu país a dor deixar de ser vergonha, passará a ser um nome de respeito, e talvez até de honra" (Fontamara, Introduzione).
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 30/09/2023
A política dos governos centrais, primeiro Bourbon e depois Piemontês, com a intenção de retirar à Igreja o controle das instituições de crédito agrícola, causou muitos danos no Sul (da Itália) e nas pequenas aldeias
A era da Contrarreforma conheceu, juntamente com páginas sombrias, também algumas páginas luminosas. Por que a "terra do nós" é a terra da comunidade, e a comunidade é sempre um entrelaçamento de luz e sombra. Uma das páginas luminosas é aquela escrita pelos capuchinhos, pelos bispos e por muitos cristãos que deram vida às centenas de Monti di Pietà e de Montes Frumentários, e se colocaram decisivamente ao lado dos mais pobres, especialmente no sul da Itália. Páginas tão luminosas quanto desconhecidas e não contadas pela própria Doutrina Social da Igreja, que nascendo formalmente em 1891 (Rerum Novarum) quando os Monti já estavam em declínio, os negligenciou sistematicamente. E assim não sabemos que os 114 Montes Frumentários da República Veneziana do final do séc. XVIII "serão substituídos pelas caixas agrícolas desejadas por Leone Wollemborg" (Paola Avallone, Alle origini del credito agrario, 2014, p. 85). Mas esta transformação dos Monti funcionou em parte no Norte, menos no Centro e falhou substancialmente no Sul de Itália, onde o vazio deixado pelos Monti permaneceu vazio. Vejamos porquê.
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 23/09/2023
Os franciscanos, e depois a Igreja e a sociedade, compreenderam que, ao lidar com a pobreza e a escassez de dinheiro, uma solução, tão simples quanto esquecida, é reduzir o uso do dinheiro. O mundo católico e meridiano moderno também gerou uma sua própria ideia de economia, diferente em muitos aspetos da do capitalismo nórdico e protestante. A reação da Igreja de Roma ao cisma luterano fortaleceu e amplificou algumas dimensões do mercado e da finança já presentes na Idade Média, e criou outras de raiz. Na série "A terra do nós", Luigino Bruni continua a sua reflexão sobre as origens e as raízes do capitalismo e da sociedade na era da Contrarreforma.
[fulltext] =>A luta contra a usura é uma das características constantes na história da Igreja pré-moderna. Estando próximos do povo, bispos e monges compreenderam que as primeiras vítimas da usura eram sobretudo os mais pobres. Em mais de mil anos, entre o Concílio de Elvira (cerca de 305) e o de Viena (1311), há cerca de "setenta concílios em cada distrito" com palavras muito fortes contra a usura" (P.G. Gaggia, Le usure, p. 3). E enquanto os papas e bispos emitiam bulas e documentos contra a usura, bispos e carismas criavam instituições financeiras anti usurárias, para que a denúncia feita nos documentos não ficasse abstrata – na Igreja a realidade sempre foi superior à ideia, desde que o logos decidiu tornar-se criança. As raízes da Europa são também esta luta tenaz contra a usura e estas instituições anti usurárias. Entre estas, foram muito importantes os Monti di Pietà (Montepios) franciscanos, que durante algumas décadas estavam finalmente no centro de um renovado interesse. Menos estudados são os Montes Frumentários, também de inspiração franciscana – mas quanto devemos agradecer a Francisco e seus seguidores?! Instituições mestiças, como mestiça era (e é) "a economia católica", a economia comunitária e latina, essa "terra do nós" que da comunidade também retomou a sua mestiçagem, a sua ambivalência, a sua carne e o seu sangue.
Como os Monti di Pietà, os Montes Frumentários tinham, de facto, um pouco de bancos, um pouco de assistência, um pouco de empréstimos, um pouco de dom, um pouco de mercado, um pouco de solidariedade, gratuidade e interesse, indivíduo e comunidade, honestidade e corrupção, confiança e garantia, cidade e igreja. Os Montes Frumentários foram uma instituição fundamental para a economia rural italiana (e não só), especialmente a do Centro-Sul, e foram-no por mais de quatro séculos (!). E tal como os Monti di Pietà, os Montes Frumentários nasceram imitando instituições pré-existentes. Para os Montes pietatis os franciscanos da Observância inspiraram-se na deposita pietatis romana (a pietas era também uma grande palavra romana) e depois nos eclesiásticos dos primeiros séculos, nas instituições que eram "o fundo de depósito da piedade, usado para apoiar os pobres (...) e também os que sofreram um naufrágio" (Tertuliano, Apol. 39, 6). Mas certamente os franciscanos imitaram sobretudo as "casas de penhores" judaicas, trazendo inovações – juros baixos, o tipo de penhores, os prazos das restituições... Os Montes Frumentários (ou celeiros, silos, financeiros, da abundância, do auxílio, das farinhas, das castanhas...) nasceram como um desenvolvimento de depósitos públicos de grãos e sementes geridos, na Idade Média, por municípios ou mosteiros para fazer face às más colheitas e à fome – em Massa Marittima o "Palazzo dell'Abbondanza" remonta a 1265, o nome do município de Montegranaro refere-se a depósitos públicos medievais (talvez romanos) de trigo, cevada e cereais. Os primeiros ícones dos bancos eram montes – pensemos nos banqueiros Chigi – para nos dizer que o monte, o depósito, o empilhamento, foram a primeira forma da finança moderna.
O trigo foi o primeiro nome da economia mediterrânica (F. Braudel). Central para a vida das populações maioritariamente rurais, nos negócios, para as riquezas e pobrezas das cidades, feudos, campos; e foi preciso uma guerra na Europa para nos lembrar que ainda vivemos e morremos de trigo. A Bíblia também pode ser contada como a história do trigo e do pão: do maná à Eucaristia. Os Montes Frumentários foram a atualização da sabedoria de José, da sua capacidade de interpretar os sonhos e, assim, fazer face aos anos de "vacas magras" acumulando depósitos frumentários durante as "vacas gordas" – uma das histórias mais dolorosas e bonitas sobre a fraternidade traída e cuidada é acompanhada pelo cheiro do trigo, que é o mesmo cheiro da história de Rute, a antepassada de Jesus. O dízimo e a respiga eram instituições de natureza solidária, típicas de um mundo não monetário e predominantemente agrícola. O próprio templo de Jerusalém e, antes disso, os santuários, também desempenhavam a função de colher, armazenar e redistribuir sementes.
Os franciscanos transformaram os antigos ‘montes’ de trigo (celeiros) em algo novo e criaram os Montes Frumentários. Convivendo com as gentes das aldeias rurais, interpretaram os seus sonhos de vida, e compreenderam que o pequeno e médio camponês (meeiro ou arrendatário) estava muitas vezes em grande dificuldade: bastava um ano de penúria, um acidente, uma doença, uma inundação e comia-se o trigo destinado à semente para o ano seguinte para não morrer de fome, e assim para a nova sementeira tinha de se endividar, geralmente com usurários que o levavam à ruína. Os Montes Frumentários também nasceram nos mesmos locais que os Monti di Pietà, mas com estatutos e funcionários distintos. Não eram entidades de pura filantropia: pagava-se um "juro" não monetário sobre o trigo. Geralmente era retirado do alqueire “raso” e devolvido "cheio"; um juro pequeno, portanto, não muito diferente da taxa monetária dos Monti di Pietà (cerca de 5%) – os franciscanos não pensavam que a gratuidade coincidisse com o grátis. O trabalho de Bernardino da Feltre foi fundamental porque em 1515 uma bula papal (Inter multiplices, Leão X) reconheceu a legalidade do juro dos Monti di Pietà. Os primeiros Montes Frumentários franciscanos nasceram no final dos anos 80 do século XV, entre a Úmbria e Abruzzo. Os nomes destes primeiros montes – "Monte della Pietà del grano della Vergine Maria" de Rieti, ou "Monte della Pietà del grano" de Sulmona – revelam uma germinação inicial dos Montes Frumentários a partir dos Monti di Pietà. Os franciscanos entenderam que no contexto rural os empréstimos monetários não funcionavam e imaginaram bancos não monetários. O trigo foi, de facto, decisivo na vida e morte das pessoas, e num mundo com muito pouco dinheiro em circulação, aqueles que o possuíam tinham um poder demasiado grande para não abusar dele com usura. Mais tarde, aos Montes Frumentários juntar-se-ão também os Montes pecuniários (que sempre emprestaram trigo e produtos agrícolas, mas contra o pagamento em dinheiro), mas a utilização do trigo como moeda (la "grana") foi a grande inovação dos Monti, e a razão da sua longevidade.
Hoje parece que o Monte mais antigo é o de Núrsia (1487), fundada pelo Irmão Andrea da Faenza (o verdadeiro missionário do trigo). No entanto, é interessante que, em 1771, o historiador A. L. Antinori reivindicou a primazia de Leonessa: "Em 1446 foi, por Antonio di Colandrea abade, muito bem recuperado o Monte di Pietà em Lagonessa, foi construído um forte espaço para depósitos e penhores na praça" (cf. Giuseppe Chiaretti, Leonessa Arte, Storia, Turismo, 1995). A pedra, um portal de entrada, está hoje preservada no convento local de São Francisco. O pagamento de juros ao Monte Frumentário foi mais fácil de aceitar pela Igreja, porque o nó ético da usura dependia da antiga tese da esterilidade do dinheiro, uma esterilidade que não existe no trigo: aqui o juro (ou acréscimo) era considerado uma partilha do lucro natural fruto da generosidade da terra (semeias 1 e colhes 10).
O historiador Palmerino Savoia, que relata o trabalho incessante de criação no final do século XVII de Montes frumentários pelo bispo Orsini, futuro Papa Bento XIII, chamado "o agricultor de Deus" (ao qual voltaremos), descreve o funcionamento do Monte frumentário de Benevento: "O Monte era administrado por dois governadores e dois depositários que permaneciam um ano no cargo e eram nomeados pelo arcebispo (...) O empréstimo do trigo era feito quatro vezes por ano: em outubro para ajudar na sementeira, em dezembro para ajudar os necessitados nas festas de Natal, em março para as celebrações da Páscoa e em maio para a glória de São Filippo Neri" (Uma grande instituição social: I monti frumentari, 1973, Acerra). Um pormenor que diz o que eram as festas para o nosso povo: no meio da miséria, e precisamente porque eram pobres e expostos à fragilidade radical da vida, no dia da festa celebrava-se a vida, celebrava-se juntos para continuar a ter esperança e para vencer a morte. E a Igreja, aqui verdadeiramente mestra de humanidade, compreendia e aprovava os empréstimos do trigo para refeições e doces especiais, que interrompiam a fome e as carestias e diziam aos pobres: "não sois pobres sempre e para sempre" – hoje esquecemo-nos do que são as festas porque nos esquecemos da arte do pouco, da grande arte dos pobres. E assim, na abundância do "grão", morremos de fome de festa.
Alguns dados nos dizem o que eram os Montes Frumentários. Em 1861, no sul da Itália, havia 1054 Montes Frumentários, o dobro dos do norte, dos quais cerca de 300 só na Sardenha; na Itália central, em particular na Úmbria e nas Marcas, os Montes Frumentários eram 402 (P. Avallone, «Il credito», in Il mezzogiorno prima dell'unità, a cui di N. Ostuni e P. Malanima, 2013, p. 268). Por que se extinguiram? Em 1717, na diocese de Benevento – do então bispo Orsini – havia "157 Montes Frumentários", não filiais, mas todos com estruturas independentes (P. Calderoni Martini, Fra Francesco Maria Orsini e il credito agrario nel sec. XVII, Nápoles, 1933). No século XVIII entre os protagonistas dos debates sobre os Montes Frumentários estavam os melhores economistas "civis", desde Giuseppe Palmieri a Francesco Longano, o aluno de Genovesi que de 1760 a 1769 flanqueou e depois substituiu o mestre doente nas aulas de Economia Civil em Nápoles. Os Montes foram verdadeiras e próprias instituições económicas, financeiras e éticas, não "obrinhas piedosas".
Os franciscanos, e depois bispos e cidadãos, entenderam que, quando se lida com a pobreza e a escassez de dinheiro, uma solução, tão simples quanto esquecida, é reduzir o uso do dinheiro. Eles entenderam que se podia dar vida a uma economia sem dinheiro: se era o trigo que era necessário e escasso, o próprio trigo poderia tornar-se a moeda, sem a necessidade de outro intermediário. Saltaram um passo, encurtaram a cadeia da economia e alongaram a cadeia da vida. Um passo para trás tornou-se um passo para a frente. Eles inovaram removendo, reduzindo um grau de intermediação. Hoje há biliões de pessoas excluídas do dinheiro, que precisariam de novas instituições financeiras, locais e globais, não usurárias. Seremos capazes hoje de imitar a criatividade ética e civil dos franciscanos de ontem?
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por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 23/09/2023
Os franciscanos, e depois a Igreja e a sociedade, compreenderam que, ao lidar com a pobreza e a escassez de dinheiro, uma solução, tão simples quanto esquecida, é reduzir o uso do dinheiro. O mundo católico e meridiano moderno também gerou uma sua própria ideia de economia, diferente em muitos aspetos da do capitalismo nórdico e protestante. A reação da Igreja de Roma ao cisma luterano fortaleceu e amplificou algumas dimensões do mercado e da finança já presentes na Idade Média, e criou outras de raiz. Na série "A terra do nós", Luigino Bruni continua a sua reflexão sobre as origens e as raízes do capitalismo e da sociedade na era da Contrarreforma.
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